quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Construção 40 anos


Muita gente acha que não gosto de Chico Buarque. Mas isso é fruto de um mal-entendido. Eu detesto sim certos tipos de fãs dele. Os que o colocam num pedestal de santo que ele nunca pediu para estar. Os que o tem como "bom moço" sem que ele jamais tenha dado motivo para isso (convenhamos: cachaceiro, mulherengo, opositor da ditadura, que raio de "bom moço" é esse?). E os que tem vergonha de gostarem de algo visto como sem valor simbólico e querem dar uma de intelectualizados (ou seja: "eu gosto de Chico Buarque" = "me deixem entrar para o clube do pessoal cabeça?").
Detesto isso tudo. Mas o artista não tem culpa de nada disso. É apenas um músico fazendo o melhor que pode, sem encher o saco de ninguém. E o melhor que pode é muito, mas muito mesmo. Nos primeiros 15 anos de carreira seus discos são todos absolutamente excelentes. Claro, isso até a primeira metade dos anos 80, quando ele e toda a sua geração parecem ter esgotado a criatividade e começaram a repetir-se (ou coisa pior), enquanto eram cristalizados como deuses inquestionáveis do panteão dessa xaropada chamada MPB.
E no meio desse monte de discos totalmente excelentes está Construção, a meu ver o melhor deles. O disco, que completa 40 anos este ano, é um dos melhores de sua brilhante geração. Tem músicas que eu simplesmente não aguento mais ouvir, mas que são efetivamente geniais ("Construção", "Cotidiano", "Minha História", "Valsinha", "Acalanto"), e outras coisas muitíssimo boas, como "Deus Lhe Pague" e "Samba de Orly". Um disco daqueles que só se consegue fazer uma vez na vida. Mesmo que voce for um Chico Buarque.





Marcelinho Paraíba, ou: a culpa de tudo NÃO é dos políticos


Pra quem não vive no Recife, informo que o jogador Marcelinho Paraíba está sendo acusado de estupro em sua cidade natal. Foi preso e responderá pelo crime. As informações são mínimas até agora. Há apenas alguns rumores.
No entanto a cidade não fala de outra coisa. Todo mundo que é Sport defende o jogador. Diz que a garota é fresca, que o cara só quis tirar uma casquinha, esse tipo de coisa que infelizmente a gente conhece bem. Os torcedores dos outros times da cidade estão aproveitando: o fato do jogador ser um criminoso prova que o time só tem torcedores assassinos e ganha todos os jogos na base do apito.
Veja como nós somos. Uma denúncia que nem tem 24 horas já gerou tantas certezas. Baseado apenas no que é melhor para o time que torce, uma parte da cidade decidiu que o cara é inocente (esgrimindo argumentos asquerosos, por sinal) e a outra parte já decidiu que ele é culpado. Um assunto tão delicado como estupro para essas pessoas é algo a ser resolvido baseado no que é melhor para seu time. Que se foda a lei, que se dane o que é certo, que vá pro espaço a justiça. Só importa uma coisa: meu time se dar bem.
Mas peralá: essa não é a mesma lógica da conveniência, da "ética do momento", do "se eu me der bem o resto que se dane" que a gente tanto condena nos políticos? É, exatamente, é ela mesma. Não tenha dúvidas que essas mesmas pessoas que condenam ou absolvem um acusado de estupro baseado no time pelo qual torcem vivem metendo o pau em políticos que fazem coisas semelhantes.
Não é acaso. Quem elege esses políticos somos nós. Uma das coisas que estou de saco cheio é essa coisa de contrapor um "povo honesto e trabalhador" a "políticos corruptos". Nada disso, amigo. Quem elege esses políticos somos nós. Fomos nós que reelegemos FHC depois da compra de votos da reeleição porque estávamos felizes com o fim da inflação. Fomos nós que reelegemos Lula com mensalão e tudo porque tínhamos grana no bolso.
Votamos em político ladrão sabendo que é ladrão desde que isso faça a gente se dar bem. Reclamamos de corrupção desde que seja algo que nos convém (uma graninha pro guarda nos liberar da multa, ou comprar um recibo pra sonegar imposto tudo bem, ne?) e nossa ética é totalmente baseada nas nossas conveniências. Quem disse que somos diferentes dos nossos políticos?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Maravilha Suprema do Capitalismo


Hoje é dia de brincarmos de senso comum. Vamos nessa?
O capitalismo é um sistema criado por humanos há uns 250 anos. Começou a se tornar uma realidade para a maior parte do globo há uns 100. Se tornou o sistema totalmente hegemônico no planeta há 20 (em termos históricos, uma fração de segundo, portanto).
Como foi criado por humanos, o capitalismo é um sistema que tem coisas boas e ruins. Às vezes funciona melhor, em outros pior. Não cuida de todas as pessoas, e nem se propõe a isso. É o responsável por avanços incríveis que mesmo seus piores inimigos reconhecem. Tem defeitos intrínsecos terríveis que mesmo seus maiores defensores lamentam.
Ou seja, o capitalismo é uma criação humana como outras. Excepcionalmente bem sucedido, mas criado e mantido por humanos. Como qualquer outra coisa que exista no planeta terra (não só as criadas por humanos, mas principalmente elas), está fadado a terminar um dia.
Tudo muito óbvio. Mas imagine: há pessoas que acham que ele vai durar para sempre. Veja bem: PARA SEMPRE. As rochas terão deixado de existir, as espécies animais e vegetais que conhecemos hoje estarão extintas, mas daqui a, sei lá, um milhão de anos o capitalismo vai continuar existindo.
Imagine: há uns 50 mil anos, o antepassado da minuscula, doce e inofensiva cadelinha que tenho agora em meu colo era um lobo selvagem e feroz. Uma espécie assassina, que convivia com tigres dentes de sabre e mamutes se transformou nisso. Mas há quem imagine que em milhões de anos o capitalismo ainda vai existir, certamente praticado por seres que nem imaginamos quem sejam, já que certamente nós não existiremos mais daqui a tanto tempo.
E acredite: eu tenho um monte de alunos que acham isso. Sempre escuto isso nas minhas aulas de história contemporânea. Historiadores, pessoas especializadas na explicação do fato elementar de que as sociedades sempre mudam, e essa mudança nunca vai parar, formados por uma universidade federal, numa grande e evoluída cidade brasileira pensam isso.
Taí a grande demonstração de força do capitalismo. Se essas pessoas podem acreditar em algo que desafia a lógica mais elementar, eu me convenço de que realmente nada no mundo pode com o capitalismo. Me convenci: pode ser que daqui a 3948 trilhões de anos ele ainda exista. Depois dessa não duvido de mais nada.

Paixão e futebol


A uma rodada do fim do brasileirão, e com o fim da série B, a vontade de falar de futebol fica maior que tudo. E é legal porque é a hora em que dá pra ver muito fácil quem gosta de futebol e quem gosta de um time específico.
São coisas distintas. Podem aparecer juntas numa mesma pessoa. Mas a maioria não gosta de futebol: gosta só do seu clube. Não entende nada de tática, não sabe quem joga nos outros times, e tem total certeza de que se seu time perdeu foi por azar ou porque foi roubado ou por alguma outra coisa desse tipo. Um tipo assim não gosta de futebol. É só um bobalhão que usa o futebol para dar vazão ao seu cérebro de minhoca.
Gostar de futebol é outra coisa. É admirar um grande jogador, mesmo que ele não jogue no seu time (ou seja, esse pessoal que insiste, contra todos os fatos, que Messi ou Cristiano Ronaldo não jogam nada não podem dizer que gostam de futebol). É vibrar com figuras interessantes do mundo do futebol, um Loco Abreu, com sua mentalidade vencedora, ou um Ronaldo, com sua quase infinita capacidade de renascer quando ninguém mais esperava.
Quem gosta de futebol vê a beleza das torcidas adversárias. Quando seu time vai mal reclama de sua diretoria, e não da imprensa ou do árbitro. Quem gosta de futebol sabe até onde seu time pode ir, e não tem exigências irreais, que quase sempre terminam em vaias descabidas a um time que nada mais fez do que ir até onde pôde.
Não conheço muitas pessoas que gostem de futebol. A maioria esmagadora só sabe falar sobre o próprio time, e desmerecer todas as conquistas dos outros (até porque em geral são tão ignorantes sobre o que não envolve o proprio time que nem conseguem dimensionar as conquistas alheias). E claro, ter aquela insuportável postura bipolar com seu time. Num momento, o time é perfeito, e se alguém disser outra coisa é porque é burro, imbecil, mal intencionado e torce pra outro time. No momento seguinte, todos os jogadores são horríveis, o técnico é um débil mental e a diretoria não vale nada.
Frequentemente vejo pessoas reclamando que a Globo só passa jogos do Corinthians e do Flamengo. E, na cegueira de quem só entende o futebol pela paixão clubistica, dizem que é porque a emissora "torce" para esses times. Amigo: empresa não torce. Empresa quer dinheiro. Se os brasileiros gostassem de futebol, ela sempre passaria o melhor jogo. A Globo passa jogos desses times apenas porque os brasileiros só querem ver jogo do seu time. Não gostam de futebol: gostam só do seu time. E a maioria das pessoas que reclama disso não tem direito de reclamar, já que eles próprios só querem ver seu time também. Então a queixa não é sobre o criterio de escolha dos jogos, pois eles proprios se pudessem escolheriam só ver jogo do seu time. A queixa fica vazia.
Quem só gosta de seu time se comporta como criança mimada: não sabe ganhar nem perder. Se perde inventa conspirações idiotas para explicar o óbvio. Se ganha, age feito um idiota, parecendo de fato acreditar que só o seu time é capaz de coisas como aquela ("olha nossa torcida comemorando, nenhuma outra do mundo faria isso!" hã?). Quem gosta de futebol sabe que é um esporte em que se ganha e se perde. Parece óbvio, mas repare quantas pessoas que voce conhece são capazes de reconhecer isso.
Quem gosta de um time mal vê os jogos, pois esta sempre nervoso, ensaiando um discurso absurdo, ilógico e irracional para justificar qualquer derrota. Quem gosta de futebol desfruta o jogo, aproveitando os momentos mágicos que só esse esporte pode proporcionar. Afinal, nós que gostamos do futebol conhecemos a sabedoria daquela velha frase: "futebol não é tudo na vida. é muito mais do que isso".

