sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Quem precisa de heróis?


Ao contrário da maioria dos meus colegas historiadores, não achei que o sucesso desse livro aí de cima é algo a ser deixado pra lá. Compartilho com eles a certeza de que é um livro muito ruim, totalmente equivocado e por várias vezes de evidente má fé. Mas não acho que possamos simplesmente descartar seu sucesso como sendo fruto da ignorancia alheia. Temos de tentar entender a mensagem que seu gigantesco público está tentando nos passar.
Pra começar há uma mensagem para nós, historiadores acadêmicos. Não adianta a gente passar raiva com os pavorosos livros históricos escritos por jornalistas. O fato é que sequer tentamos nos comunicar com um público mais amplo. Dizer que as pessoas compram esses livros porque são burras é imbecilidade da nossa parte. Se um dia oferecermos outra opção a eles, e eles continuarem os comprando, aí é outra história. Por ora, o fato de comprarem Narloch, Eduardo Bueno e outros quer dizer apenas que há espaço para livros de história acessíveis ao público médio e que nós solenemente desprezamos a possibilidade de dialogar com essas pessoas.
Mas há algo mais: creio que há um recado para a história ensinada nas nossas escolas. Após décadas repetindo a "história dos heróis" (ou seja, a glorificação de Duque de Caxias, Pedro I, etc.), as escolas brasileiras resolveram mudar. O problema é que passaram a criar novos heróis: agora qualquer um que tenha sido contra os "heróis oficiais" são os heróis "de verdade".
Tomemos dois exemplos. O primeiro é Antônio Conselheiro, um evidente beato ultra-reacionário que tinha a idade média como mundo ideal. Ora, ele e seus seguidores foram absurdamente massacrados, mas denunciar isso não significa transformar em modelo alguém que simplesmente não aceitava as conquistas mais importantes do Iluminismo e da modernidade. Outro exemplo é Lampião, simples bandido transformado em ícone do "protesto social", à custa de negar os mais elementares indícios históricos.
Nada disso justifica o absurdo livro de Narloch. A questão é que temos de pensar em que medida nós abrimos um flanco para esse tipo de ataque ao simplesmente substituirmos um panteão de heróis clássico por um novo, alternativo. Esse é meu ponto: substituir Tiradentes e Princesa Isabel por Conselheiro e Lampião não me parece ajudar muito na formação de uma visão mais complexa sobre porque nosso país é o que é.
E a propósito: por que diabos precisamos tanto de heróis, "modelos"? Manter essa busca por guias para a ação, gênios que "estavam á frente de seu tempo" (expressão ridícula que nega a própria idéia de historicidade) não vai nos ajudar em nada. Que tal prescidirmos desses heróis e começarmos a procurar humanos que viveram sua vida da melhor maneira que puderam? O dia em que isso ocorrer, os Narlochs da vida terão menos espaço para falar tanta besteira.

3 comentários:

  1. MINHA POBRE OPINIÃO PESSOAL: Os historiadores não enfretam o desafio de falar de história/Historiografia e derivaticos com quem não é de história... Poucos enfretam o desafio de falar de história para quem não é de história e isso é uma pena.

    De certa forma com o 171 vc enfrenta esse desafio, tanto que eu me sinto a vontade de indicar para minhas companheiras de virtualidade.

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  2. Felizmente temos historiadores sérios como vc (e espero, eu futuramente, rs) para poder combater os Narlochs da vida, e os meios de comunicação que abrem espaço para ele.

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