domingo, 11 de dezembro de 2011

Cristina Kirchner - 2o tempo


Ontem Cristina Fernandez de Kirchner tomou posse de seu segundo mandato presidencial. E previsivelmente o festival de tolices costumeiras tomou conta da imprensa brasileira. Li até em um conceituado site esportivo brasileiro (o Trivela) que o projeto de descentralização futebolística que o país viu nos últimos anos se deve ao fato de a presidenta ter enormes dificuldades políticas na província de Buenos Aires (veja o tamanho da tolice: ela teve nessa província 56% dos votos nas eleições deste ano, contra uma média de 53% no país como um todo).
Na verdade os brasileiros, incluindo aí alguns que posam de "especialistas em Argentina", não entendem direito o que se passa por lá. Aí fazem um raciocínio assim: Mussolini = Vargas = Perón = Kirchner. Ou seja, o kirchnerismo é um fascismo 2.0. Aí faz sentido reorganizar o futebol do país por pura vendetta contra uma província que "vota contra ela" (aí outra confusão: Mauricio Macri, da oposição, se reelegeu prefeito de Buenos Aires com uma votação avassaladora. Daí confundiram cidade e província e presumiram que se a cidade de 2 milhões de pessoas votou em Macri então a província inteira de 13 milhões a odeia.Vejam o nível do argumento!).
Eu entendo o kirchnerismo da seguinte maneira: o equivalente argentino do lulo-petismo. Quando digo "equivalente" não digo "igual". Significa que ocupa um espaço relativamente semelhante no espectro político e tem mais ou menos o mesmo tipo de eleitor. E é atacado por uma oposição relativamente semelhante com o mesmo tipo de argumento. Claro que sendo países distintos, com características distintas e tradições políticas distintas, são movimentos que enfrentam questões distintas de forma distinta.
Mas note que o lulo-petismo e o kirchnerismo são muito fortes entre os movimentos organizados e a população pobre urbana, sendo avassaladores nas regiões de seus países que mais precisam do estado (o Norte-Nordeste brasileiro e o norte e o sul da Argentina). Têm muitas dificuldades eleitorais nas regiões agro-exportadoras (províncias de Santa Fé, Córdoba e Mendoza na Argentina, Sul e Centro-Oeste do Brasil), onde é arraigada a idéia de que o Estado deve deixá-los em paz para seguir com seus negócios, ao invés de roubar seu dinheiro para dar aos que não conseguiram se estabelecer (também aparece eventualmente uma postura elitista meio enojada com políticos cheios de arroubos que são idolatrados por gente pobre e faminta).
Ambos enfrentam uma oposição encarniçada, com os mesmos atores: empresários e grande mídia, com o mesmo discurso que mistura moralismo, liberalismo e reacionarismo. Essa mídia, que apoiava alegremente os regimes militares de seus países, hoje acusa lulo-petistas e kirchneristas de terem posturas ditatoriais, enquando a massa idolatra esses governos por acreditar que finalmente a democracia social chegou para eles.
As diferenças são mais ligadas aos contextos do que propriamente à essencia dos movimentos. A Argentina tem uma tradição fortíssima de radicalização política, então tanto governo quanto oposição apostam mais solidamente na estratégia do confronto aberto, que frequentemente se torna estritamente pessoal. Na tradição de acomodação da política brasileira, o lulo-petismo concede mais à direita e também não é tão violentamente atacado (na verdade, perto da violentíssima política argentina, a brasileira parece uma alegre festa de fim de ano).
Resumo da ópera: eu entendo que brasileiros de direita ataquem o governo argentino com o mesmo argumento que usam para o nosso governo. Entendo que pessoas da esquerda mais radical torçam o nariz. Mas as pessoas de tons mais progressistas que gostam do lulo-petismo xingarem tanto o kirchnerismo é apenas desinformação. E tratar Cristina como se fosse um Mussolini 2.0, o que também é muitíssimo comum, é o cúmulo da ignorancia.

5 comentários:

  1. Perfeito. Bom saber que alguém tem uma opinião arejada e esclarecida sobre o país. Não esse ufanismo escroto que toma conta daqui. Como se a gente estivesse às portas do Primeiro Mundo e eles, à beira do colapso econômico-social.

    A Argentina permanece à frente do Brasil em vários rankings: apesar da disputa com o Clarín, por exemplo, o Índice de Liberdade da Imprensa deles é ligeiramente superior ao nosso; no de Desenvolvimento Humano, apesar de toda o propalado crescimento brasileiro, BRICs, etc., continuamos umas dez posições atrás deles.

    E isso com um mérito adicional para "La Pingüina": seu falecido marido assumiu um país insolvente e quebrado, enquanto Lula tomou posse em meio à estabilidade econômica que foi o único legado positivo da era FHC

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  2. Em sintese, tenho impressão que há tanto que saber e eu ainda não sei de nada!

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  3. Diogo, eu acho o mesmo que voce. Alias, a Argentina está a frente do Brasil em todos os indicadores sociais e de qualidade de vida que conheço. E não é por pouco. Só pra teres uma idéia, os caras tem uma universidade federal ("nacional", como eles chamam) para cada 800 mil habitantes do país. Teriamos de ter 250 federais para iguala-los.
    Mas acho que não é so ufanismo, creio que os dois paises se ignoram mutuamente de forma absurda. O "outro lado" disso é a adoração absurda que eles tem pelo Lula por lá. Todos amam o Lula, independende da posiçao politica que tenham. E eles acham que o Brasil é um pais rico por causa do crescimento do governo Lula, nao conseguem visualizar quanta pobreza e desigualdade que temos por aqui. Quando conto quanto ganha um professor eles acham que me expressei mal na lingua deles, pois é impossivel que seja tao pouco, rsrs

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  4. E Pandora, um dos efeitos do conhecimento é que voce passa a ter uma dimensao melhor da sua ignorancia. Só ignorantes acham que sabem muito de alguma coisa. Quanto mais aprendemos, mais descobrimos coisas novas que temos de aprender. Encare sua sensaçao como uma coisa boa, portanto

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