terça-feira, 26 de novembro de 2013

Aprendendo a ter amigos


Este post, diferente do padrão geral do blog, não é sobre temas públicos, principalmente política. É algo bem pessoal. Quem não tiver nenhum interesse em saber o que penso sobre esse tipo de coisa, fique a vontade para não perder tempo. Para quem quiser seguir lendo aviso que os protagonistas do post estão na foto, tirada em 1990, quando íamos dançar valsa na festa de 15 anos (ai, ai, ai) na festa de uma querida amiga. Estou no centro. Zé, de óculos, à esquerda da foto. Brexola à direita.

O tema veio por uma sequencia de fatos. Os mais recentes: 1) Ontem jantei com meu velho amigo Zé, que não via ha alguns anos; 2) Acordei e vi esse texto absolutamente maravilhoso (http://anivelde.org/sorryperiferia/2013/11/25/andre.htm) sobre a morte de um amigo do autor. No auge da vida. O que evidentemente remeteu ao jantar de ontem, pois foi aí que me dei conta de que havia um sujeito oculto em toda a conversa: nosso amigo Brexola, com quem compunhamos o trio mais infernal e inseparável da Volta Redonda oitentista.

Brexola caiu morto no meio da rua em 2008. Não tinha nada. Estava com 35 anos, assim como eu. Recebi a noticia lá pelas 10 da noite. Minha lembrança seguinte é estar sentado nua rua a dois bairros de distancia do meu. Isso já eram mais de 7 da manhã. Ou seja: tive um black-out, o único da minha vida que não tinha relação com o consumo de álcool. Compreensível: aquilo era tão inaceitável que meu cérebro simplesmente não conseguia processar.

Ainda não conseguiu, na verdade. Nunca mais consegui conviver com as pessoas do grupo que fazíamos parte, que me acompanhou dos 6 aos 19 anos em absolutamente tudo. Caras que cresceram comigo, que vivenciaram comigo toda a experiência formativa para a vida adulta, os melhores amigos do universo. Não consegui manter contato com eles. Sem o Brexola não dava. Ir a Volta Redonda visitar minha família já é duro demais. Na casa dos meus pais eu vejo a rua em que brincávamos. Vejo o portão da casa dele, onde ele estava quando trocamos o primeiro olhar, ainda na década de 70. Não dá. Simplesmente não dá.

Mas ao que parece a vida está tentando dar um jeito de me fazer entender que é possível seguir em frente. Tenho tido a oportunidade de reencontrar pessoas de outras épocas que nem eram tão próximas, mas que após uma conversa viram amigas. O tempo nesses casos foi bem legal conosco: fez pequenas implicâncias parecerem tolas (o que sempre foram) e ressalta o que há em comum, até porque são pessoas que conheço há muito tempo, o que gera mais confiança. Houve até um caso de mudança radical. Uma conversa fez a pessoa que conheço há décadas simplesmente parecer outra. Em suma, perdemos pessoas mas ganhamos também. Até novos/velhos amigos aparecem.

Aí ontem saí com o Zé. Está em Recife para resolver alguns problemas e só tinha a oportunidade de um jantar comigo. Saímos, e na verdade conversamos bem pouco. Conheci a mulher e o filho dele, e dei mais atenção a eles. Ao chegar em casa entendi o que tinha acontecido. Quando voce está com quem é seu melhor amigo há mais de trinta anos, a conversa é completamente irrelevante. Não importam os anos sem se ver, onde você está, não importa nada. Importa a incomparável sensação de estar ao lado de alguém a quem você entregaria sua vida sem nenhum medo. Aquela sensação e tranquilidade e conforto que ninguém no mundo vai conseguir proporcionar.

