segunda-feira, 11 de novembro de 2013

#classemediasofrenoaviao


"Nossa, vocês não imaginam a loucura que fiz. Peguei um avião, fui parar em Pisa, de lá aluguei um carro e fui à Munique. Resolvi ir a São Francisco, peguei um avião para Nova York depois fui para a Califórnia. Nossa, olha a doideira!". "Puxa, eu também sou assim, não sei em que planeta vivo. Estava um dia em Barcelona um dia desses, aí peguei um voo para Cingapura, passei duas semanas lá, e depois resolvi conhecer a Austrália".

Escutei essa conversa quinta-feira passada em um avião. Na verdade, o grupo de cinco ou seis pessoas passou a viagem inteira falando coisas assim em altos brados. Graças a Deus era um vôo bem curto (Salvador-Aracaju, meia hora), o que me permitiu não morrer naquele ambiente tóxico. O propósito, claro, era dizer "olha, não é porque estou num vôo noturno da Gol que sou como vocês, seus pobres. Não preciso economizar. Tenho centenas de milhares de milhas de vôo pelo mundo afora e não sou um fuleiro qualquer que começou agora a andar de avião, aproveitando os vôos baratos".

Efetivamente o avião se transformou em um martírio para esse tipo de gente. Mais que um meio de transporte, o avião também é historicamente uma forma de distinção social. Como as passagens aéreas sempre foram caras por aqui, usar esse meio de transporte era para poucos. Eu viajei de avião pela primeira vez aos 28 anos, de Porto Alegre a Campinas, já rumando para o fim do meu doutorado (e só voltei de avião. a ida foi de ônibus mesmo, pois a grana não dava). Hoje, 12 anos depois, não é incomum ver meus alunos de graduação indo a congressos por via aérea. Pós-graduandos então, fazem isso com frequencia.

Hoje viajar de avião é bem mais barato. E como a economia vai bem, muita gente foi incluída no que antes era luxo para poucos. O que é uma coisa indiscutivelmente boa. Ao menos no nível da teoria. Afinal, nós brasileiros somos os especialistas supremos no campo da busca da distinção. Para nós só tem graça ter algo se a maioria não puder ter. Aí dá-lhe pagar muito mais do que os outros povos para ter os mesmos produtos. O que é uma dupla vantagem. De um lado, se garante que sua empregada ou seu porteiro não terão acesso às mesmas coisas que você. De outro pode-se botar a culpa dessa diferença de preços nos impostos #classemdiasofre blábláblá.

Não faz muito tempo um dos "intelectuais" (?) favoritos da nossa direita escreveu uma coluna na Folha reclamando do fato de estar insuportável viajar de avião. Concordo completamente. Mas por motivos opostos aos dele. Para o tal autor, os aeroportos estão insuportáveis porque estão cheios de pobres mal comportados. Eu acho exatamente o contrário. Essa gente que nunca viajou de avião fica normalmente intimidada em um ambiente desconhecido e historicamente elitizado, e via de regra rezam para não serem percebidos. O que mata de raiva são esses babaquinhas que ficam o tempo todo arrotando superioridade. Querendo mostrar que estão ali porque podem, e não por motivos conjunturais. Reclamam dos pobres nos aviões, contam vantagem de suas inúmeras viagens internacionais, tudo para mostrar que são "dinheiro velho". Essa gente é que estraga a experiência (deliciosa, por sinal) de viajar de avião. Essa tristeza de ver que há gente melhorando de vida é uma das caras mais feias do Brasil.

ATUALIZAÇÃO: Talvez eu não tenha deixado suficientemente claro, mas o post não é sobre os problemas da experiência de voar no Brasil. É sobre certos tipos de comportamento elitista tão comuns por aqui. Por isso não foram contemplados problemas como o serviço das companhias aéreas e a qualidade dos nossos aeroportos. Isso é outra história.

2 comentários:

  1. Oi Tiago, adorei seu texto! A classe média anda sofrendo que é uma beleza, é tanta reclamação que eu quase tenho pena deles, quase, quase nada pra falar a verdade! rsrsrsrs

    Bjs, Michele

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