domingo, 6 de novembro de 2011

A tal "nova esquerda": balanço


Quando eu acordei para o mundo, há uns 30 anos atrás, a esquerda tradicional era dada como enterrada. Os regimes socialistas eram evidentes fracassos e seus representantes no Brasil claramente tinham se mostrado incapazes de organizar a classe trabalhadora, com o desconto de que a guerra fria ter limitado tremendamente suas possibilidades de ação. Criticava-se também de forma ostensiva o fato de essa esquerda marxista jamais ter aberto espaço para questões como ambientalismo e movimentos de minorias.
Por outro lado, os antigos líderes da classe trabalhadora urbana eram rapidamente descartados como "populistas" (tão atacados que a palavra virou sinônimo de "demagogia" ou até "fascismo"). Assim, foram transformados em dinossauros. Pensar em Brizola ou Arraes como alternativa naquele tempo era algo como pensar em trazer D. Pedro II de volta do mundo dos mortos para nos governar. Mesmo que na época esses políticos fossem tão ou mais jovens que os atuais protagonistas do debate político, como Lula, Dilma e Serra.
Era consenso, por todos os lados, que era preciso criar uma "nova esquerda". No mundo acadêmico, historiadores e cientistas sociais desciam a lenha no comunismo, no marxismo e reabilitavam qualquer um que fosse um contraponto a eles: anarquistas viraram os profetas da tirania marxista, o liberal Tocqueville virou gênio, e até o ultraconservador Edmund Burke passou a ser visto como "sofisticado". Agora a Revolução Francesa não teve nada a ver com luta de classe e economia não explica mais nada.
Nas ruas nascia o "novo sindicalismo", que se opunha aos vínculos entre sindicatos e o estado (existentes tanto sob o populismo quanto no socialismo), e pregava a necessidade da autonomia dos movimentos sociais, que deviam se guiar por suas próprias agendas. Na política, o reflexo foi o nascimento do PT, incorporando esses novos movimentos sociais e acadêmicos, tentando criar uma nova forma de fazer política, condizente com essa "nova esquerda". Baseada no apoio dos movimentos sociais, mas longe da política tradicional, dos populistas e do comunistas, era a grande novidade política daquele tempo.
30 anos depois...
Aquela nova esquerda hoje se comporta exatamente como os velhos populistas que tanto criticava. É centrada em um grande nome idolatrado por uma população despolitizada, possui um leque de alianças sem nenhuma coesão ideológica, trouxe os movimentos sociais para o estado (a velha burocratização dos sindicatos, que os petistas acadêmicos tanto criticavam no populismo e no socialismo)...
Os movimentos de minorias têm um papel muito importante a desempenhar, mas não conseguiram sair de sua função de grupo de pressão para uma causa particular, sem desenvolver um novo projeto de sociedade. Os ambientalistas que tem mais visibilidade (Gabeira, Marina) estão cada dia mais próximos da direita. Os movimentos sociais não tem nenhuma agenda além de ser governo.
Os historiadores e cientistas sociais daquele tempo, que tanto marretaram o populismo e o socialismo hoje se dividem em dois grupos. Uma parte (a maior delas) se agarrou loucamente ao poder. Alguns no governo FHC, outros no governo Lula. Em comum, o fato de fazerem todo tipo de pirotecnia para tentar provar que seu amado governo havia finalmente realizado tudo que eles pediam décadas antes. Claro, sempre muito bem financiados por esses governos. Outros descambaram para o niilismo, e só escrevem sobre temas muitíssimo desidratados (tipo "houve modernismo literário no RJ"?).
Como se vê, quando a gente olha para o cenário atual e procura as contribuições que a "nova esquerda" nos deu, a gente fica com dificuldades. O PT nada mais é do que um partido populista velha-guarda, sem nada muito diferente do que Brizola e Arraes defendiam há 50 anos. Sua relação com os sindicatos é mais burocrática que a de Vargas, já que eles efetivamente se incorporaram ao Estado. A grande verdade é: o "novo sindicalismo", que nasceu para acabar com as relações entre sindicatos e Estado terminaram radicalizando essa relação, e hoje fazem parte do Estado.
Notem: não estou dizendo que a nova esquerda nada faz pelo país. A discussão não é essa. Muito menos o governo Lula, ou coisa do gênero. A minha discussão é: há 30 anos havia toda essa efervecência no campo da esquerda brasileira, em que se avaliava que esse campo deveria mudar radicalmente seus conceitos e práticas. Hoje, o que se vê é que esses grupos nada mais fizeram que neutralizar os velhos populistas e comunistas que dominavam o lado esquerdo da política brasileira, para em seguida fazer as mesmas coisas que eles.

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