quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Como fica a situação com Marina?

Daqui de longe acompanho todo o processo que se seguiu à morte trágica de Eduardo Campos. Pelo que entendi há a percepção generalizada de que Marina Silva subitamente se transformou no nome a ser batido nas eleições de outubro. Pelo que pude entender, a maioria acha que ela é favoritíssima a deixar Aécio para trás, ir para o segundo turno com Dilma, e superar a atual presidente graças aos votos dos tucanos.

Na verdade não vejo nada exatamente errado nessa projeção. Não morreria de surpresa se acontecesse exatamente isso mesmo. Aécio não pára de se mostrar um candidato fraquíssimo, pode mesmo ser superado por Marina, que capitalizaria os votos daquela classe média "cansada" de sempre, mais uma boa parcela dos evangélicos e aproveitaria o fator emocional da morte de Eduardo Campos. Conseguindo isso poderia mesmo contar com o antipetismo furioso dos eleitores do PSDB e ultrapassar Dilma na reta de chegada.

O grande problema é: isso é meramente uma projeção baseada no que temos no dia de hoje. Faltam 45 dias para a eleição, e há muita coisa para entrar em jogo. Para começar, todo o crescimento de Marina Silva na pesquisa do Datafolha em relação aos números que Eduardo Campos vinha obtendo foram conseguidos através de pessoas que antes apareciam como indecisas. Em que medida esse voto é de fato consolidado e em que medida é fruto do fator emocional do momento? Os eleitores que estiverem no segundo caso (e não sabemos quantos são) podem perfeitamente mudar de voto amanhã.

Talvez mais importante: só agora a campanha está começando para valer. E novos fatores entram em campo: até aqui a campanha era basicamente uma questão de exposição na mídia, mas agora tempo de TV, arrecadação de fundos e palanques regionais começam a falar mais alto. E aí a situação possivelmente mudará. É o que tradicionalmente ocorre. A questão é: quem vai ganhar e quem vai perder com essa mudança?

Dilma tende a ganhar. Após anos de super exposição negativa na mídia, será a candidata com mais tempo de TV e poderá mostrar o que fez em seus quatro anos de governo. Na verdade qualquer campanha de reeleição tem essa característica bem particular: se o ocupante do poder conseguir convencer à população de que fez um bom trabalho, dificilmente perderá a renovação do mandato. Dilma tem argumentos para isso, tempo de TV e palanques regionais de sobra para servirem de plataforma, e dinheiro não deverá faltar. Sò não crescerá se for incompetente ou se algo imprevisto ocorrer.

Aécio é uma interrogação. Tem uma máquina partidária forte, boa penetração nos dois maiores colégios eleitorais do país, mas simplesmente ainda não encontrou seu papel na campanha. Sabemos apenas que ele odeia o PT. Fora isso, termos genéricos que nunca disseram nada a ninguém, tais como "choque de gestão". Me parece que há um eleitorado esperando para ter motivos para votar nele, mas seu discurso vazio e a falta de rumo de sua campanha ainda não arrastaram parte desse eleitorado potencial. Com tempo de TV, caixa de campanha e palanques regionais, apoio da mídia e a ameaça de ficar em um vexaminoso terceiro lugar, Aécio terá a oportunidade de tentar crescer e chegar vivo ao segundo turno.

A grande questão é Marina Silva. Seu desempenho é totalmente incerto, podendo se eleger ou ficar em terceiro lugar, e ela é o grande fator desequilibrante de uma eleição que caminhava a passos previsíveis. Ninguém sabe o que ela pensa sobre nada, já que, cautelosamente, ela se esquiva de reponder a qualquer pergunta, sempre apelando para suas palavras-chave favoritas ("sustentabilidade", "nova política" e outros termos que ela nunca se preocupou em explicar o que significam, até para manter a estratégia de jamais sair do discurso mais genérico que se possa imaginar). Ainda não sabemos quais serão seus apoios nem com quem pretende governar. Sua estratégia sim, é evidente: nunca falar nada, nunca desagradar ninguém, nunca se colocar, sempre se esconder, para tentar pescar os votos dos que não estão satisfeitos "com tudo isso o que está aí".

Outra dificuldade é entender qual o seu eleitorado potencial. Muita gente a vê como linha auxiliar do PSDB, um voto tucano disfaraçado, uma nova cara do antipetismo raivoso, etc. Típica tolice de quem pensa conhecer "o povo" sem nunca sair de seu confortável gabinete com ar condicionado. Existe esse voto em Marina, mas existem outros. Todos são "contra isso tudo o que está aí", mas esse "isso tudo" não é sempre a mesma coisa. Há pessoas que realmente se sentem desapontadas com PT e PSDB (quem pode culpá-las?) e são ingenuas o bastante para acreditar que Marina será diferente (ainda que nem Marina nem esses eleitores saibam explicar como ela faria diferente). Há pessoas conservadoras, muitas das quais evangélicas, para as quais Marina parece ser um porto mais seguro do que PT e PSDB, vistos por essas pessoas como culturalmente liberais demais (é aquele voto "antigamente não tinha isso de gay, cota, violência, filho respeitava pai, mulher respeitava marido, hoje é essa bagunça toda que está aí). E há outros também. Marina é fenômeno muito mais complexo do que seus detratores querem fazer parecer.

