sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O pior no tucanistão não é a falta de água, mas a falta de espelho

No meu tempo existia a expressão "tem espelho em casa não?". Não sei se ainda existe. Era usada quando o sujo falava do mal lavado. Digamos, eu criticar alguém por beber demais. Ou por gostar demais de futebol. Enfim, vocês entenderam.

Essa expressão tem vindo muito frequentemente à minha cabeça nessa coisa toda de pedirem o impeachment da Dilma. Pelo seguinte. Impeachment não é algo que se usa toda hora. Tipo, sei lá, uma multa de trânsito. À minha cabeça vêm apenas dois exemplos de impeachment em todo o mundo, o Collor no Brasil e o do Lugo no Paraguai, que evidentemente foi um golpe disfarçado. Pode conversar com o especialista que você quiser e você ouvirá que é um recurso extremo e usado rarissimamente. E não há qualquer indício de que Dilma Rouseff esteja pessoalmente envolvida em episódios de corrupção. O que vemos agora é claramente um terceiro turno das eleições. Pessoas que detestam o governo e não aceitaram a derrota querem tentar forçar uma queda da presidente.

Mas a questão que eu queria abordar nem é esse elemento golpista que soa muito como coisa de gente que não está acostumada a perder e quer apelar, como a criança mimada da sua rua que era dona da bola e levava ela embora quando o time perdia. Quero falar de outro assunto. Que esse governo tem erros e desastres eu não duvido. Isso não justifica impeachment em nenhuma galáxia conhecida, mas tem sim. Sou um eleitor e militante do governo mas não sou débil mental, reconheço esses erros sem nenhum problema. Respeito pra caramba as críticas do PSOL ao governo, ainda que tenha dúvidas se eles têm um projeto para o país. Mas quem está puxando essa coisa do impeachment é o pessoal que votou no Aécio. Será que eles estão em condições de falar essas coisas?

Comecemos com a economia, um ponto fraco do governo da Dilma. As coisas não vão bem nesse quesito, mas o que essa oposição critica? Pelo que vi, basicamente desemprego e juros. Absurdo total, já que no governo FHC, que eles tanto amam, o desemprego era 20% e tínhamos os juros mais altos do mundo. E qualquer pessoa que viveu aqueles anos tucanos sabe que foi um tempo de recessão e ausência de crescimento, então tampouco são pessoas que podem reclamar disso, ou ao menos tenham a mostrar um trabalho melhor nesse sentido.

Vamos ao ponto "classe média sofre" favorito: impostos. Eleitorado do Aécio adora reclamar que pagam impostos demais, etc. De fato a carga tributária do Brasil é alta. Poderíamos discutir aqui se de fato é bem distribuída, mas fiquemos na questão que é o núcleo deste post. Como o PSDB lidou com o assunto quando era governo? Criou um imposto, a CPMF, algo que o PT nunca fez. E em oito anos jamais reajustou a tabela do imposto de renda, que é uma forma muito mal disfarçada de aumentar impostos. Lula foi quem fez essa correção, o que fez com que milhões de pessoas deixassem de pagar imposto. Ou seja: falta espelho no tucanistão aí também.

Próximo tópico, um assunto que me irrita profundamente no governo petista: alianças. Absurdamente detestável que tenhamos de estar no mesmo palanque de Sarney, Renan, deputados evangélicos da pior espécie, Kátia Abreu. Um LIXO. Mas será que o PSDB pode falar? Não. Esse pessoal todo estava no governo FHC. Malafaia e Felciano foram apoiadores de Aécio. O mesmo vale para o grosso dos defensores da ditadura (o que é curioso, já que votaram para vice em Aloísio, ligadíssimo a Marighella e protagonista de atividades guerrilheiras da ALN, no que estava muito certo, mas convenhamos que esperar inteligência de quem defende ditadura é um pouco demais). Caiado também. Espelho, por favor, amigos tucanos.

Não vou discutir o argumento de que o Brasil é uma ditadura. Isso é coisa de gente com problemas cognitivos e, como diria minha mãe, não tô podendo entrar nessa.

