quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Vivendo e aprendendo a jogar


Estou no meio do processo de seleção dos alunos que vão ingressar no mestrado em história na minha universidade. E vivemos a reta final do brasileirão. Duas coisas que não têm rigorosamente nada que ver uma com a outra. Mas tem algo comum às duas: quem perder vai gritar histericamente que foi roubado.
Uma das coisas que mais me aborrece no mundo em que vivemos é isso: ninguém dá conta de administrar seus fracassos. Não passou no mestrado? A banca favoreceu os puxa-sacos. Perdeu jogo? O juiz roubou. Não venceu um concurso para professor? Estava tudo armado. Seu candidato perdeu uma eleição? O povo é burro (se voce é de direita) ou a mídia enganou o povo (se voce for de esquerda). Foi reprovado porque teve 40 faltas em 60 possíveis? O professor é babaca. Ninguém nunca perde para um adversário. Perdemos para zés-ninguéns por sermos prejudicados.
Isso tem a ver com um post que escrevi há alguns dias, a coisa de "ser crítico". Os derrotados conseguem facilmente convencer pessoas de que foram prejudicados por duas razões. A primeira, claro, é que normalmente os que acreditam também são pessoas que não conseguem administrar seu próprios fracassos, então são propensas a acreditar em qualquer coisa desse tipo. A segunda é a tal questão da "criticidade". O tolo acha que "ser crítico" é perceber maquinações diabólicas onde não há nada aparente. Ao invés de pensar que a inexistência de algo aparente pode se dever simplesmente ao fato de não haver nada mesmo.
(Há outros tipos de razão também, os quais prefiro não comentar muito. Tipo os problemas de auto-estima que fazem a pessoa sequer conseguir lidar com a possibilidade do fracasso. Ou o fato de vivermos numa sociedade que cobra loucamente vitórias de todos nós, como se todos pudessem ganhar, e não apenas uma minoria, então não ser um vencedor é ser um fracasso para a vida toda, etc.)
Há 16 anos eu estava fazendo seleção de mestrado (parece que são 160 na verdade). Comentei com o pai de um amigo que eu estava muito nervoso. Ele disse uma coisa que é bem verdade: eu não estava apenas preocupado com a possibilidade objetiva de não passar, embora fosse em parte isso; o pior era o pânico do fracasso, de ser um derrotado e me ver assim. Ele disse que na entrevista, quando fatalmente eu receberia críticas, eu deveria segurar sempre meu projeto com as mãos, e pensar "não sou eu que estou sendo criticado, é esse projeto; uma eventual reprovação será destinada a ele, não a mim; se isso acontecer, não me sentirei um derrotado, avaliarei onde errei, farei outro projeto melhor".
Eu sei, parece irresistível rir do impacto de um conselho no melhor estilo "auto-ajuda" sobre mim naquele tão distante momento. Mas é que eu percebi que havia algo mais implícito nesse conselho: a melhor coisa a se fazer na hora do fracasso é aprender com ele, ao invés de procurar alguém para culpar. Isso me ajudaria fenomenalmente muitas vezes.
De lá pra cá fracassei em muita coisa. Todos os meus candidatos a presidente perderam, e eu aceitei isso como parte do jogo democrático. Meus times perderam trilhões de vezes, e eu tive de aceitar que, ainda que por vezes tenha sido prejudicado pela arbitragem, é impossível justificar essas derrotas apenas por isso. E como qualquer acadêmico que se preze, fui criticado muitas vezes pelo meu trabalho. Tanto o de professor quanto o de produtor de conhecimento.
Confesso que nada disso foi gostoso. Mas veja a diferença: meus candidatos perdem eleições, culpam a "mídia" e nem repensam seus discursos e práticas. Meu time perde jogos e diz que é culpa da arbitragem (está fazendo isso hoje mesmo, aliás). Quando fracasso, avalio profundamente onde errei, ou ao menos onde dei margem para que eu fosse atingido. Sempre é bom. Sempre ajuda.
Enfim, sei que quando a seleção acabar, os que não passarem sequer vão cogitar a possibilidade de que outros possam ter sido melhores do que eles; nem vão lembrar de que para cada aprovado necessariamente haveria outros dois que não conseguiriam (são 46 para 15 vagas). Vão dizer que nós, da banca, favorecemos os aprovados. Mesmo que nada indique isso. Um saco essa vida em que o trabalho honesto é atacado por gente descompensada que não dá conta de lidar com suas próprias dificuldades. Mas vamos lá.


2 comentários:

  1. Bem, eu sou torcedora do Santa Cruz, eu sei perder desde pequenininha! rsrs... Mas, tudo o que você disse é correto, o momento da prova do mestrado as vezes parece um momento de vida e morte, parece que aquilo é SUA VIDA INTEIRA e decididamente não é! E eu digo isso porque descobri isso quando não passei na seleção da Rural, fiquei mal desde o momento da prova (só consegui responder uma das questóes), tive que enfrentar meu 5 quando meus amigos tiraram notas inquestionaveis! Mas não morri, nada disso me matou! Não deu na Rural deu na Federal. E a derrota foi uma experiência, não podemos ganhar todas, nem tudo da certo sempree e a vida é assim...

    Ah, outra coisa que você falou Tiago, e que é uma aprendizagem muitoooo dificil, é encarar as criticas ao projeto, aprender que o projeto não é você doí pra burro... Mas, aprender a crescer com a critica é crucial, lembro que na minha primeira reunião de orientação a chefa me disse que meu projeto era fraco e que eu precisa aprender a construir meu objeto de pesquisa... Eu fui para casa querendo morrer, me sentido a pessoa mais incompentente do mundo... Mas,isso também passou... também foi uma experiência... E o que não nos mata fortalece!

    E no mais, quando se caí, do chão ninguém passa, já dizia minha mãe... E quando se está no chão só nos resta levantar!

    Cheros, professor...

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  2. Nossa lendo tudo isso só tenho uma coisa a dizer: ser mãe é que me ensinou mesmo a lidar com meus erros e fracassos (ainda que eu chore que nem criancinha quando isso acontece), a maternidade é uma conquista diária e de repente se algo dá errado só existe uma forma de encarar e não querer desistir "eu fiz o meu melhor, não deu, preciso de ajuda!".
    Outra coisa que a maternidade me ajudou foi perceber que se ganha, se perde, o que importa é estar lá, viver a emoção de ser parte do jogo.

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