quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Brasil visto pela Argentina

No post de ontem expressei meu desgosto por ter de ouvir um monte de gente o tempo todo me perguntando "como são os argentinos", em especial se eles gostam de brasileiros. O pecado da pergunta está em se presumir que 40 milhões de pessoas pensem a mesma coisa sobre qualquer tema que seja. Ou seja, se uniformiza o outro, o que é muito comum, infelizmente. Deixa eu tentar explicar como funciona a partir de alguns exemplos.

Meu grande, imenso, gigantesco amigo Horácio me dizia hoje que não entende que diabos nós brasileiros, vamos fazer na Argentina. Para ele somos um pais quente e alegre, enquanto a Argentina é fria e deprimente.  Claro, meu amigo é fã do Brasil. Traduziu até um livro de Lima Barreto para o espanhol. Há muitos que pensam como ele.

Já minha amiga Valéria, comunista de carteirinha (como se dizia no meu tempo), acha outra coisa. Ela não tem nada contra brasileiros, mas tem ressentimentos contra o que acredita ser um imperialismo brasileiro em relação á América Latina. Por outro lado, tampouco entende como eu goste tanto da Argentina, que na opinião dela não é um país sério.

Anteontem um taxista não quis me levar para onde eu ia, dizendo que era um lugar perigoso. Mentira, o lugar não tem nenhum perigo. Já o dono de um estabelecimento onde eu gosto muito de tomar umas cervejas vive me destratando sem qualquer motivo (por isso parei de ir lá), e é só comigo. Claro: não gostam de brasileiros.

Por outro lado, vários comerciantes (incluindo o dono do restaurante que eu mais frequento e o dono da loja de materiais esportivos onde compro os presentes futebolísticos que sempre me pedem para levar) aprenderam várias palavras em português e me atendem da melhor forma que se possa imaginar. Certamente uma mistura de simpatia por nós com a percepção de que brasileiros deixam fortunas por ano em Buenos Aires, e que nenhum comerciante pode perder essa chance (certíssimos eles).

Todas essas percepções são bastante comuns. Há outras, mas acho que o recado está dado. E não vale apenas para os argentinos em relação aos brasileiros. Vale para qualquer comunidade humana. Nenhum grupo é uniforme, muito menos aqueles que possuem milhões de membros. Por isso mesmo sempre é tolice tentar definir esses grupos a partir de ideias gerais. Se houve algo que aprendi nas minhas andanças por essa vida é que quando você vê qualquer povo de perto, você se dá conta que qualquer generalização que se faça sobre ele é estúpida. A tentação é forte, mas o melhor é tentar evitar sucumbir a esse tipo de coisa.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Brasil visto de fora


Nós, brasileiros, temos a insuportável obsessão das identidades regionais e nacionais. Por ter tido uma vida cigana, sou torturado permanentemente com perguntas tipo "é verdade que os paulistas são arrogantes?" "por que os gaúchos odeiam o resto do Brasil?" "quem você gosta mais, mineiros ou fluminenses?". Desisti de tentar argumentar que as coisas não funcionam dessa maneira. Que qualquer lugar tem todo tipo de pessoa, ainda que sempre haja traços mais fortes em um lugar que em outro. Simplesmente respondo qualquer coisa e curto o fato de minha fé na humanidade diminuir mais um pouco.
Em relação aos argentinos isso ganha tons mais severos. O fato de ter uma ligação profissional e pessoal com este país me condenou a uma vida respondendo perguntas sobre a arrogância argentina e ouvindo discursos sobre a maravilhosa Paris latino-americana que é Buenos Aires. Desisti de tentar explicar que quando estou aqui minha preocupação principal é curtir meus amigos queridos, e que quando estou com eles a última coisa que me lembro é que são argentinos.
Mas claro, sair do Brasil sempre faz a gente pensar em nosso país. Inevitavelmente ficamos comparando as coisas, notando as diferenças, etc. No meu caso, a tendência é me aborrecer ao ver quanta coisa o Brasil tem de ruim por pura vontade própria. Somos um país terceiro mundista, então claro que não dá pra querer que tenhamos um padrão de vida nível Suécia. Até aí tudo bem. Mas e quando você vai para outro país de terceiro mundo, mais pobre que o Brasil, vivendo um momento econômico pior (e não é de hoje), e que tem um monte de coisas melhores simplesmente porque decidiu que as teria?
Fomos nós, brasileiros, que decidimos copiar os americanos na crença de que só anda de transporte público quem é derrotado (tenho vários amigos argentinos com boas condições de vida que nem tem carro). Resultado: ficamos reclamando do trânsito, como se fosse Deus quem tivesse entupido nossas cidades de automóveis. E não fazemos a menor questão de ter um bom serviço de transporte, já que só queremos saber dos nossos carros. Resultado: Buenos Aires tem uma malha de metrô muitíssimo maior que a de São Paulo, que é quatro vezes maior em população.
Fomos nós, brasileiros, que decidimos que a educação não é importante. Nada teria nos impedido de fazer como os argentinos, que transformaram a educação em obrigação do Estado há quase 130 anos. Absolutamente nada nos impede de fazer com que nossas escolas públicas ofereçam a opção de que as crianças passem 8 horas por dia por lá (aqui os pais podem escolher, 4 ou 8 horas).
Esqueça essa coisa de que Buenos Aires é "européia". De europeu aqui só há a ascendência da maioria da população e o frio assassino. Fora isso, é uma metrópole terceiro mundista, que tem coisas melhores e piores que as nossas grandes cidades. A grande questão que me incomoda é que a maioria das coisas que Buenos Aires tem de melhor passam simplesmente pela vontade. Aqui o transporte público é melhor, o trânsito também, a educação é muito superior, a cidade é mais cuidada que qualquer grande cidade brasileira. Tudo questão de vontade. Se a gente quisesse poderia ter isso tudo. Não temos porque não queremos. Simples assim.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O "Herói" Joaquim Barbosa