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Quem precisa de heróis?


Ao contrário da maioria dos meus colegas historiadores, não achei que o sucesso desse livro aí de cima é algo a ser deixado pra lá. Compartilho com eles a certeza de que é um livro muito ruim, totalmente equivocado e por várias vezes de evidente má fé. Mas não acho que possamos simplesmente descartar seu sucesso como sendo fruto da ignorancia alheia. Temos de tentar entender a mensagem que seu gigantesco público está tentando nos passar.
Pra começar há uma mensagem para nós, historiadores acadêmicos. Não adianta a gente passar raiva com os pavorosos livros históricos escritos por jornalistas. O fato é que sequer tentamos nos comunicar com um público mais amplo. Dizer que as pessoas compram esses livros porque são burras é imbecilidade da nossa parte. Se um dia oferecermos outra opção a eles, e eles continuarem os comprando, aí é outra história. Por ora, o fato de comprarem Narloch, Eduardo Bueno e outros quer dizer apenas que há espaço para livros de história acessíveis ao público médio e que nós solenemente desprezamos a possibilidade de dialogar com essas pessoas.
Mas há algo mais: creio que há um recado para a história ensinada nas nossas escolas. Após décadas repetindo a "história dos heróis" (ou seja, a glorificação de Duque de Caxias, Pedro I, etc.), as escolas brasileiras resolveram mudar. O problema é que passaram a criar novos heróis: agora qualquer um que tenha sido contra os "heróis oficiais" são os heróis "de verdade".
Tomemos dois exemplos. O primeiro é Antônio Conselheiro, um evidente beato ultra-reacionário que tinha a idade média como mundo ideal. Ora, ele e seus seguidores foram absurdamente massacrados, mas denunciar isso não significa transformar em modelo alguém que simplesmente não aceitava as conquistas mais importantes do Iluminismo e da modernidade. Outro exemplo é Lampião, simples bandido transformado em ícone do "protesto social", à custa de negar os mais elementares indícios históricos.
Nada disso justifica o absurdo livro de Narloch. A questão é que temos de pensar em que medida nós abrimos um flanco para esse tipo de ataque ao simplesmente substituirmos um panteão de heróis clássico por um novo, alternativo. Esse é meu ponto: substituir Tiradentes e Princesa Isabel por Conselheiro e Lampião não me parece ajudar muito na formação de uma visão mais complexa sobre porque nosso país é o que é.
E a propósito: por que diabos precisamos tanto de heróis, "modelos"? Manter essa busca por guias para a ação, gênios que "estavam á frente de seu tempo" (expressão ridícula que nega a própria idéia de historicidade) não vai nos ajudar em nada. Que tal prescidirmos desses heróis e começarmos a procurar humanos que viveram sua vida da melhor maneira que puderam? O dia em que isso ocorrer, os Narlochs da vida terão menos espaço para falar tanta besteira.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Freddie Mercury



Há 20 anos eu escutava a notícia da morte de Freddie Mercury. Um baita pecado, que eu senti excepcionalmente porque aconteceu precisamente na época em que eu mais curtia o Queen em toda a minha vida.
Nos anos 80 eu achava Queen uma porcaria. Naqueles anos eles tinham virado uma bandinha pop insuportável, com canções altamente diluídas e shows para 100 mil pessoas. Ninguém merecia aquilo. Algumas pessoas (principalmente meus primos) tentavam me convencer que eles nem sempre tinham sido daquele jeito, e que valia a pena escutar os discos antigos. Mas a imagem do Freddie Mercury tinha virado de tal maneira um ícone do mundinho pop que eu nem conseguia imaginar que pudesse ter sido diferente um dia.
Claro que isso acabou no dia em que eu botei pra rodar o A Night at the Opera pela primeira vez. Aquela jóia repleta de grandes músicas ("Death on two Legs", "Prophet's Song", "I'm in Love with my car", a monstruosa "Bohemian Rapsody") me subjugou de imediato. Até a chatíssima "Love of my life" em sua versão original naquele disco era muitissimo boa, outra musica.
Aí eu entendi. O Queen tinha sido uma excelente banda, não exatamente rock'n'roll, mas uma mistura disso com pop, e sempre aberto a novas experiências. Aquela banda melosa que eu conhecia era apenas o lado B da historia, os ultimos 10 anos em que eles haviam desistido de ser bons. Havia o lado A, os primeiros 10 anos, cheios de coisas muito boas.
Claro: a diferença toda era Freddie Mercury. Os outros membros da banda faziam coisas boas, mas sem seu líder teriam sido mais uma daquelas milhões de bandas do mesmo estilo que havia na Inglaterra setentista. Não que Mercury fosse perfeito, e na verdade tecnicamente falando está longe de ser meu cantor favorito. Mas era único.
Pra começar, não tinha nenhum medo do ridículo. Em nenhum sentido. Usava qualquer roupa, cantava qualquer música, e soltava a voz do jeito que achava melhor. Sem dó nem piedade. Atacava qualquer música com paixão total, e magnetizava o ouvinte. Podia não acertar sempre (e errava muito; mesmo os melhores discos do Queen tem musicas chatíssimas), mas sempre experimentava algo diferente. Quem ouve os discos setentistas do Queen sempre se surpreende. E quando acertavam...
Não conheco uma banda de rock que tenha feito música calcada em sonoridades japonesas ou árabes. Mas o Queen fez: "Let us Cling Togheter" e "Mustapha", duas peças inacreditáveis. São apenas dois exemplos que mostram a capacidade da banda de sempre tentar expandir seus limites, se arriscar sem medo. Essa na verdade era a grande virtude do Queen, o que se perdeu a partir do pavoroso Hot Space, de 1982.
E evidentemente nada disso teria sido possível sem o monstro Freddie Mercury. Sem um cantor, compositor, líder e performista tão único, uma banda como o Queen jamais poderia ter existido.





terça-feira, 22 de novembro de 2011

MPB: o câncer da música brasileira


Antes de começar este post, permitam que eu diga o seguinte. Nada do que vier abaixo deve fazer com que se ache que eu não gosto de música brasileira. Pois não há quem não goste de música brasileira. Alguém que não goste de NADA na música brasileira tem sérios problemas. Junto com os EUA é a maior tradição músical da história humana. A existência de coisas maravilhosas em outros países (rock inglês, chanson francesa, musica folclorica latino-americana, candombe uruguaio) não muda isso. Assim como a existência de Eusébio, Bobby Charlton e Puskas não faz de Portugal, Inglaterra e Hungria países com mais tradição futebolística que o Brasil.
Isso posto, quero registrar o seguinte: detesto a idéia de "MPB". Mas detesto com muita força. Detesto há muito tempo: me lembro que há quase 15 anos eu e outro então jovem historiador discutíamos isso num congresso nacional da Anpuh. Eu mudei de assunto na minha carreira acadêmica, mas o cara, que se chama Marcos Napolitano, hoje é simplesmente o melhor historiador do brasil em termos de discussão sobre música. E desenvolvendo argumentos sobre esse assunto que eu compartilho até hoje.
Eu odeio o termo "MPB" por duas razões básicas:
1) O termo cria uma hierarquização que considero insuportável. Separa uma elite intelectual "culta" de uma massa "inculta" que curte musica popular brasileira "errada" e uma música "folclórica", que é propriedade dos mais pobres, coisa que a gente acha legal dizer que gosta, mas que na verdade não gosta. Em suma: se quiser ser "culto", "antenado" e "legal" basta dizer que curte Chico Buarque e sua turma. Basta para se diferenciar dos "burros" e dos "pobres".
2) Musicalmente o termo cria uma separação absolutamente inviável entre coisas que são parecidas. O exemplo clássico é entre a MPB e o rock. Qualquer pessoa que tenha escutado os baianos e os mineiros da "MPB" no fim dos 60 e inicio dos 70 sabe muito bem o que eles faziam: rock que dialogava com a música nacional. Sensacional! Mas como eles ao longo do tempo se consolidaram como "adultos" "responsáveis", mesmo aquela produção tão brilhante é tida como "MPB". Um saco. E uma violência ao mais básico senso comum.
Que fique claro: os ícones da MPB não tem grande responsabilidade nisso. O problema é dos que construiram a idéia de que rock é coisa de jovens irresponsáveis, música que toca na FM é para a massa inculta, música folclórica é para desdentado e a MPB é coisa isolada de todo o resto, sagrada e inegociável, sem nenhum diálogo com nada, pura e perfeita para adultos inteligentes e responsáveis.
Morte a isso tudo, a esse lixo careta. E todo meu respeito aos que fizeram rocks maravilhosos, e que ignoraram essa babaquice. Rockeiros que não esqueceram o país onde nasceram. Mitos.