Amigos vão e vem. Mas tem os que sempre estiveram e sempre estarão. Só falta providenciar um jeito de os membros de todas essas categorias de amigos não morrerem nunca.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Passando a régua: a prisão dos mensaleiros

Há uma semana quatro envolvidos no chamado mensalão foram mandados para a cadeia. Era um feriado de sexta-feira. Muita gente com tempo livre para postar o que quisesse. O facebook virou uma guerra. De um lado os que achavam que uma nova era começava. De outro, os que viam o domínio das trevas. E o clima se polarizou de tal maneira que eu sequer consegui postar nada no blog. Vamos tentar recomeçar.

Podemos começar pelo seguinte: houve crimes cometidos? Obviamente que sim. Ninguém em sã consciencia vai negar a culpa de gente como Delubio e Marcos Valério. E só os mais fanáticos defensores do governo vão negar que isso foi feito de forma institucional. A coisa aconteceu, e o fato de governos anteriores terem feito o mesmo não é desculpa.

Por outro lado, qualquer um que acredite na ideia dos tres poderes sabe que houve extrapolações absurdas nesse caso. José Genoíno jamais deveria ir para regime fechado, por motivos médicos que são indiscutíveis. José Dirceu foi condenado sem provas, baseado numa teoria que normalmente visa absolver gente que normalmente seria condenada (a "teoria do domínio do fato"), mas que foi utilizada no sentido oposto, como mostrou a Folha ( a Folha!) hoje. Não digo que ele é inocente, e acho que ele não é. Mas condenar alguém sem provas conclusivas é inaceitável.

O grande problema nisso tudo é aquilo que se pode descrever como uma completa loucura coletiva. Os que comemoram as prisões fazem isso baseados numa visão que poderia justificar linchamentos na luz do dia. Não gosto dessa gente do PT, todos são ladrões, cadeia neles. Quem é governista vai pelo outro lado: o Brasil vive uma ditadura midiática, da qual Dirceu e Genoíno foram parte, e viraram presos políticos (uma ditadura em que se vai para a cadeia por apoiar o governo? alo?)

O Brasil em que eu quero viver é um país em que criminosos vão para a cadeia. Não um em que corruptos tenham mão livre para roubar. Muito menos um em que acusações sejam sinal de culpa. Quero justiça, apenas isso. Pelo jeito, é pedir demais.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O que significa a prisão dos "mensaleiros"?

Muita gente comemorou a prisão de alguns dos principais envolvidos no chamado "mensalão". Se me perguntarem o que acho disso, minha resposta é: depende do que você está comemorando.

Se estamos comemorando o fato de pessoas envolvidas em ilegalidades serem presas, ok, nada a discutir. Não entendo lhufas de direito nem conheço o caso a fundo, mas tudo indica que eles eram culpados mesmo. Discutir isso é tolice.

Mas para por aí. Fora isso, não há nada a comemorar. Vi gente feliz achando que a indignação gerada pelo episódio indica algo como uma "tomada de consciência" da sociedade brasileira. Tolice. 99% das pessoas "indignadas" não passam de oposicionistas que estão se lixando para as roubalheiras de seu próprio partido. Ficam desesperados querendo a condenação dos mensaleiros, mas rezam para que ninguém fale nada sobre privataria, propinoduto e mensalão mineiro. Oportunismo puro. E tenho certeza de que 99% dos apoiadores do governo adotaria a mesma atitude numa situação inversa. Então esqueça: somos a mesma merda de sempre.

Também ouvi gente falando que a condenação mudaria o jeito de fazer política no Brasil. Aí, meu velho, o grau de ingenuidade atinge níveis estratosféricos. Significa que a pessoa não tem a mais vaga ideia de como funcionam as relações governo-congresso neste país.

Comecemos pelo seguinte. Nós, latino-americanos, temos uma visão extremamente personalista da política. Assim, achamos que presidentes, governadores e prefeitos são tudo o que importa. Nas eleições legislativas, votamos de qualquer jeito. Desafio qualquer quarentão a lembrar todos os seus votos em eleições parlamentares. Na verdade, sequer nos damos ao trabalho de tentar entender como funciona o sistema proporcional de escolha dos legisladores. Em suma: votamos de qualquer jeito.