Pelo que noto, Joaquim Barbosa se transformou em um herói para muita gente. O  ministro do Supremo virou um superstar por seu voto condenatório dos réus do chamado "mensalão". Nessa linha, ele teve a "coragem" de botar os "corruptos na cadeia".
Essa visão é no mínimo muito mal informada. O Brasil não é uma terra sem lei. É uma democracia constitucional com três poderes independentes. Barbosa pertence à elite do poder judiciário, e não pode sofrer qualquer sanção dos poderes executivo e legislativo. Tem toda a liberdade do mundo para proferir seus votos como bem entender sem precisar se preocupar com consequencias. E é muitíssimo bem pago para isso.
Então vamos arredondar isso. Você pode ter achado o voto dele absolutamente perfeito (eu me perguntaria antes: "estou realmente bem informado sobre as provas produzidas contra todos os réus, para ter tanta certeza que tal voto foi certo e tal voto foi errado?", mas vá lá, pulemos essa parte). Que seja. Mas "coragem"? "Heroísmo"? Aí não, né, pessoal? Na melhor das hipóteses ele votou corretamente. Mas convenhamos: é pra isso que ele é pago, né? E que "coragem" é essa? Ele não correu nenhum risco por ter feito o que fez. É como se eu me vangloriasse dizendo que tive a coragem de dar uma boa aula. Ou um taxista se dizendo herói por ter levado seu passageiro ao destino certo.
Claro, existe uma ideia generalizada (e longe de ser injustificada) de que a impunidade reina neste país. O que significa que qualquer denúncia é tida como verdade por todos. E significa também que quando alguém é absolvido seu nome não fica limpo, pois pensamos "grande coisa ser absolvido, todo mundo é". Sendo assim, quando surge o mensalão presumimos que é tudo verdade (pode até ser que seja, não duvido, só não me acho bem informado o suficiente sobre o assunto para opinião tão peremptória), mas que todos serão absolvidos como sempre. Nesse contexto, um ministro que vota pela condenação de todos os envolvidos parece mesmo um herói. Ainda que não seja.
Mas o que me incomoda mesmo nisso tudo é outra coisa: é o que isso mostra sobre a oposição no Brasil. Eu sou oposição ao governo federal, voto nos partidos mais à esquerda. Mas reconheço: a oposição ao lulo-petismo está perdida. O apoio ao governo é maciço, a população está satisfeita e não há de fato indicadores que isso mudará no curtíssimo prazo. Claro, uma solução honesta seria manter-se o discurso (liberal para os oposicionistas de direita, socialista para os de esquerda) e esperar que os ventos mudem. Mas política não é assim. Política é o espaço do prazo curtíssimo. Então é necessário arranjar algo urgente para atirar no governo.
A solução foi tentar colar no governo o rótulo de corrupto. Até aí nada contra: se descobrirem coisas do tipo têm mais é de denunciar mesmo. A questão é que isso tem sido feito em um insuportável tom moralista, ao velho estilo da UDN golpista tentando desestabilizar governos com os quais não concordava. Esse discurso nós sabemos onde chegou: "todo político é corrupto, é preciso vir alguém de fora limpar a área e botar os bandidos na cadeia". Os militares gostaram da ideia e sabemos onde isso deu.
Esse discurso poderia até ser normal na boca do DEM ou de gente tipo Boris Casoy ou Marcelo Tas. Mas foi encampado em grande medida pelo PSDB, que não tem coragem para manter seu discurso neoliberal por avaliar que o povo hoje em dia não quer nem ouvir falar nisso. E mesmo gente da oposição á esquerda do governo já começa a abraçar isso. Uma tragédia.
A tragédia não é denunciar corrupção no governo. Mas ter nisso a única bandeira. Seguimos assim e aparece um messias falando em moralizar o país. Quem viveu a eleição de 1989 sabe onde isso pode dar. Vamos mudar o discurso. Falemos que o país se desenvolve apenas à custa de uma expansão brutal dos gastos públicos (ou seja, não é um crescimento sustentado; na primeira crise o governo fecha a torneira e o crescimento acaba). Que a desigualdade diminuiu pouco (segundo alguns) ou não diminuiu em nada (segundo outros), e que apenas houve a entrada de novos consumidores no mercado (mas o andar de cima ganhou ainda mais no processo, então em termos relativos ficou tudo igual, ainda que em termos absolutos não). Reclamemos do enorme espaço que partidos sem nenhuma ideologia desfrutam no governo. Critiquemos a total ausência de limites das concessões que Lula e Dilma fazem a esses partidos para os manterem na base aliada. Ou a falta de sensibilidade do governo petista com demandas que incomodem os partidos conservadores ou religiosos (o homossexualismo, por exemplo).
Critiquemos o governo, pois esse é o papel da oposição. Não perdoemos a corrupção, mostremos intolerância ao "ah todo governo tem corrupção, então pra que ligar?", pois essa é a função do cidadão. Mas por favor, evitemos a tentação de ficar obcecados apenas com o tema da "moralização". Na última vez que fizemos isso, levamos um Collor na testa. Na penúltima uma ditadura que destruiu o país. Precisamos mesmo de uma terceira experiência como essas para aprender que papel de oposição é apresentar alternativas de poder e não se agarrar a moralismo que rapidamente se degenera em messianismo político?
Em suma, qual oposição contribui mais para o país. A que critica, aponta equívocos, constrói um projeto decente e vai á luta eleitoral ou aquela que busca o messias que vai nos redimir da corrupção generalizada (agora é o Joaquim Barbosa, amanhã sabe deus quem pode ser)?