domingo, 20 de novembro de 2011

Racismo sem racistas


"O Brasil não é para principiantes". Essa é uma das frases mais geniais já elaboradas sobre nosso país. E no dia da consciência negra, ela soa mais verdadeira que nunca. Afinal, nesse campo o Brasil inventou um dos fenômenos mais incríveis da história: o racismo sem racistas.
Até os anos 1980, a maioria esmagadora dos brasileiros acreditava que nosso país não era racista. O discurso era: a escravidão deixou os negros da parte debaixo da sociedade, e como o Brasil trata mal seus pobres, eles se deram muito mal. Não havia racismo, isso era coisa de americano. Na verdade muita gente na própria esquerda endossava isso.
Desde então muita coisa mudou, e hoje a idéia de que o Brasil é um país racista se fortaleceu, ganhando reconhecimento do próprio Estado. No entanto, apesar disso resistimos absurdamente a qualificar qualquer pessoa como "racista". Estrangeiros vá lá, mas brasileiros, jamais. Para exemplificar, aqui vão duas historinhas envolvendo o racismo no futebol. Bem parecidas, mas com resultado muito diferente.
Em 2005, o então saopaulino Grafite saiu de campo acusando o zagueiro argentino Leandro Desabato, então no Quilmes, de tê-lo xingado de "macaco". O jogador recebeu voz de prisão dentro de campo e passou duas noites na cadeia. Toda vez que se menciona o nome desse atleta até hoje vêm o comentário "é aquele Desábato racista".
No ano seguinte o zagueiro brasileiro Antonio Carlos proferiu o mesmo xingamento a Jeovanio, jogador do Gremio, e, diferente do caso anterior, com várias testemunhas. Nada aconteceu, e o jogador virou cartola, depois treinador. Todos consideram aquilo um "lamentável incidente", mas Antonio Carlos não foi punido nem recebeu qualquer estigma. A grande exceção foi a torcida do Vasco, que protestou bastante quando, recentemente, o ex-atleta estava prestes a ser contratado como treinador do clube. Argumentaram que a contratação era um crime contra a história do único clube grande carioca a nunca ter proibido negros de vestirem sua camisa. Mas fora isso, nada.
Não tenho formação jurídica nem conheço todos os detalhes das duas histórias. Mas me parece muito claro que nossa sociedade encarou as duas histórias tão parecidas de forma muito distinta. Uma virou um crime imperdoável, enquanto a outra não passou de uma infelicidade. Claro que isso se deu devido às nacionalidades dos agressores. Um é brasileiro legítimo. Outro é estrageiro, e ainda por cima argentino, povo visto pelos brasileiros como "racista" (como se nós não fôssemos).
Na última semana ocorreu outro fato na mesma direção. Pelé deu uma declaração meio idiota, como de costume, falando que "hoje qualquer coisa é racismo", e minimizando a existência do fenômeno no Brasil. Um jornalista do Sportv o criticou duramente pela declaração. Mas fui lembrado logo em seguida: o mesmo jornalista havia minimizado um ato racista de um jogador de futebol, dizendo que o agredido "devia deixar aquilo pra lá e apertar a mão dele (do agressor)".
Creio que isso fecha o quadro. Estamos plenamente abertos à idéia de que o Brasil é um país racista, mas não estamos preparados para aceitar o fato de que pessoas brasileiras o sejam. Aceitamos um racismo genérico, desidratado, sem culpados nem vítimas, e portanto sem necessidade de ações reparadoras. O Brasil é racista. Brasileiros não. Vá entender um país desses.

O Meu Marxismo


Alguns amigos que compartilham minha posição política esquerdista por vezes entram aqui no blog e se decepcionam. Acham que eu deveria botar pra quebrar nos tucanos e petistas e defender o socialismo. Mas essa não é nem será a postura deste blog por dois motivos.
O primeiro é que detesto blogs partidários. Eles até poderiam desempenhar uma função interessante, mas na prática a maioria nada mais é do que repetição ao infinito de textos que poderiam todos se chamar "somos perfeitos e todos os outros partidos são lixo". Tô fora. Além do mais já tem blog demais assim. O 171 é de análise.
Por outro lado, não vejo incoerencia entre meu marxismo e essa postura. Quem leu Marx sabe que ele era bem diferente desse "inimigo número 1 da burguesia" que muita gente pinta (exatamente por não tê-lo lido). Como muito bem mostrou Marshall Berman, o velho mestra via com imensa admiração as espetaculares realizações da burguesia. Lhe soava inacreditável como o capitalismo havia conseguido transformar o mundo tão rápido e tão profundamente. Além disso, Marx citava com muito respeito pensadores essenciais do capitalismo, como Adam Smith e David Ricardo.
A questão é que ele achava que essa revolução não terminaria por ali. Para Marx, a burguesia havia criado um mundo absolutamente revolucionário, em que "tudo o que é sólido desmancha no ar", e no fim das contas essa revolução permanente destruiria a ela própria. Era necessário, para ele, resolver problemas como a propriedade privada dos meios de produção, algo que era impossível dentro do capitalismo. Os pensadores liberais, muitos dos quais competentes, não percebiam isso porque estavam do lado vencedor, o que os fazia superestimar as maravilhas do capitalismo. Aqueles que viviam o lado derrotado deveriam perceber mais claramente que jamais conseguiriam viver bem naquele sistema, e trabalhar para derrubá-lo.
O grande erro que a esquerda cometeu, a meu ver, foi investir muito pouco em tentar reavaliar isso tudo. Marx morreu em 1883. O que ele chamava de "capitalismo" é muitíssimo diferente do que vivemos hoje. A idéia geral segue muito forte, mas há milhões de coisas que não fecham mais. O operário deixou de ser alguém que morre aos 30 anos e o pulmão cheio de fuligem, por exemplo. A velha estratégia não pode funcionar.
Mas voltando ao início, não acho que o fato de eu ver coisas positivas nos últimos dois governos me afaste do marxismo. Dizer, como um importantíssimo intelectual brasileiro fez, que FHC não teve nada a ver com o fim da inflação, e que ela terminou sozinha (?!) ou que o aumento na renda da população em geral do governo Lula "não quer dizer nada", isso tudo não é marxismo, é vontade de dar cabeçada na parede.
Me sinto perfeitamente confortável na minha posição marxista ao dizer o seguinte. FHC e os tucanos foram brilhantes ao terminar com a inflação, mas eles ficam muitíssimo satisfeitos com a desigualdade e exploração que temos hoje. Lula e o PT permitiram que muita gente entrasse no consumo, mas evidentemente isso é pouco. Um povo melhor alimentado e com melhor poder de compra não é um povo livre da exploração.
Os dois lados entregaram um país melhor do que receberam. Mas como estão do lado vencedor não percebem (ou não querem perceber; Marx mostrou que as duas coisas convivem muito bem) que ainda é pouco. Nos oito anos tucanos e nos oito anos petistas, o Brasil melhorou, mas nesse ritmo, ainda será o mesmo país em 100 anos. Melhor, mas com as mesmas características. Não pode. Tem de enfiar o pé no acelerador. Quem não mexe na exploração, na desigualdade, na porcaria de educação que temos, não vai mudar o país. E essa turma que está aí não tem a menor intenção de fazer nada disso.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Belo Monte: onde os ponteiros se encontram