Votando de qualquer jeito, elegemos todo o tipo de porcaria para o congresso. E como nem prestamos atenção no que eles fazem, os caras ficam livres. Uns dois terços dos deputados não tem ideologia ou projetos. Só quer levar algo em troca de apoiar o governo, seja ele qual for. Vale dizer: TODOS os governos pós-ditadura compraram maioria no congresso. TODOS. E não é porque sejam malvados. Simplesmente não havia opção.

Então é o seguinte: super válido comemorar o fato de os caras irem em cana. Mas se a gente não entender a importância do voto para deputado, estaremos produzindo uma infinidade de mensalões. O fim desse tipo de coisa não depende nem do STF nem de quem está no governo. Depende do nosso voto.

Volta Redonda, 1988: uma história para não ser esquecida


Um sinal que você está ficando velho é a existência de referenciais essenciais na sua vida que não fazem nenhum sentido para pessoas mais jovens que você. Esse é um desafio da minha profissão. Coisas que foram determinantes para a minha geração sequer são conhecidas pelos meus alunos. Um exemplo é a greve dos metalúrgicos de Volta Redonda.

Vivíamos um clima atribulado. Passamos anos tentando por fim a uma ditadura que ninguém aguentava mais. Ela acabou, mas muito dela seguia vivo. Para começar, o presidente Sarney havia nascido, crescido e engordado apoiando o odioso regime. Aquela segunda metade dos anos 80 de fato não agradava a ninguém.

Nesse contexto veio a greve dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional em 1988. Quem viveu aqueles anos nunca vai esquecer. Quem vivia em Volta Redonda ainda menos. Liderada pelo inesquecível Juarez Antunes, àquela altura um deputado federal constituinte, a categoria entrou em greve. Com o apoio da diretoria da empresa, Sarney mandou o exército "resolver o problema".

Mas era um período de extrema politização. A cidade inteira era simpática à causa dos metalúrgicos. Ao exército só sobrou uma alternativa: mandar bala. Mataram três trabalhadores. Não podíamos acreditar. Aqueles caras eram gente como a gente. Um deles tinha a minha idade. Pegava ônibus comigo para ir à escola, já que morava num bairro vizinho. Era inaceitável. Após 21 anos de ditadura vinha o exército matar nossos conterrâneos pelo simples fato de fazerem greve.

Foi algo tão absurdo que o Brasil inteiro deu seu recado dias depois. A 15/11/1988 a esquerda obteve vitórias retumbantes nas eleições para prefeito. Luiza Erundina conseguiu uma virada espetacular em São Paulo, e fatos semelhantes ocorriam pelo país afora. Aquela prática ditatorial em pleno processo de redemocratização parecia inaceitável a todos nós. E as urnas disseram isso. Ponto para nós.

Para o Brasil a história terminou aí. Para nós, voltarredondenses, a coisa iria mais longe. Naquele 15 de novembro elegemos Juarez Antunes para prefeito com uma votação absolutamente fora de propósito. Choramos sua morte em fevereiro do ano seguinte, num acidente de carro. E no 1o de maio seguinte fomos testemunhar a inauguração de um monumento, projetado por Oscar Niemeyer, em homenagem aos mortos da greve. E na madrugada seguinte o monumento explodiu. Ninguém sabe quem foi o responsável.

Em suma. Não bastava que nossa cidade tenha sido construída sobre a opressão dos nossos antepassados. Não é suficiente que o sindicato dos trabalhadores tenha sido calado pela ditadura. Foi pouco que o exército tenha aberto fogo sobre a população civil. A morte de três conterrâneos nossos que pecaram apenas por estar ao lado da greve não era o suficiente. Tinham de arrasar até a memória do que aconteceu.

