quinta-feira, 15 de março de 2012

A esquerda me dá nos nervos



Dia desses estava circulando no facebook um link tirando sarro da esquerda universitária, algo como "os tipos de esquerdista". Um velho amigo (com o qual tenho muitas diferenças políticas, mas que por sua inteligencia e bom senso é um interlocutor muito mais interessante do que quase todos os que tem uma posição mais perto da minha) aproveitou pra me cutucar: "e aí, onde voce se encaixa?" Minha resposta foi: não me encaixo com nenhuma esquerda que eu conheça. Sou um esquerdista esperando aparecer uma esquerda com a qual eu me identifique.
É assim: acho que a primeira coisa que deveríamos fazer seria admitir todas as nossas cagadas. Auto-crítica de verdade. Nada dessa palhaçada de "se não fosse Stalin estragar tudo...", "ah se o Lenin vivesse 381 anos", "Trotsky teria feito diferente", "Fidel é a verdadeira democracia", "pra que direito ao livre pensamento se há comida na mesa e educação e saúde para todos?". Isso não existe. O modelo revolucionário russo desde o primeiro dia já previa uma ditadura. E todas as tentativas socialistas terminaram em ditadura. Não pode ser um problema pequeno. Tem coisa séria aí. Esqueçamos a perfumaria e façamos uma autocrítica séria.
Temos de começar por Marx. Mas sabendo que ele morreu há quase 130 anos, e analisou um capitalismo completamente diferente do que vivemos e pensou em alternativas que simplesmente não são possíveis hoje. Foi genial a seu tempo, mas tudo mudou, e não poderia ser diferente. Marx é um começo. Mas não pode ser um guia.
Para começar, continuamos privilegiando sindicatos e coisas do gênero como local privilegiado de luta. Não que devamos abandoná-los, mas precisamos de parar de ter como modelo uma estratégia revolucionária criada há 150 anos, num contexto totalmente distinto. Hoje o proletariado industrial é pequeno, se vê como privilegiado entre as classes populares e está mais preocupado em manter sua posição do que em mudar o mundo. Precisamos atentar para novas realidades, grupos desprivilegiados e mantidos à margem inclusive pelos sindicatos, tais como terceirizados, temporários, etc.
Temos de parar de fingir que temos orgulho das realizações do socialismo real, stalinismo á parte. Houve acertos, que devem ser incorporados, mas fora isso estava tudo errado. O poder foi tomado por um pequeno grupo que impôs o socialismo a um povo que mal sabia o que era isso. O que obrigou o governo socialista a impor o socialismo à força, o que já é uma tremenda contradição. Deveríamos ter aprendido com isso de que a luta para tomar o controle do Estado é apenas uma pequena parte da luta maior. Mas não aprendemos.
Deveríamos ter aprendido também que um Estado gigantesco que é dono de absolutamente tudo é algo que sempre vai ser um convite à ditadura (nisso os liberais estão absolutamente corretos; leia-os a sério e você verá). Mas continuamos tendo como bandeira a ideia do Estado redentor, que vai resolver todos os nossos problemas.
E precisamos deixar de ser crianças. Pararmos com essas bandeiras irreais, tipo "não ajudem os bancos, isso é favorecer os patrões", como se a catástrofe de 1929 não tivesse começado justamente a partir do caos do sistema bancário norte-americano. Esse é o tipo de coisa que faz com que uma pessoa sensata passe a achar que todo esquerdista é infantil.
Enfim, deveríamos repensar tudo, incluindo começar do zero em muitas coisas. Mas só vejo pessoas repletas de certezas, seguríssimas de que têm o remédio para o mundo. E geralmente é um remédio vencido há décadas.

3 comentários:

  1. Vamos lá: me senti profundamente honrado pela citação no texto e digo que novamente você fez uma análise concisa, lúcida e atual. Fez voltas históricas, passou por Marx, Stalin, Tróstsky, crash da bolsa em 1929 e chegou aos estados gigantescos, como a ex-URSS, um convite à ditadura e à corrupção. Mas foi ao ponto: o mundo mudou, não é mais possível ler a realidade apenas sob a égide da luta do proletariado.
    Em suma, vejo muitos esquerdistas radicais com uma certa visão de pureza, carregam dentro de si um sentimento de comunidade e igualdade que foi perdido ou ainda algo que remeta aos índios, por viverem 100% integrados à natureza. E de tudo que já foi testado pela humanidade, o estado de bem estar social europeu ainda é o meu modelo melhor e menos desigual de sociedade.

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  2. Tiago em seu dia de George Orwell (Eric Arthur Blair) em ótima (auto)crítica - englobando todos nós. Concordo plenamente. Tão bossais quanto liberais que detonam Marx, pelo simples fato da URSS ter se espatifado, é socialistas ainda ler o mundo, palavra por palavra, à luz do que Marx disse. Marx foi genial. Mas o mundo mudou um século em 30 anos. Saramago morreu mostrando quem manda no mundo atual. É preciso pessoas como ele pra continuar a ler o mundo criticamente.
    Rogério. Sua crítica aos esquerdistas radicais procede, mas soa parcial, já que falta a mesma crítica aos simpatizantes da via única estabelecida. Concordo que essa visão de pureza permeia a maioria dos esquerdistas, mas também a maioria dos neo-liberais, que vivem o mundo "perfeito" pós-queda do muro de Berlim, o do "fim-da-história". Daqui a pouco mais de dois meses será o dia mundial do meio ambiente. É só pegar Todas publicações neo-liberais (Veja, Folha, Time, etc) que você verá as maiores corporações do mundo fazendo propaganda de como estão cuidado magnificamente do meio ambiente. É apenas uma amostra de que a crítica deve ser mais abrangente, deve incluir a auto-crítica.
    Parabéns Tiago.
    Itamar Rezende

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  3. Gente, vocês estão abrindo os olhos para uma realidade que é diferente do que foi vendida para vocês. Então não tem outro jeito: continuar lendo e devorando o mundo, porque vocês são muito jovens e tem muita quilometragem de páginas pela frente. Por exemplo, achar Marx genial é falta de mais leitura. Veja o que disse Paul Johnson em sua biografia sobre Os Intelectuais...Leia a introdução e pule para Marx em http://carlosupozzobon.blogspot.com.br/2011/10/os-intelectuais-paul-johnson-harper-row.html Depois leia o resto, não esquecendo que são 5 blogs interligados pelo menu horizontal superior. Abs

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