Em suma, a única certeza é que a entrada de Marina Silva muda todo o jogo, que parecia ter rumos bem previsíveis. Tudo o que se pode fazer são projeções, o que, em termos crus, nada mais são do que chutes abalizados (assim como os palpites de comentarista de futebol antes do jogo começar). A bola vai rolar pra valer, e o jogo mal começou.

PS: Se querem saber meu chute aqui vai. Dilma aproveita a TV, cresce e ultrapassa os 40%. A máquina de Aécio tentará destruir Marina para garantir sua presença no segundo turno. A real força de Marina para resistir a isso é a grande incógnita da minha projeção. Se ela for fraca como imagino, fica para trás. Se for mais forte e consolidada que parece, aguenta firme e será páreo duro para Dilma em um segundo turno.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

"So no Brasil acontece isso"

Uma vez um amigo moçambicano me fez uma observaçao que deu o que pensar. Segundo ele (que vive ha muitos anos por aqui) nos brasileiros somos megalomaniacos. Achamos que tudo aqui é o melhor ou o pior do mundo. E que achamos que ha infinitas coisas, boas e ruins, que so existem aqui. Uma especie de sindrome da particularidade: em nossa cabeça, somos um lugar unico, e nada do que acontece aqui existe em outros lugares, para o bem e para o mal. So aqui ha corrupçao, problemas na educaçao, saude e transporte, nossa elite é a mais perversa, nossos impostos sao os mais altos, nosso carnaval é insuperavel, nossas mulheres sao as mais lindas, jogamos futebol como ninguém, e por ai vai.

Tudo isso me ocorria semana passada, quando estava na fila da Policia Federal para tomar meu voo para Milao. A fila era grande, as pessoas se indignavam e berravam "terceiro mundo é foda, so aqui mesmo que acontece isso, que pais de merda". Sim, havia muito de viralatismo tao presente nas nossas classes média e alta ali. Passei varias vezes pelo Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, sempre pegando filas muito maiores e enfrentando uma bagunça absurda. Logo na chegada a Milao peguei uma fila gigante para tomar minha conexao para Istambul. Mas la fora brasileiro nao reclama: tira selfie todo feliz para postar no instagram "eu na Europa", e coisas assim.

Em março estive em Atenas. Passei quatro dias vendo carros parados em cima da calçada e outros cenarios que achamos que so existem no Brasil. Na hora de ir embora paguei o hotel e recebi uma nota fiscal de 0,50 euros, prova evidente de sonegaçao de impostos. Em Istambul roubar na hora de dar o troco é uma verdadeira instituiçao, todo mundo faz. Aqui na Italia nao ha cobrador no transporte publico. Teoricamente voce paga o bilhete numa maquina e entra. Mas a maioria esmagadora nao paga nada, simplesmente entra no metro, onibus ou bonde e viaja de graça. Hoje estava em um bonde, dois fiscais entraram para ver os bilhetes dos passageiros e era tanta gente trapaceando que eles desceram dois pontos depois, apos darem multas em profusao.

Esta semana meu computador faleceu de velhice. E eu tinha de comprar outro, pois um dos motivos para estar em Turim é ter paz para escrever um texto importante longe das chateaçoes da vida diaria. Falei com um amigo profissional da area, que fez telefonemas e me levou para comprar um novo. Nao em uma loja. Com um cara de uns 60 anos que nos encontrou num suburbio, abriu o porta-malas de seu carro e mostrou as opçoes. Meu amigo testou todos e me indicou um. 350 euros em um computador com valor de mercado de 1.500. Paguei em dinheiro sem nota fiscal nem garantia.

Nao estou dizendo que a Europa é igual ao Brasil, muito menos embarcando naquela auto condescendencia que adoramos ter. O velho continente tem inumeras vantagens que parecem um verdadeiro sonho para nos. Educaçao, saude e transporte publico excelentes (ainda que os métodos educacionais sejam francamente ultrapassados, inclusive nas universidades), a vida nas cidades é muito melhor que nas nossas, a desigualdade social é muitissimo menor e por ai vai. Na média a vida aqui é bem melhor que no Brasil, e so um imbecil discordaria disso.

O que nao quer dizer que tenhamos de seguir achando que tudo no Brasil é pior que aqui. Nem falo de carnaval, samba, mulheres e musica. A Italia, onde estou agora, tem uma politica absurdamente corrupta, e possui muitos habitantes que acham que Mussolini era um otimo governante. Insultos racistas sao muito comuns. Ontem ouvi alguns das pessoas que estavam atras de mim na fila do supermercado. Se referiam a mim em termos que nem tenho coragem de repetir aqui. Acharam que eu era do leste europeu, que nao entendia italiano e disseram coisas que nunca vou esquecer.