E assim foi. Hoje Volta Redonda é apenas uma cidade do sul do estado do Rio de Janeiro. E a memória do que aconteceu há 25 anos é apenas uma vaguíssima lembrança. Afinal, a história é contada pelos vencedores. E como em TODOS os setores hegemônicos da nossa política há gente que apoiou aquela infâmia, melhor não lembrar de certas coisas.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A culpa é do Sarney


José Sarney é uma figura muito fácil de detestar. Representa praticamente tudo o que qualquer pessoa sensata abomina na política: falta de coerência ideológica, adesismo a qualquer governo, apoio à ditadura, corrupção, coronelismo político, etc. Até aí acho que estamos todos de acordo. Mas deixa eu fazer uma pergunta.

Já ocorreu a você que o Sarney nada mais é do que um senador pelo estado do Amapá? Por que diabos um parlamentar de um dos estados menos importantes da federação tem tamanho poder? Será que você já pensou nisso? Por que ter ele no governo foi importante para todos os presidentes que tivemos nos últimos 20 anos? Quantos parlamentares do Amapá foram presidentes do congresso e tiveram força para colocar ministros em governos de todas as colorações políticas? Só ele. Por que?

Pelo seguinte. Sarney tem uma imensa rede de apoios. Parlamentares de todas as instancias estão com ele. Essa é a força dele. Mas você, caro leitor, pode deixar de lado seu senso de superioridade. Esses parlamentares não são apenas do Amapá e do Maranhão. É gente de todo o Brasil. Eleita por praticamente todas as unidades da federação. Inclusive, com toda a probabilidade, aquela em que voce mora.

Funciona assim. Você xinga o Sarney, diz que político é tudo igual, que todos os partidos são a mesma coisa. Aí vota em qualquer um que aparece. Nem olha o partido do seu candidato, já que é tudo a mesma coisa. Seu candidato não se elege, mas seu voto ajuda a colocar no congresso alguém que você não sabe quem é. Esse alguém apóia o Sarney. Logo, quem faz o Sarney ser tão poderoso é... você, que odeia o Sarney.

Odiar o Sarney e tudo o que ele representa é ótimo. Qualquer um concorda com isso. Dificil é acompanhar a política, entender nosso sistema partidário e votar de maneira a minimizar a existência de gente como ele no congresso. Entender quem está de cada lado, o que cada um representa e as consequencias do nosso voto dá trabalho. Aí pra muitos é melhor mergulhar na hipocrisia. Ser indignado, xingar o Sarney e garantir a perpetuação de gente como ele no poder.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

#classemediasofrenoaviao


"Nossa, vocês não imaginam a loucura que fiz. Peguei um avião, fui parar em Pisa, de lá aluguei um carro e fui à Munique. Resolvi ir a São Francisco, peguei um avião para Nova York depois fui para a Califórnia. Nossa, olha a doideira!". "Puxa, eu também sou assim, não sei em que planeta vivo. Estava um dia em Barcelona um dia desses, aí peguei um voo para Cingapura, passei duas semanas lá, e depois resolvi conhecer a Austrália".

Escutei essa conversa quinta-feira passada em um avião. Na verdade, o grupo de cinco ou seis pessoas passou a viagem inteira falando coisas assim em altos brados. Graças a Deus era um vôo bem curto (Salvador-Aracaju, meia hora), o que me permitiu não morrer naquele ambiente tóxico. O propósito, claro, era dizer "olha, não é porque estou num vôo noturno da Gol que sou como vocês, seus pobres. Não preciso economizar. Tenho centenas de milhares de milhas de vôo pelo mundo afora e não sou um fuleiro qualquer que começou agora a andar de avião, aproveitando os vôos baratos".

Efetivamente o avião se transformou em um martírio para esse tipo de gente. Mais que um meio de transporte, o avião também é historicamente uma forma de distinção social. Como as passagens aéreas sempre foram caras por aqui, usar esse meio de transporte era para poucos. Eu viajei de avião pela primeira vez aos 28 anos, de Porto Alegre a Campinas, já rumando para o fim do meu doutorado (e só voltei de avião. a ida foi de ônibus mesmo, pois a grana não dava). Hoje, 12 anos depois, não é incomum ver meus alunos de graduação indo a congressos por via aérea. Pós-graduandos então, fazem isso com frequencia.