Nesse mundo em que tudo muda tão rápido, é impressionante como a cada 2 ou 3 dias um tema domina a pauta, mesmo que desapareça depois. Nos últimos dias o que tem predominado é a questão da usina de Belo Monte. Confesso que não entendo muito do assunto. Aliás, não entendo quase nada. Mas como tem gente que entende muito menos que eu dando opiniões fortes sobre o assunto, vamos lá.
Evidentemente há um debate muito sério aí: o do modelo energético que queremos. É uma pauta urgente e absolutamente necessária. Temos um país gigantesco que precisa de novas fontes de energia sob pena de voltar ao apagão dos tempos de FHC.
Mas você pode notar claramente que esse debate não está acontecendo. A esquerda, meio aos trancos e barrancos, tem atacado Belo Monte baseada essencialmente em argumentos ambientalistas, o que é extremamente válido, mas deixa relativamente intocada a questão do modelo de desenvolvimento energético. O que dá munição aos que nos acusam de sonhadores que acham que de uma hora pra outra vamos iluminar o país com painéis de energia solar.
Mas o que realmente me assusta é a postura de muita gente ligada ao governo, que adota o mesmíssimo discurso da direita mais escrota e reacionária. Você sabe, aquela coisa do "revolucionário de classe média" e da "ONG pilantra" protegendo "um punhado de índios" e indo "contra o desenvolvimento". Esse discurso, que é exatamente o da Veja e da direita mais putrefata e reacionária, tem sido evocada pela "esquerda" (leia-se: governo) para desqualificar os que lutam contra Belo Monte.
E esse papo é tão escroto, mas tão escroto, que usa o argumento "alá os atores globais contra a usina, tá vendo como ser revolucionário socialista é defender a usina, e ser contra ela é ser reacionário?". Amigo, isso é de uma desonestidade absurda. Nos velhos tempos, quando o PT era REALMENTE de esquerda, suas campanhas eleitorais eram ENTUPIDAS de atores globais. Em 1989 me lembro da Marilia Pera e da Claudia Raia no palanque do Collor. Todos os demais estavam com o PT. Então pela lógica atual, o Collor é de esquerda e o Lula-89 de direita, né?
Você é um governista honesto e acha que Belo Monte é uma boa? Beleza, argumente que a usina representa a melhor opção em termos de modelo energético e que os danos ambientais são pequenos, proporcionalmente a seu benefício. Mesmo que não concorde, vou te ouvir atentamente. Mas esse discurso "repito tudo o que a Veja fala mas sou de esquerda" que está se disseminando não dá. Usa todos os argumentos direitistas como se fossem de esquerda.
Basta ver uma coisa: a direita está participando da discussão? Que eu tenha visto, não. Afinal, o governo "esquerdista" defende exatamente a posição dela. Eles podem se preocupar com outras coisas.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Vivendo e aprendendo a jogar


Estou no meio do processo de seleção dos alunos que vão ingressar no mestrado em história na minha universidade. E vivemos a reta final do brasileirão. Duas coisas que não têm rigorosamente nada que ver uma com a outra. Mas tem algo comum às duas: quem perder vai gritar histericamente que foi roubado.
Uma das coisas que mais me aborrece no mundo em que vivemos é isso: ninguém dá conta de administrar seus fracassos. Não passou no mestrado? A banca favoreceu os puxa-sacos. Perdeu jogo? O juiz roubou. Não venceu um concurso para professor? Estava tudo armado. Seu candidato perdeu uma eleição? O povo é burro (se voce é de direita) ou a mídia enganou o povo (se voce for de esquerda). Foi reprovado porque teve 40 faltas em 60 possíveis? O professor é babaca. Ninguém nunca perde para um adversário. Perdemos para zés-ninguéns por sermos prejudicados.
Isso tem a ver com um post que escrevi há alguns dias, a coisa de "ser crítico". Os derrotados conseguem facilmente convencer pessoas de que foram prejudicados por duas razões. A primeira, claro, é que normalmente os que acreditam também são pessoas que não conseguem administrar seu próprios fracassos, então são propensas a acreditar em qualquer coisa desse tipo. A segunda é a tal questão da "criticidade". O tolo acha que "ser crítico" é perceber maquinações diabólicas onde não há nada aparente. Ao invés de pensar que a inexistência de algo aparente pode se dever simplesmente ao fato de não haver nada mesmo.
(Há outros tipos de razão também, os quais prefiro não comentar muito. Tipo os problemas de auto-estima que fazem a pessoa sequer conseguir lidar com a possibilidade do fracasso. Ou o fato de vivermos numa sociedade que cobra loucamente vitórias de todos nós, como se todos pudessem ganhar, e não apenas uma minoria, então não ser um vencedor é ser um fracasso para a vida toda, etc.)
Há 16 anos eu estava fazendo seleção de mestrado (parece que são 160 na verdade). Comentei com o pai de um amigo que eu estava muito nervoso. Ele disse uma coisa que é bem verdade: eu não estava apenas preocupado com a possibilidade objetiva de não passar, embora fosse em parte isso; o pior era o pânico do fracasso, de ser um derrotado e me ver assim. Ele disse que na entrevista, quando fatalmente eu receberia críticas, eu deveria segurar sempre meu projeto com as mãos, e pensar "não sou eu que estou sendo criticado, é esse projeto; uma eventual reprovação será destinada a ele, não a mim; se isso acontecer, não me sentirei um derrotado, avaliarei onde errei, farei outro projeto melhor".
Eu sei, parece irresistível rir do impacto de um conselho no melhor estilo "auto-ajuda" sobre mim naquele tão distante momento. Mas é que eu percebi que havia algo mais implícito nesse conselho: a melhor coisa a se fazer na hora do fracasso é aprender com ele, ao invés de procurar alguém para culpar. Isso me ajudaria fenomenalmente muitas vezes.
De lá pra cá fracassei em muita coisa. Todos os meus candidatos a presidente perderam, e eu aceitei isso como parte do jogo democrático. Meus times perderam trilhões de vezes, e eu tive de aceitar que, ainda que por vezes tenha sido prejudicado pela arbitragem, é impossível justificar essas derrotas apenas por isso. E como qualquer acadêmico que se preze, fui criticado muitas vezes pelo meu trabalho. Tanto o de professor quanto o de produtor de conhecimento.
Confesso que nada disso foi gostoso. Mas veja a diferença: meus candidatos perdem eleições, culpam a "mídia" e nem repensam seus discursos e práticas. Meu time perde jogos e diz que é culpa da arbitragem (está fazendo isso hoje mesmo, aliás). Quando fracasso, avalio profundamente onde errei, ou ao menos onde dei margem para que eu fosse atingido. Sempre é bom. Sempre ajuda.
Enfim, sei que quando a seleção acabar, os que não passarem sequer vão cogitar a possibilidade de que outros possam ter sido melhores do que eles; nem vão lembrar de que para cada aprovado necessariamente haveria outros dois que não conseguiriam (são 46 para 15 vagas). Vão dizer que nós, da banca, favorecemos os aprovados. Mesmo que nada indique isso. Um saco essa vida em que o trabalho honesto é atacado por gente descompensada que não dá conta de lidar com suas próprias dificuldades. Mas vamos lá.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

25 anos de uma eleição chave


Há 25 anos os brasileiros iam às urnas para eleger seus governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Foi a eleição em que tivemos a hegemonia mais avassaladora de um partido. Catapultado pelo Plano Cruzado, o PMDB venceu em todos os estados, menos Sergipe. Uma eleição infame, com resultados de dimensões que não foram percebidas naquele momento.
A longo prazo parece claro que foi uma eleição chave. A última eleição da ditadura, a de 1982, havia sido polarizada entre os que defendiam o legado do regime militar e os que o atacavam. E a oposição teve vitórias importantíssimas. Tancredo Neves e Franco Montoro, que representavam a oposição liberal ao regime venceram facilmente em Minas e São Paulo. E em uma virada espetacular Leonel Brizola levou o governo do Rio, mesmo com a tentativa de fraude na apuração em que a Rede Globo teve ativa participação.
Em 1986 o quadro era outro. A ditadura tinha ido embora, entregando um país falido e com inflação descontrolada para os civis. O cenário começava a se reorganizar. E aí veio o Plano Cruzado, verdadeira fraude eleitoral que não apenas resolveu aquela eleição para o governo, mas que foi fundamental na definição de traços essenciais da política brasileira.
Na ditadura o campo direitista era preenchido pelos defensores do regime. O MDB (depois PMDB) representava a oposição legal. Ainda que basicamente formada por liberais centristas (Tancredo, Montoro, Ulisses, Itamar Franco, Pedro Simon, etc.), contava com fortes simpatias da esquerda, já que verbalizava as reivindicações democráticas. A esquerda propriamente passou a existir no fim dos anos 70, resultando na criação do PT e do PDT.
Em 1982 o PMDB se despediu da sua face progressista. 4 anos depois o partido era governo, comandado por um expoente do regime militar (José Sarney) e apoiado pelo PFL, totalmente formado por defensores do mesmo. O partido havia muito rapidamente jogado fora todo o capital acumulado em anos e anos de respeitável oposição à ditadura. Precisava de uma nova cara.
E essa nova cara foi assustadora. O partido se transformou no partido dos coronéis, o lar dos oportunistas que desembarcaram do PDS quando ficou claro que ninguém mais queria saber de ditadura. Basta ver que em 1986 Newton Cardoso e Orestes Quércia sucederam a Tancredo Neves e Franco Montoro. Nada mais sintomático para um partido que deixava de ser a voz do centrismo democrático e passava a ser o partido do oportunismo e do coronelismo (nao à toa, logo em seguida os que não gostaram da mudança saíram para formar o PSDB, que hoje é o legítimo herdeiro do MDB, com seu DNA liberal e democrático).
Assim a política brasileira se reconfigurava. De um lado os partidos de esquerda, com forte penetração nas grandes cidades. De outro, um conglomerado amorfo de partidos tendo como denominador comum o anti-esquerdismo, fundado nos reacionários urbanos e no coronelismo rural. Esse grupo não tinha líderes com real penetração popular a nível nacional, e por isso mesmo teve de aderir a um aventureiro em 1989. Esse grupo acabaria encontrando o rumo sob a liderança tucana, que trouxe respeitabilidade, discurso coerente e um programa político à aliança.
Mas em 1986 tudo isso ainda estava muito longe. O próximo round seria a eleição municipal de 1988, com vantagem clara da esquerda. Mas a batalha final ocorreria em dezembro de 1989. E quando esse confronto aconteceu, a direita estava nos postos chave, detendo todos os governos estaduais. Graças a isso venceu aquela eleição em boa parte devido aos votos dos rincões.
Assim, há 25 anos a direita tinha uma vitória absolutamente decisiva para aquela que seria a grande batalha. Aquela eleição também foi o início da configuração de um campo direitista no pós-ditadura. E o fim do PMDB como partido respeitável. Uma eleição de consequencias profundas para a política brasileira.

