quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Como funciona a difusão de informação no Brasil



Nesta terça-feira, um grupo de agentes da polícia federal argentina foi à sede do poderoso grupo Clarín cumprir uma ordem judicial. Uma juíza de Mendoza atendeu ao pedido dos empresários Daniel Vila e José Luiz Manzano, que solicitavam que uma empresa do grupo, a operadora de TV a cabo Cablevisión, fosse investigada por concorrência desleal. A apreensão de documentos e computadores foi o resultado da decisão da juíza de investigar a denúncia de Vila e Manzano, arquirrivais do Clarín na luta por ser o maior grupo de comunicações do país (e também proprietários de uma operadora de TV a cabo, a Supercanal).
Naturalmente o fato foi o tema da terça-feira no país. E evidentemente o Clarín e os demais grupos que atacam violentamente o kirchnerismo viram um dedo do governo na operação. Disseram que Vila e Manzano agiram como aliados de Cristina Kirchner. O que dificilmente seria verdade, já que o canal dos denunciantes, a TV America, não ataca de forma radical o governo (como fazem veículos como o jornal La Nacion e o grupo Clarín), mas é majoritariamente crítico a ele. Por exemplo, nas noites de domingo o canal exibe o programa La Cornisa, comandado por Luis Majul, crítico feroz do governo.
Em suma, a princípio foi apenas o cumprimento de uma decisão judicial. Investigações posteriores podem até apontar que de alguma forma o governo esteve envolvido na história. Mas até agora há apenas acusações sem elementos concretos. É o que se encontra nos veículos do Clarín e dos demais opositores radicais. Apenas uma inferência: como governo e Clarín vivem em guerra, isso só pode ser mais uma tentativa do governo de atacar o maior grupo de mídia do país.
Agora o que saiu em todos os veículos brasileiros que vi: "Governo argentino envia Exército para invadir sede do maior grupo de comunicação da Argentina e apreender documentos". Ou seja, o que era uma acusação da oposição feroz foi noticiado aqui como um fato consumado. Na verdade a imprensa brasileira foi até mais longe que o grupo Clarín, que acusou o governo de agir através de intermediários, enquanto o que saiu aqui foi que o governo interviu diretamente na empresa sem intermediários ou motivos, apenas porque não gosta do que eles publicam.
Evidentemente aí se misturam alguns elementos. Primeiro, a antipatia de uma imprensa conservadora perante um governo que não se alinha com o neoliberalismo. Segundo, a preguiça de apuração: apareceu uma versão pronta em importantes veículos da imprensa argentina, e essa versão se casa perfeitamente com a opinião que essas empresas jornalísticas tem do governo argentino. Não havia necessidade de apurar, havia? Vamos repetir logo essa versão que nos pareceu tão boa, certo? Ah, não tem espaço para uma matéria longa sobre Argentina? Vamos cortar os detalhes, e transformar uma questão controversa e cheia de pontos obscuros em uma frase que apresente o governo argentino como uma ditadura.
É, amigo, as pessoas que são responsáveis por informar a população brasileira agem assim. Depois querem que a gente acredite que, ao contrário da internet, os órgãos tradicionais de imprensa tem cuidado, apuram cuidadosamente tudo antes de publicar e são o espaço da pluralidade democrática. Quando o que fizeram neste caso foi simplesmente pegar uma única voz (a oposição mais radical ao governo argentino), transformá-la em algo ainda mais feroz que a versão original e publicar como se fosse um relatório factual. Beleza, né?

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