Hoje viajar de avião é bem mais barato. E como a economia vai bem, muita gente foi incluída no que antes era luxo para poucos. O que é uma coisa indiscutivelmente boa. Ao menos no nível da teoria. Afinal, nós brasileiros somos os especialistas supremos no campo da busca da distinção. Para nós só tem graça ter algo se a maioria não puder ter. Aí dá-lhe pagar muito mais do que os outros povos para ter os mesmos produtos. O que é uma dupla vantagem. De um lado, se garante que sua empregada ou seu porteiro não terão acesso às mesmas coisas que você. De outro pode-se botar a culpa dessa diferença de preços nos impostos #classemdiasofre blábláblá.

Não faz muito tempo um dos "intelectuais" (?) favoritos da nossa direita escreveu uma coluna na Folha reclamando do fato de estar insuportável viajar de avião. Concordo completamente. Mas por motivos opostos aos dele. Para o tal autor, os aeroportos estão insuportáveis porque estão cheios de pobres mal comportados. Eu acho exatamente o contrário. Essa gente que nunca viajou de avião fica normalmente intimidada em um ambiente desconhecido e historicamente elitizado, e via de regra rezam para não serem percebidos. O que mata de raiva são esses babaquinhas que ficam o tempo todo arrotando superioridade. Querendo mostrar que estão ali porque podem, e não por motivos conjunturais. Reclamam dos pobres nos aviões, contam vantagem de suas inúmeras viagens internacionais, tudo para mostrar que são "dinheiro velho". Essa gente é que estraga a experiência (deliciosa, por sinal) de viajar de avião. Essa tristeza de ver que há gente melhorando de vida é uma das caras mais feias do Brasil.

ATUALIZAÇÃO: Talvez eu não tenha deixado suficientemente claro, mas o post não é sobre os problemas da experiência de voar no Brasil. É sobre certos tipos de comportamento elitista tão comuns por aqui. Por isso não foram contemplados problemas como o serviço das companhias aéreas e a qualidade dos nossos aeroportos. Isso é outra história.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Meus alunos

Ser professor não é fácil.Dá trabalho. A profissão faz a gente suar. Mais que isso. Significa passar a vida lidando com gente que não entende o que você quer dizer, gente que acha que uma coisa que você disse quis dizer outra. Acontece mesmo. Faz parte. E a gente tem de entender. Pode ser que no lugar deles a gente tivesse entendido a mesma coisa.

O instinto de sobrevivência me diz que eu jamais deveria chegar perto dos meus alunos. Eu deveria dar minhas aulas e ir embora correndo. De fato há razão nisso. Nesses tantos anos de profissão eu cansei de ser odiado por ter permitido aproximação de alunos. Não vou mentir. Até porrada tomei. De um aluno que tinha problemas dele e os projetou em mim.

Mas se eu tivesse seguido esse instinto de sobrevivência não teria os amigos que tenho hoje. Meu compadre Rafael, que me deu o filho dele para eu batizar. Meu amigo Vitório, meu afilhado de casamento. A Luana, que me recebeu em sua casa na Itália. Márcia, que agora me espera para me ver em seu casamento. Tantos amigos como eles, que um dia foram meus alunos, e hoje estão muito próximos a mim, simplesmente porque nunca acreditei nessa coisa da distância aluno-professor.

Racionalmente eu devia ter seguido a lei do "professor deve se manter longe do aluno". Eu teria poupado muitos aborrecimentos. Mas também não poderia estar aqui explodindo de orgulho pelas pessoas que formei. Gente inteligente, guerreira e valente, que enfrenta todas as dificuldades da nossa área, mas consegue fazer a diferença, e sabe disso.

Em suma, ser professor universitário pode ser ruim. Mas no fim é a melhor coisa. Você conquista amigos eternos e ainda se infla de alegria por ter formado craques que vão fazer toda a diferença.