domingo, 13 de novembro de 2011

A PM na USP vista de dentro


Se você tem um mínimo de inteligência se sentiu desconfortável com a idéia vendida pela mídia de que tudo o que aconteceu na USP foi fruto de estudantes querendo fumar maconha. Mas como ver as coisas de forma diferente se todas as fontes de informação diziam a mesma coisa? Aqui vai a visão de quem viveu tudo de dentro. Seu autor é Gabriel Lima, estudante de Letras da USP. Segundo o reitor da universidade, o governo do estado e os veículos da mídia, um vagabundo maconheiro inútil. Mas como você verá abaixo, é alguém que tem o que dizer. Você pode não concordar com o que ele pensa. É direito democrático. Mas dá o que pensar. Leia e dê o desconto que quiser. Mas veja como as coisas são mais complexas do que a grande imprensa tentou vender.

Diga aí Gabriel:

"Eis o senso comum: os estudantes que se manifestam na USP são baderneiros que não querem estudar e, portanto, precisam ser reprimidos. Além disso, a Cidade Universitária é insegura, logo, precisa de mais polícia. As manifestações são em prol de uma Universidade-bolha, alheia à sociedade; um parque de diversões onde pessoas de maior poder aquisitivo podem fazer o que querem, às custas dos impostos pagos pela sociedade. Esse discurso, facilmente encontrável em qualquer lugar (sobretudo na grande mídia), vai absolutamente de encontro à realidade do que está acontecendo na Universidade de São Paulo, hoje. É fácil adotá-lo quando se está entre a maioria esmagadora da população, que trabalha exaustivamente para manter as contas em dia e ainda tem que pagar para ter um diploma universitário. E é por isso que, em primeiro lugar, é importante ter em mente: quem faz parte desse grupo deveria estar estudando na USP. Deveria, mas foi barrado por um mecanismo de elitização e controle social chamado vestibular. O que é o vestibular? Uma forma de impedir que todos entrem na Universidade pública. Ele existe por um motivo simples: para abrir mais vagas, é necessário que o Governo invista seu dinheiro (proveniente dos impostos). Como o Governo não quer investir, é mais fácil criar um filtro que impeça a população de preencher as poucas vagas existentes. E este filtro, em São Paulo, se chama FUVEST.
Quando o estudante da Faculdade de Economia e Administração, Felipe Ramos de Paiva, foi assassinado no estacionamento de seu departamento, o Reitor da Universidade (João Grandino Rodas) assinou um convênio com a PM, permitindo que a mesma realize rondas rotineiras no Campus. Desde então, estudantes são enquadrados em frente à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas onde, historicamente, há mais resistência à privatização da Universidade. Muitos, inclusive, foram questionados por policiais armados com cassetetes sobre serem “contra, ou a favor da PM na USP”. Reflitamos, então: a Polícia Militar está na Cidade Universitária para garantir a segurança dos estudantes, ou para reprimir violentamente o Movimento Estudantil (como fez na última Terça-feira, em um espetáculo lamentável de força bruta absolutamente desmedida) e perseguir politicamente quem é contrário ao projeto privatizante da Reitoria? Não tenho dúvida em optar pela segunda alternativa. O Reitor da Universidade já afirmou, em entrevista à Veja, que “ensino público não é sinônimo de ensino gratuito”. Este mesmo reitor pretende reformular os currículos dos departamentos em base a uma suposta “demanda de mercado”, fechando habilitações de línguas pouco procuradas no curso de Letras (como Armênio e Hebraico), abrindo uma disciplina chamada “História Empresarial” no curso de História, bem como uma graduação paga (mensalidades em torno de 2.000 reais) de Economia e Administração, dentro do próprio Campus público. Por isso, ser contra a Polícia Militar na Universidade (obra deste mesmo Reitor) é ser contra a perseguição daqueles que são contra a privatização. E se partirmos do ponto de que a cobrança de mensalidades transforma a USP em uma bolha ainda mais excludente, logo, concluímos que ser contra a Polícia Militar na USP é ser contra a Universidade-bolha. É preciso superar a questão do consumo de drogas no Campus (que existe, assim como em toda a sociedade). Basta ler os manifestos da mobilização e notar que eles, em momento algum, falam em “maconha”, ou qualquer outro entorpecente. O Campus do Butantã é um lugar inseguro? Sim, e muito. Por isso, quem estuda na USP precisa de uma Guarda Universitária bem equipada e preparada, que seja capaz de atender estudantes agredidos (como o estudante que faleceu na FEA), ou que passam mal (como o estudante de Filosofia que morreu de insolação na Praça do Relógio, ano passado) em meio aos espaços inóspitos que existem entre os departamentos. Essa guarda precisa estar subordinada à comunidade acadêmica. Os estudantes precisam de um Campus mais iluminado, de árvores podadas e de mais ônibus. Não de uma polícia política que os obrigue a cobrir a cara toda vez que expressarem uma opinião divergente"
O texto do Gabriel me deixa algumas perguntas, que a grande mídia não fez:
1) A universidade é elitista por culpa dos alunos ou porque o Estado não permite uma universidade aberta para mais pessoas?
2) a PM dentro da USP fará com que essa universidade seja mais democrática e aberta aos jovens talentosos da classe baixa? como?
3) Sentar porrada nos que ocuparam a reitoria melhorará a USP de alguma forma? qual?
4) A universidade pública brasileira (e não apenas a USP) é tão perfeita que tem como maior problema alunos fumando maconha?
5) A PM paulista, que mata mais pessoas que as 52 polícias estaduais norte-americanas somadas, é a melhor saída para resolver os problemas da universidade pública brasileira?

sábado, 12 de novembro de 2011

A Beleza do Morto na MPB


Há uns 4 mil anos, quando eu era estudante de graduação, resolvi estudar a maravilhosa música brasileira dos anos 20, 30 e 40. Queria transformar esse assunto, que eu tanto apreciava, em uma pesquisa científica (no fim meu mestrado e doutorado não foram exatamente sobre isso, mas enfim...).
A primeira coisa que me surpreendeu: os intelectuais da época em sua maioria não davam a mínima para o samba e seus amigos. E certamente não por serem elitistas: nesse período a intelectualidade brasileira investiu furiosamente em construir a ligação entre "cultura popular" e "cultura brasileira". Os melhores cérebros daquela geração se dedicaram a estudar essas raízes populares da cultura nacional. E encontravam na rua com gênios da música brasileiríssima, pobres e negros, era perfeito. Por que diabos não ligavam pra isso?
Depois eu entendi. Esses caras queriam encontrar "autenticidade". Para eles a "boa música popular" era dos velhinhos perdidos na zona rural. Grosso modo, pra eles Ismael Silva e Cartola eram marginais que faziam música barulhenta com letras ridículas que só falavam de bandidagem.
EPA: eles viam esses gênios da mesma maneira que nós vemos hoje os funkeiros!
Basta analisar: os gênios que criaram as escolas de samba só foram reconhecidos como tais nos anos 60. Eram velhinhos com reumatismo. O samba se tornara respeitável. O desfile das escolas de samba passava na TV. Não faziam mal à ninguém. Cartola gravou seu primeiro disco aos SESSENTA E CINCO ANOS.
Nós, intelectuais de hoje, adoramos pobre. Desde que sejam velhos reumáticos e inofensivos. Vamos para a zona rural atrás de idosos que façam coisas à beira da extinção. Exatamente como os intelectuais de 80 anos atrás. E exatamente como eles, descartamos uma cultura cheia de vitalidade, que faz todo o sentido para as classes populares do nosso tempo, pois os achamos marginais fazendo música barulhenta com letras ridículas que só falam de bandidagem.
O que posso concluir é muito simples. Daqui a meio século os funkeiros, bregas e etceteras estarão velhinhos e inofensivos. O tipo de música que fazem não vai assustar ninguém. De jovens que agressivamente exigem seu lugar no mundo terão se transformado em vovozinhos reumáticos. Aí os universitários correrão atrás deles, suas músicas serão consideradas "autênticas" (em contraposição ao que os jovens de daqui a meio século fizerem), o Estado os pagará para não deixar suas manifestações morrerem.
Entenda-se: gosto musical é subjetivo. Ninguém tem de gostar de nada. Apenas aponto uma similaridade absolutamente óbvia entre a maneira pela qual os geniais músicos de outra época eram vistos pelos intelectuais com a maneira pela qual os intelectuais de hoje vêem as manifestações musicais à nossa volta. Não levamos essas pessoas a sério. E acho que estamos erradíssimos. O que eles dizem importa muito aos que estão ao redor deles. E isso deve despertar todo o interesse de quem quer compreender o mundo à sua volta.
E acho engraçado demais ver que essas músicas de hoje fazem essas pessoas "de esquerda" se transformarem na minha avó reacionária: essas músicas são "cheias de putaria", "barulhentas", "violentas"...
Não façamos como Mário de Andrade e seus amigos, que estavam tão preocupados com o passado que não viram o que estava à sua frente. Levemos a sério o que tanta gente se importa, e não o que nós eventualmente gostaríamos que elas gostassem.




sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ser crítico é não brigar com o óbvio

Há muitos anos trabalho formando professores de história. Há muitos anos escuto meus colegas e alunos repetirem que a função do professor de história é formar cidadãos críticos. Mas sabe o que nunca ouvi? Explicarem que diabos é "cidadão crítico".
O resultado é que vejo meus alunos há muitos anos se perderem dando apoio a teorias conspiratórias vazias sobre qualquer coisa, e acreditando em qualquer coisa que ouvem, desde que seja difamatória a alguém. Acham que isso é ser crítico.
Não os culpo. Todos dizem a eles que devem ser críticos, mas ninguém explica que diabos é isso. E cada vez mais me convenço de algo muito simples: ser crítico é simplesmente não brigar com o óbvio.
Vou me explicar enunciando frases completamente óbvias:
Sob o governo FHC o Brasil se livrou da inflação, mas não cresceu.
Sob o governo Lula o Brasil cresceu, mas o governo petista não contrariou o interesse de ninguém.
O governo cubano teve um êxito espetacular no campo social, mas é uma ditadura.
Não fiz acima nada mais do que constatar o óbvio. No entanto, quem se guia pela visão de mundo de alguma corrente política vai me achar "comunista" (se for do PSDB), "de direita" (se for do PT) ou "reacionário" (se for de algum partido que defende o regime cubano).
Entendo que o discurso dessas correntes seja esse. São militantes políticos. Vivem de dizer que sua versão das coisas é perfeita e de atirar pechas desqualificantes em quem não concorda 100% com eles. Quem quer seguir alguma seita política não pode mesmo se dar ao luxo de ser crítico.
Mas se é pra ser crítico, fica inviável dizer, como alguns, que FHC não teve mérito no fim da inflação, que Lula não fez nada de útil ou que Cuba estar acima do Brasil em todos os indicadores sociais mesmo sendo bem mais pobre é irrelevante.
Ser crítico é bem simples. É só não repetir o que outros dizem antes de refletir sobre o assunto. Aceitar discursos que dizem que tal corrente está sempre certa e as outras sempre erradas é ótimo para um militante irracional. Infelizmente isso quase sempre significa brigar com o óbvio.
Não brigue com o óbvio. Não ignore os fatos mais evidentes. Você terá feito 90% do caminho para ser o tal cidadão crítico que tanto te aconselham a ser.
Aceitar sempre a versão que faz as pessoas saírem pior na foto não é ser critico, mas leviano; aceitar teorias conspiratórias não é ser crítico, mas paranóico; querer ter sempre opinião diferente da de todos não é ser crítico, apenas a expressão de um ego frágil querendo se afirmar.
Ser crítico é analisar as coisas usando a lógica e as informações disponíveis. Só isso. O resto é conversa fiada.
Use esse método e voce chegará a uma conclusão surpreendente: ser crítico frequentemente te leva a se dar conta de coisas absolutamente triviais, que a maioria não vê (tipo: gays são pessoas como as demais, nem todos os paulistas são malufistas reacionários, nem todo historiador é porralouca, argentinos adoram o Brasil, e assim por diante). Por incrível que pareça ser crítico não te faz ver além do óbvio. Te faz na maior parte dos casos ver o óbvio que a ignorancia e o preconceito costumam esconder.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Reparação que o dinheiro não traz


Quarta-Feira estive numa das mesas redondas mais legais que já participei na vida (aliás, parabéns aos estudantes da UFRPE por terem organizado), tendo como tema a abertura de todos os arquivos sobre a ditadura militar. Tive o imenso prazer de ouvir dois antigos militantes que foram presos e barbaramente torturados falarem sobre sua experiencia. Não se vangloriaram, não expressaram ódio de ninguém. Mas mostraram toda a convicção e dignidade do mundo. A garotada da platéia ouvia em silêncio total. Eu segurava as lágrimas sabe-se Deus como, contendo duramente a vontade de sair gritando pela rua.
E eu pensava sabe em que? Nessas indenizações que o governo brasileiro tem pago aos que sofreram com prisões, torturas e exílio. Nada a reclamar disso (ainda que haja casos em que me pareça haver injustiças, mas a idéia geral está correta), mas há algo envolvido que me desagrada muito. Hoje em dia me parece mais claro que nunca que esse dinheiro nada mais foi, do ponto de vista dos nossos governantes, do que um cala-boca. Uma forma de reparar monetariamente um dano que extrapola completamente a questão financeira.
Que sob Sarney e Collor essa revisão não tenha acontecido é algo óbvio, já que, como diria o velho Brizola, ambos engordaram sob a ditadura. Mas há quase 20 anos somos governados por opositores da ditadura: primeiro Itamar, expoente da oposição política, depois FHC, cruelmente aposentado pelo regime antes dos 40 anos de idade (sim, depois ele se deu muito bem na vida, mas aí é outra história, mérito dele), aí Lula, que chegou a ser preso e construiu sua carreira na oposição aos militares, e finalmente Dilma, ex-guerrilheira e torturada.
E nada foi feito nesses quatro governos para responsabilizar os culpados por toda essa barbárie. O motivo é óbvio: os culpados estiveram em todos esses governos, muitos são parlamentares, governadores, grandes empresários, etc. Aí dá-lhe indenização, como forma de mostrar que estão fazendo algo. Mas aí é que está: o tipo de dano que essas pessoas sofreram não tem nada (ou muito pouco) a ver com dinheiro. Você faz idéia do que é ser covardemente agredido pelo próprio Estado que deveria te proteger? De ter danos físicos e psicológicos permanentes? De não poder enterrar seus filhos?
Entre trilhões de histórias que conheço sobre gente que sofreu com isso tudo, conto uma, que escutei na mesa-redonda citada. Uma senhora de 83 anos, mãe de desaparecido político, mora ainda hoje na mesma casa que há 40 anos. Não aguenta mais subir as escadas, mas não muda, com a esperança que seu filho por milagre tenha sobrevivido às torturas e esteja por aí, procurando sua casa. Dá pra fazer idéia do que é isso?
O Brasil ainda tem algo como 150 pessoas desaparecidas daquele tempo. E os sobreviventes vêem seus carrascos muito bem de vida, com ótimos empregos e uma velhice tranquila. E veja: encontrar esses corpos e punir os assassinos é só o primeiro (e indispensável) passo. Mas há muito mais. Essa enorme máquina assassina foi apoiada por muita gente. Muitos desses ainda hoje são membros respeitáveis da sociedade. Vários posam de democratas.
Já ouvi de sobreviventes que um respeitabilíssimo periódico, desses que se consideram "defensores da liberdade", na época emprestava seus veículos para o transporte de prisioneiros políticos. Já ouvi gente me contar que olhou nos olhos de pessoas que hoje são políticos importantíssimos (incluindo um que foi ministro) mas na época eram agentes civis da ditadura. O inominável Cabo Anselmo (que entregou sua namorada, grávida de um filho dele próprio, para morrer torturada) ainda é sustentado hoje por empresários, que ninguém sabe quem são. Um dos mais célebres dedo-duros, que entregou um dos mais importantes líderes da guerrilha para a morte, hoje ocupa um cargo altíssimo em uma poderosa multinacional, e ganha por mês mais que ganho em 2 anos.
Tudo isso tem de ser investigado. É coisa demais para varrer debaixo do tapete em troca de dinheiro. Essas pessoas todas merecem muito mais do que dinheiro. Merecem ver justiça. Não é "revanchismo", pois ninguém quer matar ou torturar ninguém. Queremos só a aplicação da lei. As sequelas, traumas e pesadelos que essas pessoas ainda sofrem precisam ao menos ser mitigadas com a divulgação do que aconteceu e a punição dos que merecem.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

