domingo, 4 de março de 2012

Camarada Stalin



Há 59 anos morria Josef Stalin. Uma das figuras essenciais do século XX. Mesmo tanto tempo depois é difícil falar dele de forma desapaixonada. Para a maioria esmagadora das pessoas, dizer qualquer coisa dele além de "assassino" singifica ser favorável aos crimes que ele cometeu. Até de Hitler se pode ressaltar eventuais qualidades, mas Stalin não. E na verdade tampouco me interessa elogiar ou xingar. Qualquer historiador sabe que nossa função não é a de juiz. Deixemos isso para Hollywood e para a Veja, já que eles gostam tanto dessa função.
O grande papel histórico de Stalin foi ter formatado o chamado "socialismo real". Lenin ficou incapacitado 5 anos após a Revolução Russa, e seu governo foi essencialmente voltado para tentar salvar o regime numa fase de catástrofes. Quem montou de fato o regime soviético foi Stalin. Para o bem e para o mal.
No fundo quando falamos de Stalin, a grande questão com que nos deparamos é: em que medida o stalinismo foi uma decorrência natural da revolução russa e em que medida é filha do indivíduo Stalin? A visão liberal naturalmente acredita na primeira hipótese, pois ela desacredita não apenas o stalinismo como o socialismo em si. Os defensores do socialismo apostam na segunda, tentando livrar totalmente Lênin (eventualmente também Trostky) da culpa, como se toda a degeneração dos regimes socialistas pudesse ser causada por um único homem.
Acho que nós, socialistas, temos de fazer sim uma seríssima e severa análise disso tudo. E temos encarar a verdade: uma revolução feita por uma minoria que quer implantar socialismo num país onde a população sonha em ser proprietária é algo que pode terminar de qualquer maneira, menos numa democracia. Assim, a direita acaba acertando o alvo de certa forma, apesar de chegar lá pelos motivos errados. Socialismo pode ser democrático, mas não num país com uma população que não o queira.
Em outros termos: os camponeses que apoiaram Lenin não queriam socialismo. Queriam paz (ou seja, sair da 1a guerra) e pão. E se possível, se transformarem em proprietários de terras a médio prazo. Seria necessário enfiar o socialismo pela goela abaixo deles, o que Lenin não quis fazer, mas certamente teria de lidar com isso mais cedo ou mais tarde. Nesse ângulo, Stalin acabou sendo sim um desdobramento de 1917. O dilema que Lenin adiou foi enfrentado por ele: aceitar a república de pequenos proprietários que a população queria ou impor o socialismo de cima para baixo? Stalin tão titubeou e adotou a primeira opção.
Mas há uma segunda questão, mais ampla, sobre isso tudo. Todas as versões do socialismo que eu conheço prevêem um super-hiper-mega Estado. Que seria controlado por entidades abstratas, como "trabalhadores", ou coisas assim. O que evidentemente é um convite para que um esperto assuma o controle e implante seu governo ditatorial (já que o Estado reina sobre tudo), enquanto presumivelmente aja em nome dos "trabalhadores" ou outra coisa do tipo.
Não que necessariamente isso teria de terminar em algo tão brutal como o stalinismo. Mas o grande fato é: o modelo socialista ultra-estatizante abre espaço para um Stalin. Não é à tõa que EUA e Inglaterra nunca tiveram um Stalin: seus sistemas políticos restringem essa possibilidade, enquanto o modelo socialista "real" não a estimula, mas abre a possibilidade.
Em suma, não podemos ver Stalin nem como uma decorrência natural de 1917, nem como uma aberração. Mas sim como um fenômeno extremo, proporcionado tanto pelo modelo revolucionário de 1917 como pelo modelo do "socialismo real". E temos de pensar muito bem nisso antes de ficarmos pregando socialismo por aí. É preciso repensar profundamente isso tudo, e não acho que estejamos fazendo isso.

3 comentários:

  1. Se o Stalin não pudesse implantar o programa vertiginoso de industrialização como o fez nos anos 30, será que a URSS teria resistido aos alemães como resistiu?

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  2. Acredito que não, mas acho muito difícil demonstrar que fosse necessária uma ditatura assassina para levar à frente esse processo modernizador

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  3. Boa análise, é bem por aí mesmo.

    Sou apaixonado por 1917, mas a verdade sobre o apoio popular à revolução foi esta. Quanto a "culpa" de Lenin e Trotsky sobre a ascensão de Stalin, o que você acha sobre as análises de Isaac Deutscher sobre este processo, Tiago?

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