Obrigado, meus alunos. Vocês me fazem o tempo todo entender que minha profissão faz sentido.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A indigência de um debate radicalizado


Há muito tempo a política brasileira não vivia um clima tão radicalizado. Desde 1964, para ser exato. O cenário se desenhou no governo FHC, quando o PSDB conseguiu costurar uma enorme aliança de centro-direita, ficando o bloco progressista liderado pelo PT basicamente como o "dono da oposição". De lá para cá esse cenário não mudou tanto assim. Apareceram várias propostas de "terceira via", mas que na verdade nunca passaram de projetos individuais (Ciro Gomes, Garotinho, Marina Silva, Eduardo Campos) travestidos de "renovação". E fica por aí.

O desenho mudou pouco, mas o clima ficou muito mais pesado. Cada dia mais é difícil encontrar, em qualquer posição política, gente preocupada com algo mais do que demonizar o inimigo. Me parece que isso tem três motivos. O primeiro, claro, é o fato de que a oposição à direita tem todo o poder econômico do universo, e pode gritar a vontade. A segunda, é que se criou uma oposição à esquerda, a maioria formada por desencantados do PT. Como concorrente do partido do governo na luta pelos votos progressistas, não perdoam o lulo-petismo, especialmente por sua inconsistência ideológica. O terceiro motivo: ao mesmo tempo que chora o fato de ter boa parte da imprensa contra si, o governo conseguiu criar uma rede, digamos, alternativa, de informação, que defende seus interesses. Claro que tem menos alcance que os veículos oposicionistas, mas é alguma coisa (ao contrario do governo FHC, em que era quase impossível achar qualquer coisa na mídia que não fosse defesa do governo).

O problema aí não foi essa diversificação, que é boa. O diabo é que a maioria dos envolvidos no debate quer ganhar no grito. A imprensa oposicionista passou a abrir cada vez mais espaço para tipos absolutamente raivosos, que não têm qualquer pretensão de análise, só querem gritar. O governo também recrutou uma respeitável linha de frente para lhe defender. A oposição à esquerda luta com as armas que têm, em particular as redes sociais e blogs.

O que argumenta a imprensa oposicionista, em especial a mais hidrófoba? Variações em torno dos temas: mensalão, Hugo Chávez, populismo, demagogia. Sempre foi assim. Todos os governos latino-americanos da história que não rezaram pela cartilha das elites foram chamados de corruptos, demagogos, populistas e assistencialistas. Ganham eleições porque o povo é retardado mental e vota com o estômago.

Entre os governistas o argumento básico é: tudo culpa da mídia governista. Mensalão não existiu, todo mundo foi condenado sem provas, o PT está revolucionando o país e isso incomoda as elites. Decisões políticas e ideológicas grotescas? Não, alianças necessárias para mudar o país. E quem discorda é reacionário. E todas eleições que o PT perdeu, e todas as que vier a perder, são por causa da mídia. O povo, retardado outra vez, não sabe o que é melhor pra ele.

A oposição de esquerda em sua maioria pouco consegue sair dos seus próprios chavões. PT e PSDB são iguais, ambos neoliberais, estão iludindo as pessoas (que mais uma vez são retardadas) com essa briga, que na verdade é disputa entre iguais. O remédio é socialismo democrático, seja lá que diabos eles querem dizer com isso (não gostam muito de explicar).

Então é o seguinte: quando me perguntam como me informo respondo que não leio nada, exceto links recomendados por pessoas confiáveis. Parece niilista (em parte é mesmo), mas não vejo escolha. Ler essas coisas histéricas, rasas, que só tem a finalidade de dar argumentos para as respectivas militâncias? Tô fora.

PS: você lê textos desse tipo sabendo que vai odiar, só para passar raiva, xingar o autor nos comentários e postar o link nas redes sociais dizendo "olha que absurdo"? Parabéns, voce está contribuindo para tudo isso. Engorda o número de acessos, compartilhamentos e comentários dessas idiotices, que é do que eles vivem. Sinto lhe informar, mas você e um idiota poluindo o facebook dos seus amigos com chorume. Abraços.

sábado, 2 de novembro de 2013

Liberdade de 'Expreção'

Toda vez que falo/escrevo sobre temas como a ley de medios argentina aparece gente falando em "censura" e que isso fere a "liberdade de expressão". Examinemos a questão, de um ponto de vista genérico.

