Há muitos anos trabalho formando professores de história. Há muitos anos escuto meus colegas e alunos repetirem que a função do professor de história é formar cidadãos críticos. Mas sabe o que nunca ouvi? Explicarem que diabos é "cidadão crítico".
O resultado é que vejo meus alunos há muitos anos se perderem dando apoio a teorias conspiratórias vazias sobre qualquer coisa, e acreditando em qualquer coisa que ouvem, desde que seja difamatória a alguém. Acham que isso é ser crítico.
Não os culpo. Todos dizem a eles que devem ser críticos, mas ninguém explica que diabos é isso. E cada vez mais me convenço de algo muito simples: ser crítico é simplesmente não brigar com o óbvio.
Vou me explicar enunciando frases completamente óbvias:
Sob o governo FHC o Brasil se livrou da inflação, mas não cresceu.
Sob o governo Lula o Brasil cresceu, mas o governo petista não contrariou o interesse de ninguém.
O governo cubano teve um êxito espetacular no campo social, mas é uma ditadura.
Não fiz acima nada mais do que constatar o óbvio. No entanto, quem se guia pela visão de mundo de alguma corrente política vai me achar "comunista" (se for do PSDB), "de direita" (se for do PT) ou "reacionário" (se for de algum partido que defende o regime cubano).
Entendo que o discurso dessas correntes seja esse. São militantes políticos. Vivem de dizer que sua versão das coisas é perfeita e de atirar pechas desqualificantes em quem não concorda 100% com eles. Quem quer seguir alguma seita política não pode mesmo se dar ao luxo de ser crítico.
Mas se é pra ser crítico, fica inviável dizer, como alguns, que FHC não teve mérito no fim da inflação, que Lula não fez nada de útil ou que Cuba estar acima do Brasil em todos os indicadores sociais mesmo sendo bem mais pobre é irrelevante.
Ser crítico é bem simples. É só não repetir o que outros dizem antes de refletir sobre o assunto. Aceitar discursos que dizem que tal corrente está sempre certa e as outras sempre erradas é ótimo para um militante irracional. Infelizmente isso quase sempre significa brigar com o óbvio.
Não brigue com o óbvio. Não ignore os fatos mais evidentes. Você terá feito 90% do caminho para ser o tal cidadão crítico que tanto te aconselham a ser.
Aceitar sempre a versão que faz as pessoas saírem pior na foto não é ser critico, mas leviano; aceitar teorias conspiratórias não é ser crítico, mas paranóico; querer ter sempre opinião diferente da de todos não é ser crítico, apenas a expressão de um ego frágil querendo se afirmar.
Ser crítico é analisar as coisas usando a lógica e as informações disponíveis. Só isso. O resto é conversa fiada.
Use esse método e voce chegará a uma conclusão surpreendente: ser crítico frequentemente te leva a se dar conta de coisas absolutamente triviais, que a maioria não vê (tipo: gays são pessoas como as demais, nem todos os paulistas são malufistas reacionários, nem todo historiador é porralouca, argentinos adoram o Brasil, e assim por diante). Por incrível que pareça ser crítico não te faz ver além do óbvio. Te faz na maior parte dos casos ver o óbvio que a ignorancia e o preconceito costumam esconder.
perfeito!
ResponderExcluirOs historiadores gostam muito de "ser critico", só não tenho certeza se eles tem o mesmo gosto em relações a atitudes criticas!!! Tentar não se limitar as opiniões obvias é sempre uma batalha constante, afinal estamos cercados disso!!!
ResponderExcluirHistoriador deve ser imparcial. Nada o impede de ter suas opiniões próprias, mas no trabalho deve ser imparcial.
ResponderExcluirPS: Pretendo ser seu aluno quando fizer meu mestrado em História (ainda vai demorar, pois nem comecei o bacharelado, hahaha)
"Ser crítico é analisar as coisas usando a lógica e as informações disponíveis. Só isso. O resto é conversa fiada". 100% de acordo com isso.
ResponderExcluirTambém me irrita a "criticidade" de pessoas que simplesmente repetem o senso comum (ou o senso "comum específico" de algum grupo), que nem sempre é expressão do "óbvio".
Mas eu penso que a crítica também deve buscar ir além do óbvio. Só que além do óbvio não é ir contra ele, pelo contrário, é buscá-lo. Por exemplo, eu posso criticar a Skol (cerveja) por não ter gosto nenhum de lúpulo, mas só vai perceber isto (que é óbvio) quem tiver minimamente o hábito de tomar cervejas boas. Em outros termos, percebemos mais evidências quando conhecemos e analisamos mais a fundo os objetos em relação aos quais ajuizamos. Em outros termos, saímos daquilo que é a primeira vista óbvio para um observador comum e entramos no domínio do que se torna evidente para um analista criterioso.
"Ser crítico é analisar as coisas usando a lógica e as informações disponíveis. Só isso. O resto é conversa fiada". 100% de acordo com isso. [2]
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