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Brasil 190


Há 190 anos D. Pedro I fazia o gesto que o imortalizou. Ou seja: hoje é dia de falarmos sobre como nosso país já começou com um arranjo familiar, ao contrário dos vizinhos, e que isso mostra como somos uma droga e zzzzzzzzzzz
Gozado que isso parte de uma perspectiva que nós, historiadores, detestamos. No primeiro período de graduação já aprendemos que é tolice essa coisa de ir buscar uma origem que explica tudo o que veio depois. Ou seja, essa coisa de dizer que nossa Independência foi fuleira e portanto o país é uma porcaria não tem qualquer base. Mas muita gente boa repete isso com boca cheia.
Na verdade o fato curioso é que essas pessoas apenas mostram ser presas fáceis de uma construção histórica. Tipo: por que comemoramos a Independência no dia 7 de setembro? Havia outras opções disponíveis. O Dia do Fico mesmo poderia ser uma boa escolha. Ou o momento em que D. Pedro decretou que as leis portuguesas precisariam da aprovação dele para vigorar aqui. Ou ainda o 2 de julho de 1823, quando a resistência portuguesa finalmente é derrotada na Bahia.
A resposta é clara: porque os organizadores do nosso Estado não queriam enfatizar uma forte ruptura. Preferiam que a nova nação começasse sua vida sob a égide do consenso. Então nada melhor que o jovem imperador levantando sua espada contra ninguém no meio do nada. Melhor ainda: o episodio colocava D. Pedro e seus auxiliares como únicos sujeitos da história.
Imagine se nossa Independência fosse comemorada no 2 de julho. Implicaria em coisas que aquelas pessoas não queriam nem sonhar. Sangue, batalhas encarniçadas, conflito, negros e pobres em geral morrendo pela causa nacional. Nem pensar numa coisa dessas. O quadro de Pedro Américo consolidou de vez essa visão em que o povo assistia pasmo ao nascimento de uma nação forjada apenas por sua elite.
Que naquele momento essa ideia tivesse sido adotada pelos fundadores da nação eu entendo perfeitamente. Lhes convinha totalmente. Mas como explicar o fato de tanta gente esclarecida e estudada repita essa tolice, só que em tom negativo? E, ainda pior, vendo nisso uma espécie de maldição eterna para nosso país, que por ter nascido "em pecado", jamais será feliz?
Esse é o tipo de coisa que mostra que, no afã de desmoralizar a história oficial (aquela dos "heróis da pátria" que eu cheguei a conhecer na escola) nós provavelmente erramos a mão em certas coisas. Acabamos tendo facilidade demais em condenar todo e qualquer episódio da nossa história, sem por vezes ter a sensibilidade de discernir os momentos em que nossa história de fato é bonita. Não para nos dizermos os melhores, mas apenas para reconhecer que como qualquer país, o nosso também tem coisas boas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Massacre de Munique: terrorismo e fundamentalismo