Para começar, as liberdades individuais, que são o cerne do liberalismo, nem sempre coexistem em harmonia, é há a necessidade de estabelecer prioridades. O exemplo mais flagrante foi o da escravidão. Ao longo do século XIX vimos escravistas empedernidos no Brasil, no Caribe e nos EUA, dizendo que o Estado não deveria se meter em assuntos privados. O que acabou acontecendo, já que se chegou à compreensão de que as liberdades dos escravos vinham acima do direito à propriedade privada dos senhores.

Ainda nessa linha, a liberdade de expressão é um ideal, que nunca será atingido plenamente. E nem deve ser. A lei me proíbe de chegar para um desconhecido na rua e gritar "seu crioulo macaco fdp!". E está certíssima. Há limites para a liberdade de expressão, e vários deles são previstos em lei. Afinal, os próprios liberais não adoram dizer que "meu direito termina onde começa o do meu vizinho"? Pois é.

Agora a imprensa. Para começar, nunca é demais lembrar: estamos falando de empresas privadas com fins lucrativos, e não de entidades filantrópicas. Empresas assim visam uma coisa acima de todas as outras: o lucro. E não há nada errado com isso. Mas me parece óbvio que qualquer tipo de negócio deve ser regulamentado. Se assim não for, os consumidores viram reféns de serviços ruins. Basta você pensar na sua operadora de telefone celular para saber do que estou falando.

Até agora só falei obviedades. Mas veja: quem se opõe a qualquer regulamentação para as atividades de imprensa age como se não soubesse de nenhuma dessas coisas. Você acha normal que um segmento qualquer da economia seja dominado por uma dúzia de famílias, com o direito a oferecer ao consumidor o produto que quiserem sem existir nenhuma possibilidade de controle? Bem, é o que temos na imprensa brasileira. E era o que havia na Argentina.

A questão é que os barões da mídia e seus paus-mandados costumam lançar mão de uma falácia na hora de discutir o assunto. Argumentam que qualquer tipo de controle e intervenção vai contra a liberdade de expressão. Mais um passo e se critica os proponentes de algo assim como se fossem ditadores que querem impedir a "imprensa livre". É a famosa "falácia do espantalho". Se associa uma ideia ou alguém a algo indesejável, e essa ideia ou alguém passa a ser visto como tendo todos os atributos do "espantalho" a ele associado.

Por exemplo. Eu passo o dia com minha poodle no colo. A bichinha até dorme comigo. Aí algum inimigo meu diz assim: "sabe quem gostava muito de cachorro? Hitler, ele mesmo". Pronto> num instante eu deixo de ser um camarada apegado a sua cadelinha e me transformo num genocida. Baseado em que? Na falácia do espantalho.

Regulamentar as atividades de imprensa e impor controles externos de fato limitam a liberdade de expressão. Mas desde quando isso necessariamente é uma coisa é ruim? Todos nós temos nossa liberdade de expressão limitada. Por que diabos esses mega empresários têm o direito de falar sozinhos sem nenhuma forma de controle para milhões de pessoas sem sequer abrir espaço para o contraditório? Eles querem continuar tendo um direito que nós não temos. Só isso.

O que fazer para mudar a situação sem corrermos o risco de censura? Bem, uma lei de meios seria um ótimo começo. Desconcentrar a propriedade dos veículos de mídia, de forma a termos acesso a uma pluralidade de informações. Tornar esse segmento regulamentado como qualquer outro deveria ser. Simples.

Aí vem a questão do conteúdo em si. De fato é um tema delicado. Mas o assunto deve ser ao menos debatido. O que não dá é para achar que meia dúzia de empresários têm o direito de decidir o que 200 milhões de pessoas vão saber. E achar que qualquer coisa diferente disso é "ditadura".