domingo, 29 de dezembro de 2013

De esquerda. Mas só se for com o dinheiro dos outros

Estou há uns 10 dias em um giro pelo sudeste do Brasil. Aproveitei o recesso natalino para visitar pessoas queridas. Já passei por São Paulo/SP, Piracicaba/SP, São José dos Campos/SP, Volta Redonda/RJ, Ipatinga/MG, hoje vou para Timóteo/MG e ainda passo pelo Rio e mais uma vez por São Paulo antes de voltar ao batente. Desnecessário dizer o quanto a viagem tem sido agradável: amigos, família, comilança, maratonas etílicas, etc.

Mas uma coisa me chamou muita atenção aqui no "sudeste maravilha": a explosão do discurso "classe média sofre" e suas variantes. Eu sei que essa conversa sempre existiu, e eu a escuto desde 1972, quando vim parar neste planeta. Mas me surpreendeu muito ver várias pessoas com um impecável histórico esquerdista (que eu mesmo posso atestar)adotando essa linha argumentativa. Aí fica uma coisa meio assim: "legais as políticas sociais do governo. mas a gente que tem de pagar?".

Exatamente: é a gente que tem de pagar, porra! Se não for a gente quem vai? Lamento informar, mas sem nossos impostos nenhuma das ações governamentais que melhoraram a vida de tanta gente teria existido. Naturalmente existe uma opção: maneirar nos impostos e também nas políticas sociais, acreditando que os mais pobres conseguirão se virar assim mesmo. Tudo bem, maior apoio. Mas essa é a visão da direita, né? Não dá pra defender algo assim e se dizer sequer progressista, o que dirá de esquerda.

A propósito, podemos começar a parar de repetir aquela tolice de que ninguém paga mais impostos que o brasileiro. Simplesmente não é verdade. Essa ideia repetida acriticamente por tanta gente, nada mais é do que uma manipulação estatística (veja aqui http://novascartaspersas.wordpress.com/2013/12/27/mitos-economicos-brasileiros-mito-2-o-brasil-tem-uma-carga-tributaria-muito-elevada/). Na verdade o Brasil fica lá pela metade do ranking dos países com maior carga tributária líquida.

Isso posto, achei excelente o aumento do IOF anunciado ontem. Viajar para o exterior não é necessidade, é uma opção para os que podem mais. Taxar essas pessoas é uma política de esquerda. Assim como a proposta de Fernando Haddad de aumentar o IPTU dos que tem mais e diminuir para os que tem menos. Tudo isso parte de um princípio consagrado da esquerda: usar o dinheiro dos que tem mais para financiar os que tem menos.

Claro que a direita odeia esse tipo de coisa, que vai contra tudo o que ela acredita. Direita não quer saber de imposto justamente porque odeia distribuição de renda. Sua postura nesse quesito é coerente. Agora, se você é de classe média, se diz de esquerda e é contra esse tipo de política, só vejo duas opções: 1) você não entendeu NADA; 2) Voce gosta de políticas sociais, mas só se elas forem pagas por outros, que eu não faço ideia de quem poderiam ser.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mandela x Mandela x Mandela...


A morte de Nelson Mandela provocou uma onda de luto mundo afora. Ou ao menos no Brasil. Ou ao menos no meu facebook. Pelo que entendi, salvo um par de idiotas que a Veja mantém na sua folha de pagamento para gerar pageviews, comentários e compartilhamentos graças a seus textos patéticos, todo mundo parece amar Mandela e lamentar a sua morte.

É algo que merece reflexão. Com meus melhores professores da universidade aprendi algo que levarei pelo resto da vida: não existe unanimidade. No máximo existem falsas unanimidades. Que consistem em milhões de pessoas falando a mesma coisa, mas pensando em coisas totalmente diferentes. É exatamente o que vejo no caso em questão.

Meus amigos de direita estão tristes com a morte do Mandela. Que para eles é alguém que passou décadas na prisão de forma injusta (nem uma palavra sobre como ele foi parar lá) lutando por um valor que, teoricamente, deveria ser universal (a luta contra o racismo), e ao chegar ao poder promoveu uma grande conciliação entre brancos e negros. Como sabemos, a direita adora consensos. Para ela, Mandela é um herói consensual. Talvez seja por isso que não falam das suas controversas políticas de cunho neoliberal. Melhor ficar naquilo com que todos podem se identificar.

O Mandela pelo qual a esquerda chora é outro. É um líder armado de um povo oprimido por razões absurdas, vítima de um sistema de dominação, deplorado até o fim por gente como Reagan e Thatcher. E simpático a outros líderes da esquerda terceiro mundista, como Fidel Castro. O Mandela da esquerda não tem nada de conciliador, sendo muito mais um insurgente contra os privilégios.

Vou ser sincero: reconheço tranquilamente os dois Mandelas em questão. Ambos existiram. Simpatizo muito mais com o segundo, mas o primeiro não tem nada de falso, muito pelo contrário. O que nos lembra mais uma vez o mantra dos meus melhores professores: a unanimidade não é burra. Simplesmente porque ela não existe. Por mais que as aparências tendam a mostrar que sim, o mundo real grita que não.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Direita e esquerda

Este post é motivado por debates com meus alunos. Sempre eles. Sempre me incomodando com perguntas. Sempre me fazendo pensar e aprender. Num minuto estou falando do processo de modernização latino-americano no século XIX. No outro estou num debate puxado pelos alunos sobre o que é ser de direita e esquerda na América Latina de hoje...

O que disse a eles foi: só é difícil definir direita e esquerda se você tiver a cabeça fixa num manual. Aí fica dificil mesmo. Aí a América Latina não tem direita, centro, esquerda, liberalismo, neoliberalismo, social-democracia nem nada. Na verdade é exatamente isso o que pensam os bobões que gostam de babar pelo primeiro mundo. Como nenhuma dessas coisas existe aqui do mesmo jeito que no Atlântico Norte, acham simplesmente que estamos errados, que somos gentinha, etc. etc.

O que também ajuda a confundir é que termos como direita e esquerda mudam dependendo do contexto. Há as agendas específicas de um país ou região. Há as épocas também. E os contextos políticos: as mesmíssimas politicas sociais do governo FHC (cotas, benefícios para os mais pobres) foram ampliadas no governo do PT e hoje são odiados pela direita brasileira. Sem falar que também há equívocos conceituais muito difundidos, como achar que esquerda e socialismo são sinônimos.

Eu vejo esse tema da seguinte forma: direita e esquerda não existem no vácuo. Pelo contrário, se definem em termos relacionais. Ou seja, só se é de direita e de esquerda em relação a alguma coisa em algum determinado contexto. Por exemplo: se voce for alinhar as forças políticas existentes no Brasil de hoje, Dilma e o PT estarão do lado esquerdo. Então são de esquerda nesse cenário.

Pode parecer simples. E é mesmo. Mas quais são as alternativas? A principal, e infelizmente muito comum, é se manter preso a definições abstratas que nunca existiram em lugar nenhum. Aí fica assim: como Margaret Tatcher nasceu na Inglaterra não existe direita nem neoliberalismo no Brasil. Como Marx e Lenin também não nasceram aqui, não temos esquerda. Não temos nada, somos um país de merda, tudo isso por não nos encaixarmos em manuais que foram feitos pensando em outros países. Aí é dose.