domingo, 20 de novembro de 2011

Racismo sem racistas


"O Brasil não é para principiantes". Essa é uma das frases mais geniais já elaboradas sobre nosso país. E no dia da consciência negra, ela soa mais verdadeira que nunca. Afinal, nesse campo o Brasil inventou um dos fenômenos mais incríveis da história: o racismo sem racistas.
Até os anos 1980, a maioria esmagadora dos brasileiros acreditava que nosso país não era racista. O discurso era: a escravidão deixou os negros da parte debaixo da sociedade, e como o Brasil trata mal seus pobres, eles se deram muito mal. Não havia racismo, isso era coisa de americano. Na verdade muita gente na própria esquerda endossava isso.
Desde então muita coisa mudou, e hoje a idéia de que o Brasil é um país racista se fortaleceu, ganhando reconhecimento do próprio Estado. No entanto, apesar disso resistimos absurdamente a qualificar qualquer pessoa como "racista". Estrangeiros vá lá, mas brasileiros, jamais. Para exemplificar, aqui vão duas historinhas envolvendo o racismo no futebol. Bem parecidas, mas com resultado muito diferente.
Em 2005, o então saopaulino Grafite saiu de campo acusando o zagueiro argentino Leandro Desabato, então no Quilmes, de tê-lo xingado de "macaco". O jogador recebeu voz de prisão dentro de campo e passou duas noites na cadeia. Toda vez que se menciona o nome desse atleta até hoje vêm o comentário "é aquele Desábato racista".
No ano seguinte o zagueiro brasileiro Antonio Carlos proferiu o mesmo xingamento a Jeovanio, jogador do Gremio, e, diferente do caso anterior, com várias testemunhas. Nada aconteceu, e o jogador virou cartola, depois treinador. Todos consideram aquilo um "lamentável incidente", mas Antonio Carlos não foi punido nem recebeu qualquer estigma. A grande exceção foi a torcida do Vasco, que protestou bastante quando, recentemente, o ex-atleta estava prestes a ser contratado como treinador do clube. Argumentaram que a contratação era um crime contra a história do único clube grande carioca a nunca ter proibido negros de vestirem sua camisa. Mas fora isso, nada.
Não tenho formação jurídica nem conheço todos os detalhes das duas histórias. Mas me parece muito claro que nossa sociedade encarou as duas histórias tão parecidas de forma muito distinta. Uma virou um crime imperdoável, enquanto a outra não passou de uma infelicidade. Claro que isso se deu devido às nacionalidades dos agressores. Um é brasileiro legítimo. Outro é estrageiro, e ainda por cima argentino, povo visto pelos brasileiros como "racista" (como se nós não fôssemos).
Na última semana ocorreu outro fato na mesma direção. Pelé deu uma declaração meio idiota, como de costume, falando que "hoje qualquer coisa é racismo", e minimizando a existência do fenômeno no Brasil. Um jornalista do Sportv o criticou duramente pela declaração. Mas fui lembrado logo em seguida: o mesmo jornalista havia minimizado um ato racista de um jogador de futebol, dizendo que o agredido "devia deixar aquilo pra lá e apertar a mão dele (do agressor)".
Creio que isso fecha o quadro. Estamos plenamente abertos à idéia de que o Brasil é um país racista, mas não estamos preparados para aceitar o fato de que pessoas brasileiras o sejam. Aceitamos um racismo genérico, desidratado, sem culpados nem vítimas, e portanto sem necessidade de ações reparadoras. O Brasil é racista. Brasileiros não. Vá entender um país desses.

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