Se me perguntassem qual foi a questão mais dificil que um aluno já me colocou eu não teria duvida. Foi uma pergunta muito simples, com mais sentimento do que elaboração teórica. "Como eu faço para saber que não estou sendo preconceituoso com alguém?", me perguntou certa vez um aluno.
A pergunta era tão boa, tão simples e complexa, que acabou mudando o rumo daquela disciplina, que era História e Cultura Afro-Brasileira. Anos depois ainda penso nela. Aqui vão os itens que me parecem importantes. Sei que serão incompletos. Mas dá uma idéia do meu ponto de vista sobre o assunto.
Uma bem óbvia: voce tem dúvidas se um comentário será visto como preconceituoso? Não o faça. Pode ser bobeira sua. Mas também pode ser sua intuição te avisando que não é boa idéia. Na dúvida, melhor não falar nada.
Outra que é mais difícil seguir: nunca, mas nunca, em hipótese alguma, ache que alguém está sendo demasiado sensível por sentir-se estereotipado, em especial se você não faz parte daquele grupo. Só quem é alguma coisa sabe o que é vivenciar aquilo. Nenhum hetero faz idéia do que é ser gay, nenhum branco sabe o que é ser negro, e assim por diante. Se alguém se mostrar insatisfeito com algo, melhor tentar entender o ponto de vista do que pensar que é "viadagem".
Uma parte muito difícil da coisa toda: muitas vezes o problema não é o que é dito, mas quem diz, para quem diz e como diz. Nordestinos adoram se representar como sertanejos. Lá tudo o que é "típico" é "sertanejo". Mas eles odeiam que pessoas de fora os representem dessa forma. Acham que é estereótipo. Pode parecer absurdo mas não é. Uma coisa é representar-se assim, sabendo que é apenas uma imagem, e não um estereótipo. Outra coisa bem distinta é ver a mesma representação ser expressa por quem pode não entender direito a situação, e achar que de fato todo nordestino é um sertanejo esquálido.
Outro exemplo, mais geral. Todos nós concordamos que o Brasil é um país corrupto, onde há "jeitinho" para tudo. Mas vá ouvir um estrangeiro dizendo isso. Ficamos doentes de raiva. Há um pouco de hipocrisia nisso sim. Mas também há a legítima insatisfação por sabermos que quem diz isso supõe que isso pode significar que sejamos todos ladrões, o que efetivamente não é verdade.
Lembrei muito disso recentemente. Fui homenageado por uma turma de formandos na qual há um aluno homossexual. Ele é muitíssimo querido pela turma, com todos os motivos, pois é um rapaz da melhor qualidade. E entre as muitas formas da turma mostrar carinho por ele está o grito padrão: "ei ei ei, fulano é nosso rei!". O "r" de rei é propositadamente pronunciado de forma ambígua, óbvia referencia à orientação sexual do rapaz. Mas ele adora. Obviamente não há homofobia aí. Há muito afeto por alguém de quem todos gostam, e a homossexualidade aparece como uma característica peculiar dele, assim como outro é rastafari, e assim por diante. "Gay" aí não é ataque. Mas outra pessoa dizendo a ele de forma agressiva "seu gay!" em outro contexto seria diferente, né?
Enfim, nisso tudo há outra questão supercomplicada. Por um lado, a pessoa tem orgulho de ser o que é, e não quer que isso seja escondido, como se fosse um defeito. Por outro, ela também não quer que isso apareça o tempo todo, fora de contexto, como se a pessoa não fosse nada além daquilo (tipo: "enquanto negro, o que voce acha do aumento de salário dos vereadores?"). Não é difícil?
É e não é. Se dentro de voce não há preconceito, ou ao menos há a vontade de mantê-lo controlado, tenho certeza de que saberá agir corretamente. E os membros de grupos alvos de preconceito saberão reconhecer isso. Pois viver em um mundo que te estigmatiza te faz farejar de longe quem tem boas intenções ou não.
Minha postura é: quando é o caso menciono o assunto abertamente. Várias vezes já fiz perguntas a amigos do tipo "você não acha meio desagradavel esse negócio de barba encostando em barba não?" ou "é verdade que negros tem aquela característica que todo mundo fala?". Faço esse tipo de pergunta a amigos que sabem que não estou de sacanagem. Às vezes eles nao gostam. E dizem que não gostam. Mas acho que eles preferem lidar com alguém de forma assim direta, negociando o que é permitido ou proibido, do que enfrentar o preconceito silencioso ou a pura e simples expressão de ódio.
Mas posso estar errado. Esse assunto é dificil mesmo.
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