Administrativamente o pessoal do PSDB costuma dizer que o PT não sabe governar. Eu de fato acho que o governo Dilma teve problemas sérios nessa área mesmo. Mas vamos olhar no espelho. No Paraná Beto Richa levou o estado ao caos, não paga o funcionalismo e está à beira de fechar quatro universidades, algo que, salvo engano, é sem precedentes em termos de instituições públicas. Alckmin deixou os paulistas sem água enquanto a Sabesp não pára de aumentar a conta de água e distribui lucros milionários a seus acionistas (e sem essa de "choveu pouco", Israel está no meio do deserto e tem água de sobra, basta investir e planejar). Covenhamos que se alguém pode dar aulas de administração pública esse alguém não é o PSDB.

O aumento do preço da energia elétrica é sacal mesmo, mas de novo vamos olhar no espelho: quem está reclamando disso é quem levou o Brasil ao apagão nacional?

Tem uma parte que também me dá preguiça, que é o fato de eleitores de Aécio criticarem o governo por questões como educação, saúde, desigualdade, etc. Pra começar, educação e saúde não são atribuições do governo federal. Pra continuar, Aécio não pagava o exigido por lei para médicos e professores. Em São Paulo professores estão fazendo vaquinha para comprar material escolar para os alunos, já que o governo não cumpre o que deve. Quanto ao Paraná, melhor nem falar. Uma vez mais: estão prestes a FECHAR universidades. E em termos federais: por mais que o governo atual não seja o dos meus sonhos, mas quem tirou mais gente da pobreza, ele ou o do FHC? Ah, e pergunte para quem esteve em universidade federal nos anos FHC qual era o cenário. A realidade que eu conheci na UFOP era: falta de professores, livros, estrutura, tudo. Votar em quem tem como ídolo alguém que nos levou a isso mostra preocupação com a educação?

Aí resta a corrupção, outro aspecto em que o governo do PT é uma bela bosta, e que a oposição tucana explora loucamente. Nisso aí lamento muito, acho horrível, mas não consigo ver em que medida o PSDB tenha base para se dizer diferente. Comprou votos para a reeleição, fez privatizações repletas de denúncias nunca investigadas de corrupção, roubou loucamente nas obras do metrô de São Paulo, segundo as próprias empresas que pagaram propina, estão envolvidos no escândalo da Petrobrás e tentam agora impedir que se investigue a questão das contas do HSBC. Em suma, segue faltando espelho.

Que fique claro: não estou justificando um erro pelo outro. Este post endossa muitas críticas que se fazem ao governo. Só não reconhece na oposição PSDB-DEM o direito de reclamar de coisas que eles também fazem. Pois há uma diferença muito importante aí. Eu reconheço os erros, mas justifico meu voto baseado no que o PT fez: tirou um número de pessoas equivalente à população da Argentina da pobreza, por exemplo. O que a oposição faz é outra coisa: não propõe nada, não mostra nada de bom que tenha feito e apenas tenta enganar as pessoas criticando no governo coisas que eles fazem igualzinho. Isso nos separa de forma muito clara.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Aborto. Drogas. Homossexualidade. Ou: ser contra essas coisas é como ser contra a chuva, o sol e a lua

Por breves momentos chego a achar engraçado ver pessoas se dizerem "contra" homossexualdade, drogas, aborto e coisas assim. Os momentos são breves porque rapidamente me lembro do enorme preço que pagamos por esse tipo de postura. Mas eles existem por um motivo: pensar que quem defende essas posições realmente acha que existe a opção de termos um mundo sem essas coisas. Como se todas elas não existissem em toda a história registrada da humanidade.

Amigos, ser contra o aborto não é uma opção. Ele existe. E existe há milênios. Não importa o que você ache: as pessoas vão fazer assim mesmo. Isso é fora de questão. Só existe uma dúvida: vão fazer com uma agulha de tricô numa clínica clandestina ou vão fazer pelo SUS? A única dúvida é essa. Eu tenho minha religião, que é anti abortista. Jamais seria a favor de que alguma mulher abortasse. Mas advinhe? O mundo não se guia pelo que penso. Mulheres abortam independente do que pensemos. Nossas opiniões não tem qualquer importância frente ao fato de que o aborto é algo que acontece milhares de vezes por dia mundo afora. A discussão não é "sim ou não", mas "como". Todo o resto é perda de tempo.