Nos quarenta anos do Massacre de Munique, vejo que muitas pessoas presumem que o grupo que esteve por trás desse episódio imperdoável era formado por fundamentalistas islâmicos. Um erro que não chega a ser exatamente surpreendente. Os esforços norte-americanos e israelenses para igualar islamismo, fundamentalismo e terrorismo já dão frutos como esse há muito tempo.
Islamismo é uma religião, como qualquer outra. E como qualquer outra (incluindo as ocidentais do ramo judaico-cristão) possui grupos fundamentalistas, que acreditam na leitura literal dos textos sagrados e pretendem impor suas crenças aos demais na arena pública. Terrorismo é uma metodologia de intervenção política que não tem nacionalidade, ideologia ou religião, estando presente no histórico de quase todas as tradições políticas.
Um exemplo disso é que os próprios israelenses cansaram de usar o terrorismo como arma contra os ingleses, para conseguir o direito a seu território. Menachem Begin, futuro primeiro-ministro israelense, direitista e combatente do terrorismo islâmico, coordenou pessoalmente um ataque terrorista a um hotel que causou a morte de 91 pessoas, em 1947. Logo, ainda que tentem desesperadamente apagar isso de seu passado, os israelenses fizeram exatamente o que agora condenam nos palestinos.
A questão é que tanto o terrorismo quanto o fundamentalismo se expandiram no mundo islâmico a partir de um ponto comum: o colapso do nacionalismo árabe. Após a 2a guerra surgiram inúmeros líderes carismáticos na região, que com um discurso fortemente nacionalista conseguiram fazer com que a maior parte das receitas do petróleo ficassem em seus países (o mais famoso de todos era o egípcio Gamal Abdel Nasser).
O problema é que a médio prazo ficou evidente que esses políticos tinham simplesmente se transformado em ditadores milionários, enquanto seus povos ficavam à míngua. Igualmente ruim, o nacionalismo árabe não conseguiu nem garantir um estado para os palestinos nem conter a expansão israelense. A vergonhosa derrota na guerra de 1967 foi o último capítulo dessa história. Para muitos árabes era o que faltava para confirmar a certeza de que a situação era desesperadora e as medidas tinham de ser radicais.
Nesse contexto o terrorismo ganhou força. A princípio um terrorismo laico, sem ligações maiores com lideranças religiosas. Naquela fase, tratava-se de uma medida radical para atingir objetivos que não eram alcançados nos campos político, militar e diplomático. Nada muito diferente do que naquele momento faziam o IRA e o ETA, e os próprios isralenses haviam feito um quarto de século antes. É nesse contexto que se situa o Massacre de Munique.
A mudança seguinte viria apenas em 1979, com a Revolução Iraniana. Ali o fundamentalismo islâmico dava o grande salto, e se apossava de um dos países mais importantes da região. Seu discurso tradicionalista incluía a rejeição dos valores não tradicionais e estrangeiros, bem como da corrupção dos governos vigentes na região. Tais ideias soaram como música nos ouvidos de muitos que se dedicavam ao terrorismo, fazendo com que os dois grupos passassem a ter um importante campo comum: o ódio a Israel e os EUA.
Associações entre terroristas e fundamentalistas se tornaram algo comum, ainda que as duas coisas sigam longe de ser sinônimas. Há afinidades, mas não uma simbiose. De toda forma, é uma história que não diz respeito ao Massacre de Munique. Há 40 anos, o terrorismo árabe ainda não havia visto o fundamentalismo como um aliado primordial.