quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ser de direita e esquerda hoje


Muita gente acha que não existe mais direita e esquerda. E eu acho que eles estão completamente errados. Acho que quem diz isso se apóia em dois tipos de argumentos, ambos completamente falaciosos:
1) "não há ideologia, só interesse". Indefensável. Uma pessoa defender seus interesses, ou até ser corrupto, não a impede de forma alguma de acreditar em algo. Veja o caso do Brasil: é bastante evidente que em linhas gerais PT e PSDB tem diferenças ideológicas marcantes. Agora, se seus políticos são honestos ou não isso é outra história. Se não há ideologia, porque esses partidos administraram o país de forma tão diferente? Tanto mais que as administrações estaduais e municipais desses partidos seguem consistentemente essa diretriz? De resto, quando foi essa época em que não havia corrupção e interesse, permitindo "autênticas" esquerda e direita?
2) "depois do fim do socialismo essas idéias não fazem sentido". Errado de novo. Quem diz isso presume que ser de esquerda é ser defensor do socialismo soviético e o resto é direita. Nunca foi assim. O espectro político nunca foi polarizado entre esquerda e direita. Sempre houve um continuum, que começa nas posições de extrema-direita, passando por conservadores, liberais, social-democratas, socialistas, etc. O fim da experiência socialista não muda isso. Aliás essa mudança nem extinguiu o socialismo enquanto posição política. Em quase todos os países do mundo há partidos que seguem se definindo como "socialistas".
O que acontece, e é extremamente normal, é que essas posições vão se redefinindo. Elas nunca foram fixas, como alguns acham. Hoje, por exemplo, me parece bastante evidente que a linha que separa a esquerda da direita é a questão da intervenção estatal. Ou seja, os que acham que o Estado deve agir para minimizar os efeitos da desigualdade e os que acham que não, que o Estado não tem esse papel.
Dentro dessas duas posições possíveis, há muitas diferenças. Há uma esquerda moderada, que é a tendência predominante do atual governo, que acha normal os ricos se lambuzarem, desde que o Estado compense minimamente as necessidades dos mais pobres. Mais à esquerda temos os que acham que o Estado deve atuar mais agressivamente para forçar uma maior redistribuição de renda, inclusive impondo limites aos ganhos dos ricos. E no extremo desse lado do espectro temos os socialistas, que acham que a propriedade privada deve ser eliminada.
Há o lado da direita, que acha que o Estado não tem nada o que fazer em termos de atenuar as desigualdades. Claro que também há diferenças. Há os raivosos que pensam que todo pobre é vagabundo, e portanto não deve ser ajudado. Acham que isso é "estimular a vagabundagem". Há os que acham que ao menos se deve garantir que não morram de fome. E há os que vêem a necessidade de políticas (sempre muito modestas, claro) como as do governo FHC.
E essa diferença não é nada abstrata. É muito fácil de ser percebida no discurso dos dois lados. A direita não quer ouvir falar em impostos, empresas estatais e gastos públicos. A esquerda é o contrário: se arrepia só de ouvir falar em privatizações, corte de gastos, etc., já que acredita na função do Estado como regulador, fomentador do crescimento e redutor de desigualdades.
No aspecto cultural também é muito clara a diferença. A direita tende a achar abomináveis as políticas de ação afirmativa (acha uma intervenção intolerável do Estado naquilo que vêem como uma "meritocracia"), e em versões mais radicais pode achar linda a humilhação de mulheres, negros, gays, índios e nordestinos (vide o episódio Rafinha Bastos). Muito ao contrário, a esquerda, que acredita no Estado, crê que a intervenção para suprimir as históricas desigualdades de gênero, raça, etc. é indispensável.
Ou seja, em todos os parâmetros, é muito claro que temos o trio PT/PSB/PC do B como representantes típicos de uma esquerda moderada (com setores mais progressistas), o P-SOL como uma esquerda mais agressiva e o PSTU como uma esquerda radical. No outro campo, os democratas são exemplos evidentes da direita. E o PSDB? Pra mim é centríssimo (o que não é indecisão; ser "de centro" é uma posição, que os tucanos abraçam com convicção). Poderiam escolher entre ser a ala moderada de uma aliança de esquerda ou a facção progressista de uma aliança direitista (ficaram com a última). Afinal, combinam o neoliberalismo e privatizações com modestas políticas compensatórias, abertura da discussão sobre cotas e a promoção do "toda criança na escola" (e não é demais lembrar: digam o que disserem hoje, FHC não fez nenhum corte de impostos. muito pelo contrário: criou a CPMF e aumentou muito o imposto de renda, já que jamais corrigiu a tabela).
Vou repetir para me prevenir definitivamente de certos tipos de comentário. CLARO que isso não quer dizer que os partidos que identifiquei como "ideológicos" sejam formados por idealistas dispostos a morrer por uma causa. Achar que "ideologia" é isso é ser MUITO inocente. Quem acha isso vai ter de concluir nunca houve ideologia nenhuma em época nenhuma. O que é de um niilismo absurdo.
Em suma, não vejo razão nenhuma para se acreditar que não haja esquerda e direita, seja no mundo, seja no Brasil. É só olhar os discursos e práticas dos partidos ideológicos que temos e concepções de esquerda e direita ficam absolutamente evidentes.
O que não invalida o fato de que nosso sistema político tem uma gigantesca anomalia: a existencia de partidos que não tem nenhuma ideologia além de ser governo. PMDB, PTB, PP, PR, esses partidos estão em todos os governos, o que é prova evidente de que só querem mamar mesmo. E não tenho dúvidas: nem FHC nem Lula gostariam de se aliar com essa gente, que sabem muito bem serem uma corja. Mas como nós, os eleitores, colocamos dezenas de parlamentares desses partidos no congresso, obrigamos os dois governos a compor com eles. Não tem como evitar. A culpa aí é mais nossa do que dos últimos governantes.
E se você não se convenceu, aqui fica uma última pergunta: se PSDB e DEM só pensam em se dar bem, porque seguem na oposição a um governo popularíssimo, sendo que poderiam estar dentro dele, mamando nas tetas do Estado e pegando carona no lulismo? Porque nos anos 90 PT, PSB e PC do B pareciam caminhar para o suicídio ao ficar 8 anos fazendo oposição ao governo?
Simples, esses partidos acreditam em algo. Pode ser algo que voce odeie. Mas eles acreditam. Se dispuseram a sofrer a desgraça que é ser oposição no Brasil quando poderiam ser governo.
Esquerda e direita existem sim. Negar isso é fazer o jogo do poder. Quem está lá quer que voce acredite nisso. Fica mais fácil para eles dizer que são "o bem" e quem discorda deles é "o mal", se voce presumir que não existem diferenças significativas de ideologia.

2 comentários:

  1. Perfeito. Quem fica com essa conversa, quer que nós acreditemos que a esquerda não existe mais.

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  2. Apoiado, concordo. Mas que as práticas estão cada vez mais convergindo-entre de esquerdas e de direita- isso é uma coisa horrível. mas a discussão foi muito boa.

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