Drogas: nem vou comentar o fato de que escrevo este post com um cigarro na boca e um copo de cerveja ao lado. Posso usar algo absolutamente viciante e ingerir algo que vai alterar meus sentidos. Tudo sob a proteção da lei. Mas pulemos o tópico "hipocrisia" e falemos do que importa. Há décadas o mundo segue a lógica da repressão às drogas. E o que vemos? Pessoas usando drogas e traficantes cada dia mais poderosos. Olhemos a coisa pelo prisma de quem é totalmente contra as drogas: você está feliz com o resultado dessa política?

Quanto à homossexualidade eu tenho até uma certa preguiça de escrever. A ciência já demonstrou que se trata de uma orientação que nasce com a pessoa. O senso comum nos diz que é algo que não faz mal a ninguém (que diferença faz a você o que outras pessoas fazem na cama mesmo?). É difícil até argumentar contra quem acha o assunto digno de nota. Ou contra quem é contra algo tão natural e que vai acontecer queiram elas ou não. Tipo: quem pode ser idiota a ponto de achar que é possível ser "contra" a homossexualidade? É meio que ser contra o nascer do sol, né?

Na verdade esses assuntos só existem por um motivo. Interessa, e muito, aos Bolsonaros e Felicianos da vida, convencer o maior número de pessoas que puderem, que essas coisas são importantes para elas. Que o voto neles é a única forma de salvar o que resta de "bom" neste mundo dominado por drogados, abortistas e gays. Como sabemos, há gente de sobra por aí disposta a comprar esse tipo de idiotice. Gente que defende os opressores de sempre e legitima as mortes de mulheres que abortam e homossexuais agredidos, se vendo como defensores da liberdade.

Tá aí uma coisa que cansei. Burrice tem limite. Escrotidão também. Comecei este post pensando que ele terminaria com um "por uma agenda do século XXI", mas na verdade ele termina com um: "chega logo ano 1500, por favor". Acompanhado de um pedido: quem acha que os Bolsonaros e Felicianos da vida "falam verdades", "são corajosos" ou "não concordo com tudo, mas admiro a sinceridade", por favor, arranjem outros amigos. Pois eu tô fora.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O que o nordeste fez por mim

Hoje uma grande amiga, que está fazendo concurso para um posto em uma universidade nordestina veio me perguntar o que é viver nessa parte do país. Aqui vai o que respondi.

Viver no nordeste muda a sua vida. Em muitos sentidos. Um deles, para quem é de esquerda, é político. Você passa a vida acreditando que o dever do Estado é cuidar de quem mais precisa e tal. Mas aí "quem mais precisa" deixa de ser um conceito e se transforma em pessoas que você conhece. Você ouve gente te falando que viveu e cresceu em uma casa que não tinha luz e água. Escuta alguém que cresceu no interior contando que tinha de acordar as 4 da madrugada para ir caminhando no escuro para a escola, e que teve colegas que foram mortas por animais no trajeto.

Morar no nordeste implica em achar um lixo as demandas individualistas e egoístas da nossa elite. Um bando de gente que nasceu, cresceu e sempre teve de tudo. Nunca se preocuparam em ter o que comer, nunca tiveram de pensar no que seria o amanhã. E que hoje, tem a coragem de dizer que o Estado não tem de ajudar ninguém, que quem vota no governo é vendido, ignorante e não sabe o que faz.

Aí quando você cruza as imensas histórias das pessoas que tiveram suas vidas melhoradas nos últimos 12 anos por aqui, com as queixas absursamente individualistas dos que detestam o governo ("aumentaram a gasolina, que droga, vou ter de pagar mais caro para desfilar meu carrão por aí"), é meio que impossível não ter sangue nos olhos contra quem defende um mundo voltado para os empresários. Deixa de ser ideológico e vira pessoal.

Se eu nunca tivesse vivido no nordeste eu encararia isso como uma discussão ideológica. Mas eu vivo no nordeste há 7 anos. E sei muito bem o que é ser um sulista que acha que o voto nordestino é menos qualificado que o das partes mais desenvolvidas do país. Conheço, de dentro da minha alma, a condescendência que temos com quem achamos que vota simplesmente a partir de impulsos primários, como a fome.

Graças ao nordeste eu aprendi que só existe uma coisa que importa nesta vida: um governo que melhore a vida das pessoas que mais precisam. O resto é resto. E vai ser resto para sempre.

E eu amo o nordeste. Que é uma região com muitos problemas, que ultrapassam o econômico. Só que eu não saio daqui nunca mais. Essa gente é minha gente.