40 anos de um álbum que dispensa comentários


Nesta semana estamos completando 40 anos do lançamento do disco popularmente famoso como Led Zeppelin IV (no rótulo só vinha escrito o nome da banda; na capa nem isso). Não tenho a mais vaga dúvida em dizer: é o maior disco da história do rock.
Como muitos amantes do bom e velho rock, acho o Led a melhor banda da história. Mas infelizmente durou relativamente pouco: apenas 12 anos. Nos últimos 5 anos gravou um disco ao vivo sem brilho, um de estúdio razoável (com duas músicas fabulosas se sobressaindo: "Acchiles Last Stand" e "Tea For One") e um último disco que é tão constrangedor que melhor nem lembrar.
Nos primeiros álbuns a banda, como é muito comum, ainda buscava seu som ideal, navegando um tanto indecisa entre o blues e folk, até descobrir finalmente que seu lugar não era nem um nem outro, mas um cozidão tendo ambos como base. Aí foi o auge da banda, que durou exatamente três álbuns. Infelizmente no Houses of the Holy eles inventaram de fazer uma música de cada gênero diferente, e nem o Led no auge daria conta de ser genial em oito gêneros distintos.
Sobram o montruoso Physical Graffiti e o Led IV, que sem dúvidas é o mais famoso álbum da banda. Afinal, lá está o hit supremo da banda, "Stairway to Heaven"; dois rockaços, daqueles que não podem faltar em setlist nenhum, "Black Dog" e "Rock'n'Roll"; um folk absolutamente chapante, o melhor que eles fizeram, "Tha Battle of Evermore"; e um lado B que acabou obscurecido, mas que entra fácil em qualquer disco que voce quiser (destaque para "When the Levee Breaks").
Em suma, o disco perfeito. Nenhuma música fraca, nenhum deslize. Nada. Há pessoas que gostam de se desfazer do álbum, procurando defeitos nele. Mas é pura vontade de discordar do senso-comum. Mas é preciso reconhecer: há casos em que as coisas se transformam em senso-comum pelo simples fato de serem verdade. Taí um caso. Não há álbum de rock melhor que esse.
















terça-feira, 8 de novembro de 2011

A USP e a "tropadeelitização" do Brasil



Ao contrário da maior parte das pessoas que vivem à minha volta, não me aborreci com a visão de mundo exposta no primeiro Tropa de Elite. Não que eu tenha concordado com ela. Claro que aquela visão é absurda. Pra começar, aquela visão da universidade não corresponde a nada que eu tenha visto nos meus 20 anos de vida acadêmica. Nunca ouvi, por exemplo, alguém dizer que traficantes são caras legais, com consciência social. E que dizer da idéia que se os estudantes pararem de fumar maconha o crime organizado acaba? Supondo que TODAS as drogas do mundo fossem consumidas por estudantes: se eles parassem os traficantes iriam virar honestos trabalhadores, tipo motoristas de ônibus ou balconista de padaria? Ou iriam se dedicar à outra atividade criminosa? (Sei lá, traficar armas, por exemplo).
Mas tem uma coisa: o filme expressa uma visão muito comum na nossa sociedade, incluindo nossos policiais. Eles acham mesmo que todo mundo ama bandido. Não entendem que o que queremos é apenas que eles cumpram a lei. Que achamos que se os policiais não cumprem a lei, nada os separa de bandidos. Não queremos criminosos soltos, nem os achamos legais. Apenas queremos que a lei seja cumprida: que sejam presos e submetidos a julgamento dentro da lei. Nada mais.
E tem mais: o filme foi muito honesto. Inteiramente narrado em primeira pessoa, esse narrador se mostra desde o começo, e é um capitão do BOPE. No filme, o tal BOPE é maravilhoso e perfeito, uma ilha de lucidez e honestidade num mundo de idiotas e corruptos. Mas veja: o filme te diz o tempo todo que isso é a visão do próprio BOPE. Você dá o desconto que quiser a essa visão e curte o filme (que é muito bom!).
No entanto, aparentemente as pessoas não são lá tão espertas. Muitas viram o filme como se ele "contasse a verdade" (hã?). Estudantes passaram a ser vistos como os grandes responsáveis por todos os males do mundo, "bandidos" (palavrinha duca, hein?) devem ser assassinados, e a polícia veio para nos resgatar da violência, que só existe por causa de traficantes escrotos e alunos babacas.
Agora a USP. Não sei muito bem o que acontece por lá. Qualquer coisa que eu disser será leviano. No entanto, gente que sabe ainda menos do que eu (ou seja, nada) decidiu comprar a idéia de que tudo aquilo é porque os caras querem fumar maconha. Estudantes estão armando aquela confusão toda para fumar maconha? Sério? Será mesmo que nossa universidade é tão maravilhosa e perfeita que a única coisa que um estudante pode se queixar é que não pode fumar maconha à vontade? Quem pode achar uma coisa dessas? O tipo que cola aquela imagem lá de cima no facebook. O que inclui muitos (mas muitos mesmo!) dos meus amigos.
Não sei muito do que ocorre na USP, mas o pouco que sei não me faz simpatizar muito com o que acontece. Mas me agrada muitíssimo menos ver que a sociedade sequer tentou entender o que estava acontecendo. Embarcou gostosamente na lógica "tropa de elite", decidiu que eles só queriam fumar maconha e pronto. Os desmandos dos nossos governos com a universidade pública, a escrotidão do reitor, tudo isso passa tranquilo.
Quem diz isso tudo, não liga para a educação, não quer entender nada. Só quer que o filme se transforme em realidade, e a polícia tenha o direito de sair enchendo quem quiser de porrada. Acham que isso vai fazer um mundo mais seguro, pois nessa visão a culpa da violência é toda de quem quer que a lei seja cumprida e de estudantes que fumam maconha.
A propósito: claro que a culpa de nada disso é do filme em si. Ele apenas contou uma história a partir de um ponto de vista definido muito honestamente. Tropa de Elite apenas serviu como catalisador de idéias que as pessoas já tinham. E ao dizer que estudantes merecem apanhar porque "só querem fumar maconha mesmo", essas pessoas nada mais fazem do que tentar realizar as fantasias de serem o capitão nascimento do mundo real e acabar com a violência no mundo. Quanta fantasia recalcada, hein?

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Fim da Minha Geração

"Tenho nojo da nossa geração". Essa é talvez a frase central do filme Nós Que Nos Amávamos Tanto, de Ettore Scola, um dos melhores filmes que já vi na vida. Em umas duas semanas estarei a 1 ano dos 40 anos. Sou da geração que nasceu dentro da ditadura, e quando começamos a acordar para a vida, concluímos que aquilo não era vida. Nada muito diferente do que viveram todas as gerações de adolescentes do mundo. Mas tínhamos algo muito interessante: alvos muito evidentes para nosso ódio.
Guerra Fria, corrida armamentista, ditadura militar, esposas assassinadas legalmente por maridos ciumentos... era muita coisa para ser odiada, e com razão. Coisas que ninguém aguentava mais, que eram carcomidas, e que para nós eram verdadeiramente intoleráveis.
Hoje eu encontro os amigos militantes da época. Gente que queria revolucionar o país, que sofreram comigo as grandes derrotas daquela década, como as diretas já e as eleições de 1989. São quase todos figuras patéticas. Quase todos são "quadros" petistas. Ou seja, são pessoas que trabalham para algum governo petista. Confortáveis com seus ótimos salários e posição social, gostam de dizer que estão ajudando a fazer a revolução pela qual o país passa. Eu respeitaria se eles dissessem: "sei que essa não é a revolução que sonhávamos, mas é o possível". Mas eles dizem outra coisa: "estamos fazendo a revolução que sonhávamos. Em alguns anos vamos acabar com a pobreza. Estamos levando o Brasil ao socialismo!". Tristes figuras.
Um reflexo disso é o que aconteceu com as bandas pop-rock daquela época. Bem ou mal, muitas delas verbalizavam maravilhosamente a raiva que sentíamos daquele mundo ridículo. Aí vejo para onde foram depois. Nenhuma sobreviveu à "síndrome do rockeiro adulto". No fim da década todas ficaram ser ter mais nada a dizer. Encerraram a carreira, e anos depois retornaram sob diferentes pretextos, mas na verdade apenas para tocar as velhas músicas, em versões absolutamente caretas e adocicadas.
O atestado de óbito da minha geração pra mim foi aquele "ei, Sarney, vá tomar no cu", do vocalista do Capital Inicial, no rock in rio. A raivosa banda censurada pelos militares havia se transformado no porta-voz dos alienados babaquinhas que acham que reclamar de corrupção é postura política. É um episódio sem importância, mas metaforicamente é muito poderoso. Me soou como o ponto final de uma geração que (como todas as outras) um dia quis mudar o mundo mas se contentou com um bom salário.