Mais que isso. Em termos economicos, uma larga parte da Europa tem crescido bem menos que o Brasil. Aqui na Italia é dificil encontrar alguem de 25 ou 30 anos com emprego estavel. A chamada "geraçao Berlusconi" pagou o pato das reformas feitas pelo governo frente à crise que assola o pais. As coisas seguem muito bem para a gigantesca parcela da populaçao que tem mais de 40 anos e chegou à maturidade nos tempos do Estado de Bem Estar Social. Para quem chegou depois, as coisas nao vao nada bem. Ouço falarem do Brasil com admiraçao. Nao pelas mulatas, mas pela economia e pelo crescimento mesmo (tambem acham que vivemos num clima de 50 graus e vivemos no meio da floresta, mas ai é outra conversa)

O Brasil precisa melhorar muito. Mas muito mesmo. So que ja deu pra essa conversa vira lata de sermos os piores do universo. Nunca fomos, e continuamos nao sendo. Mesmo as coisas ruins que temos nem sempre sao especificidades nossas. Precisamos entender que andamos muito tempo no caminho errado, e em varias coisas continuamos assim. Mas melhoramos em muita coisa nas ultimas decadas. E vale compreender tambem que nossos modelos de perfeiçao nem sempre sao essa maravilha toda. Em suma, que melhoremos, mas tendo o entendimento que o viralatismo nao vai nos levar a lugar nenhum.

domingo, 3 de agosto de 2014

Escolhendo candidato a deputado

Peço desculpas por este post ter um tom diferente do que normalmente se vê neste blog. Tem um tom meio professoral, que normalmente eu tento evitar. Mas é que percebo que a maioria esmagadora das pessoas que conheço (inclusive aquelas com muitos anos de estudo) não entende bem como funciona a eleição de parlamentares no Brasil. E estamos a dois meses de eleger nossos deputados federais e estaduais. Então me pareceu apropriado um post explicativo sobre o assunto.

Há duas formas de escolher deputados federais, estaduais e vereadores. Uma é o voto distrital. Pensemos em Pernambuco, onde vivo. O Estado elegerá 24 deputados federais em outubro. Com o voto distrital, o estado seria dividido em 24 distritos eleitorais de população equivalente. Cada distrito teria seus candidatos. O mais votado em cada distrito seria eleito. É o sistema adotado na Inglaterra e nos Estados Unidos.

O outro sistema, dominante, por exemplo, na Europa continental, é o voto de lista. Cada partido ou coligação apresenta aos eleitores uma lista de candidatos. A lista já chega ordenada previamente: há o candidato 1 da lista, o 2, o 3, e assim por diante. Você simplesmente vota na lista que gosta mais. Digamos que em Pernambuco uma determinada lista tenha 25% dos votos. Ela elegerá um quarto dos deputados do estado. Ou seja, os seis primeiros da lista.

O Brasil adota uma variante desse sistema: o voto proporcional. Nela você escolhe sua lista favorita, mas também tem o poder (que não existe no voto de lista) de escolher qual dos candidatos da lista você prefere que seja eleito. Ou seja, é um voto de lista, mas no qual a ordenação dos candidatos não é feita pela cúpula partidária, mas pelo eleitor. O candidato número 1 da lista não é aquele que a cúpula partidária decidiu que estaria no topo, mas aquele que teve mais votos dos eleitores. O mesmo para o 2, o 3, etc.

Tudo isso tem grandes implicações na hora de decidir o voto. Significa que um voto para deputado federal ou estadual é uma espécie de "2 em 1". Afinal, você está fazendo duas opções ao mesmo tempo. A mais importante, e a mais negligenciada, e que você está escolhendo a lista que você espera que te represente. A segunda, voce está também escolhendo, dentro da lista que te representa, quem é o candidato que você mais gostaria que te representasse.

Resultado: muito mais importante que escolher seu candidato, é escolher sua lista. Pois ao votar em qualquer candidato, você primordialmente estará optando pela lista da qual ele faz parte. Depois de escolhida a lista, aí sim, escolha o seu nome favorito. Pois se você fizer o contrário, estará correndo enorme risco de se decepcionar. Vota naquele cara que você confia, sem conhecer a lista da qual ele faz parte, e acaba ajudando a eleger alguém que você nem sabe quem é.

O sistema pode parecer idiota, mas não é. A ideia é garantir que as forças políticas sejam representadas no congresso, nas assembléias legislativas e câmaras de vereadores na mesma proporção em que são apoiadas pela sociedade. Nessa visão (que eu compartilho), se um partido tem um terço dos votos, nada mais justo que eleja um terço dos deputados, independente da votação individual de cada um. Esse é o espírito da eleição proporcional: que cada grupo seja tenha um número de representantes proporcional aos votos que teve, sem que seja importante quantos votos cada um de seus membros teve.

É um sistema que pode gerar distorções. Como qualquer outro. O voto distrital também causa um monte. Por exemplo, bastam 25% dos votos para um partido controlar o congresso (50% dos votos em 50% dos distritos dão maioria a qualquer partido). Mas independente do que se pense desse sistema (que pra mim é o melhor), o que importa é conhecê-lo e saber como lidar com ele.