Por incrível que pareça, esse pensamento me levou ao Chacrinha. Um monumental comunicador, que em nosso país possivelmente só tenha tido um rival à altura em Silvio Santos. Não era nenhum revolucionário, muito pelo contrário, se atribui a ele a frase "em TV nada se cria tudo se copia". Seu programa tinha muito de tradicional: artistas "alternativos" jamais dariam as caras por lá, calouros com cara sofrida eram impiedosamente buzinados, ao melhor estilo do rádio de décadas atrás e mulheres seminuas faziam a alegria da homarada, bem dentro do classico machismo.
Mas o programa do Velho Guerreiro tinha um tom anárquico que não se vê mais na TV. Suas roupas eram esdrúxulas, seus bordões absolutamente non-sense, o palco era recheado de personagens exóticos que davam suporte ao protagonista. A platéia era estimulada a interagir de forma muito ativa: tinha um jurado mal humorado (creio que se chamava Édson Santana) que era vaiado loucamente quando descascava os calouros, enquanto os que estavam na primeira filha esfregavam o cabelo dele com as mãos. Pedaços de bacalhau eram atirados à platéia em meio a comentários de gosto duvidoso ("quem quer o bacalhau da Claudia Raia?"). O playback rolava enquanto cantores davam beijos em mulheres da platéia e os "jurados" conversavam com o microfone ligado. Tudo muito divertido, aparentemente anárquico e com um tom quase kitsch. E isso nas tardes de sábado.
Essas coisas não existem mais porque o entretenimento cada dia mais segue a lógica hitlerista. O Fuhrer dizia que seu grande sucesso como orador era sempre falar da forma mais simples possível. Pensava na pessoa mais estúpida que estivesse escutando, e falava ao nível da compreensão dessa pessoa. Assim, garantia que seria entendido por todos. Isso é parte essencial para entender os discursos de Hitler, altamente emotivos mas sem nenhuma complexidade. Qualquer imbecil entenderia.
Cada vez mais o mundo do entretenimento segue esse procedimento. Elimina-se tudo aquilo que alguém possa não gostar. Se reduz o conteúdo ao mínimo, se evitam as polêmicas e se carrega ao máximo na emoção. É a mesma lógica de outros ramos da indústria: veja-se a Skol, a cerveja mais vendida exatamente por ser a que tem mais água, menor amargor e praticamente nenhum sabor. Não tem graça, mas não tem nada que desagrade. Sua força é o conteúdo zero.
Aí entendi meu desencanto com o cinema. Que sempre foi um negócio, evidentemente, e sempre dependeu de agradar as pessoas. Mas quem quer que conheça o cinema de outros tempos sabe que a produção era mais segmentada, mais multifacetada. Hoje não. Provavelmente o enorme custo de produção incentive a produção dessas obras pretensamente para todos, dentro da lógica hitlerista.
Aí você que quer algo mais acaba cansando. Tem os filmes "para homem", com carros explodindo e rajadas de metralhadora; filmes "para mulher", estrelados por loiras magrelas que sonham com príncipe encantado; e por aí vai.
Por favor, não entenda que estou sendo saudosista, idealizado um passado perfeito contraposto a um presente horrível. Acho mesmo que a lógica higienista sempre existiu no entretenimento. E que ela apenas se profissionalizou e se sofisticou cada vez mais com o passar do tempo. O quadro atual pode ser visto de certa forma como o aperfeiçoamento de algo que sempre esteve lá.
E eu me pergunto apenas o seguinte: será que chegará o dia em que nada escapará dessa lógica e toda a produção cultural será insossa? Eu até acho que não: sempre haverão os nichos que impedirão isso. Não sou dos apocalípticos que acham que a massificação derreterá os cérebros de todos nós. Isso nunca acontecerá, como já previa Hobsbawm em 1957.
Mas que os filmes chatos e previsíveis estão em um número muito acima do aceitável, isso estão.
Concordo plenamente!!! Eu sou uma louca por cinema e esse ano nem sequer sabia quando se dava a famigerada entrega do Oscarito!!! Só filme desse jeitinho aí que vc descreveu... muita emoção e zero conteúdo. Assisti um dos filmes nomiados que premiou por melhor atriz coadjuvante, uma atriz negra que não sei o nome e veja só vc, nem consigo lembrar o nome do filme... a história em si é legal, denuncia o racismo estadounidence da década de 50 sobre a ótica das trabalhadoras domésticas, mas achei o filme em si muito fraquinho. Por isso adoro documentários, escapa totalmente desta lógica hitlerista que vc citou. O nível de complexidade e a abrangência de assuntos e visões sobre o tema é fantástico. Aí sim eu consigo me fartar. Excelente post!
ResponderExcluir"O segredo do demagogo é parecer tão tolo quanto sua plateia, de modo que as pessoas possam se sentir tão espertas quanto ele"
ResponderExcluirKarl Kraus (1874-1936), autor de "Os últimos dias da humanidade".