domingo, 6 de novembro de 2011

A tal "nova esquerda": balanço


Quando eu acordei para o mundo, há uns 30 anos atrás, a esquerda tradicional era dada como enterrada. Os regimes socialistas eram evidentes fracassos e seus representantes no Brasil claramente tinham se mostrado incapazes de organizar a classe trabalhadora, com o desconto de que a guerra fria ter limitado tremendamente suas possibilidades de ação. Criticava-se também de forma ostensiva o fato de essa esquerda marxista jamais ter aberto espaço para questões como ambientalismo e movimentos de minorias.
Por outro lado, os antigos líderes da classe trabalhadora urbana eram rapidamente descartados como "populistas" (tão atacados que a palavra virou sinônimo de "demagogia" ou até "fascismo"). Assim, foram transformados em dinossauros. Pensar em Brizola ou Arraes como alternativa naquele tempo era algo como pensar em trazer D. Pedro II de volta do mundo dos mortos para nos governar. Mesmo que na época esses políticos fossem tão ou mais jovens que os atuais protagonistas do debate político, como Lula, Dilma e Serra.
Era consenso, por todos os lados, que era preciso criar uma "nova esquerda". No mundo acadêmico, historiadores e cientistas sociais desciam a lenha no comunismo, no marxismo e reabilitavam qualquer um que fosse um contraponto a eles: anarquistas viraram os profetas da tirania marxista, o liberal Tocqueville virou gênio, e até o ultraconservador Edmund Burke passou a ser visto como "sofisticado". Agora a Revolução Francesa não teve nada a ver com luta de classe e economia não explica mais nada.
Nas ruas nascia o "novo sindicalismo", que se opunha aos vínculos entre sindicatos e o estado (existentes tanto sob o populismo quanto no socialismo), e pregava a necessidade da autonomia dos movimentos sociais, que deviam se guiar por suas próprias agendas. Na política, o reflexo foi o nascimento do PT, incorporando esses novos movimentos sociais e acadêmicos, tentando criar uma nova forma de fazer política, condizente com essa "nova esquerda". Baseada no apoio dos movimentos sociais, mas longe da política tradicional, dos populistas e do comunistas, era a grande novidade política daquele tempo.
30 anos depois...
Aquela nova esquerda hoje se comporta exatamente como os velhos populistas que tanto criticava. É centrada em um grande nome idolatrado por uma população despolitizada, possui um leque de alianças sem nenhuma coesão ideológica, trouxe os movimentos sociais para o estado (a velha burocratização dos sindicatos, que os petistas acadêmicos tanto criticavam no populismo e no socialismo)...
Os movimentos de minorias têm um papel muito importante a desempenhar, mas não conseguiram sair de sua função de grupo de pressão para uma causa particular, sem desenvolver um novo projeto de sociedade. Os ambientalistas que tem mais visibilidade (Gabeira, Marina) estão cada dia mais próximos da direita. Os movimentos sociais não tem nenhuma agenda além de ser governo.
Os historiadores e cientistas sociais daquele tempo, que tanto marretaram o populismo e o socialismo hoje se dividem em dois grupos. Uma parte (a maior delas) se agarrou loucamente ao poder. Alguns no governo FHC, outros no governo Lula. Em comum, o fato de fazerem todo tipo de pirotecnia para tentar provar que seu amado governo havia finalmente realizado tudo que eles pediam décadas antes. Claro, sempre muito bem financiados por esses governos. Outros descambaram para o niilismo, e só escrevem sobre temas muitíssimo desidratados (tipo "houve modernismo literário no RJ"?).
Como se vê, quando a gente olha para o cenário atual e procura as contribuições que a "nova esquerda" nos deu, a gente fica com dificuldades. O PT nada mais é do que um partido populista velha-guarda, sem nada muito diferente do que Brizola e Arraes defendiam há 50 anos. Sua relação com os sindicatos é mais burocrática que a de Vargas, já que eles efetivamente se incorporaram ao Estado. A grande verdade é: o "novo sindicalismo", que nasceu para acabar com as relações entre sindicatos e Estado terminaram radicalizando essa relação, e hoje fazem parte do Estado.
Notem: não estou dizendo que a nova esquerda nada faz pelo país. A discussão não é essa. Muito menos o governo Lula, ou coisa do gênero. A minha discussão é: há 30 anos havia toda essa efervecência no campo da esquerda brasileira, em que se avaliava que esse campo deveria mudar radicalmente seus conceitos e práticas. Hoje, o que se vê é que esses grupos nada mais fizeram que neutralizar os velhos populistas e comunistas que dominavam o lado esquerdo da política brasileira, para em seguida fazer as mesmas coisas que eles.

sábado, 5 de novembro de 2011

Nossas forças armadas (?)


Conversava hoje com uma pessoa da aeronáutica, e confesso que fiquei meio assustado com o que ouvi. Segundo meu interlocutor, eles estão completamente sucateados, adquirindo equipamentos (incluindo aviões) usados, com até meio século (!) de uso. Me disse ainda que acha improvável que exército e marinha estejam melhores.
Nossa sociedade claramente tem medo de suas próprias forças armadas. E tem bons motivos para isso. Não satisfeitos em terem destruído o Brasil, eles cultivam com muito cuidado a versão de que a ditadura militar que tivemos foi um ato patriótico que salvou o país do comunismo. Isso é ensinado repetidamente nos colégios militares, o que indica que nos quartéis é a versão dominante ainda hoje, incluindo para pessoas que nasceram já sob a democracia. Ou seja, se é esmagadora entre os militares, a idéia de que a ditadura foi uma coisa maravilhosa, o que os impede de num outro momento acharem que devem fazer isso de novo? nada, né?
Há mais: a guerra fria nos tornou completamente desconfiados de investimentos em armamentos, que passaram a ser associados a imperialismo, e coisas do gênero. Some-se a isso o fato de nosso país não ser protagonista de uma guerra há 140 anos e não ter qualquer perspectiva de o ser novamente e pronto: ninguém liga para nossas forças armadas.
Eu acho isso um baita erro. Para começar, um erro de lógica: mesmo a mais fuleira das forças armadas consegue subjugar a população civil e desarmada de seu país, se assim desejar. Ter exército mal equipado não ajudará em nada a impedir a repetição dos tristes episódios que vivemos há algumas décadas.
Por outro lado, o Brasil é um país gigantesco, e tem enormes fronteiras desabitadas com países que, em alguns casos, tem problemas evidentes com guerrilhas e narcotráfico, e uma Amazônia com áreas enormes com pouca ou nenhuma presença do Estado. É indiscutível que há sentido para a existência do exército.
Mais que isso: um país indefeso é um país que sempre está a mercê dos outros. Eu sei, não há qualquer vaga perspectiva de risco concreto. Mas uma coisa que aprendi como historiador é que esse é o tipo de coisa que pode mudar em relativamente pouco tempo. Quer um exemplo?
No dia 11 de setembro de 1973 um golpe militar derrubou o presidente chileno Salvador Allende. Você certamente sabe disso. O que provavelmente você não sabe, é que os norte-americanos enviaram representantes de sua marinha para os limites das águas territoriais chilenas, caso fosse necessário intervir. Traduzindo: se as forças leais a Allende estivessem levando a melhor, o país seria invadido por unidades da marinha dos EUA. Que tal?
Outro exemplo: no final de 1978 os lunáticos da ditadura argentina quase empurraram o país para uma guerra absurda e sem sentido contra o Chile por conta de um pedaço da Terra do Fogo. A guerra foi abortada no último minuto graças à intervenção do Vaticano. Mas provavelmente pesou o fato de o exército chileno ser melhor equipado que o argentino, tornando a vitória muito difícil para a turminha de Videla.
Pode parecer algo quase impossível, mas não é. Neste século tivemos dois golpes militares (Venezuela e Honduras) no velho estilo, com apoio-norte-americano, da Igreja e dos empresários contra presidentes populares. O que mostra que os riscos de sempre não desapareceram, a despeito do triunfalismo de muitos que consideram esse tipo de coisa uma página virada.
Por outro lado, veja o Irã. O país é abominado pelo ocidente, deve ser o mais odiado pelos EUA atualmente. Agora me diga: os norte-americanos mexem com eles? Não, pois se acredita que eles tenham a bomba atômica ou estejam perto de tê-la. Por outro lado, se metem á vontade com países sem poder de fogo, tais como Líbia e Venezuela.
A grande verdade é: ninguém se mete com países que tenham forças armadas dignas do nome. Nenhum país jamais se protegeu graças à habilidade diplomática ou por ser modelo de democracia ou crescimento. Em política internacional, as armas são essenciais. Não é o mundo que eu gostaria de viver, mas é o mundo em que vivo. E o Brasil tem de acordar para isso.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ser de direita e esquerda hoje


Muita gente acha que não existe mais direita e esquerda. E eu acho que eles estão completamente errados. Acho que quem diz isso se apóia em dois tipos de argumentos, ambos completamente falaciosos:
1) "não há ideologia, só interesse". Indefensável. Uma pessoa defender seus interesses, ou até ser corrupto, não a impede de forma alguma de acreditar em algo. Veja o caso do Brasil: é bastante evidente que em linhas gerais PT e PSDB tem diferenças ideológicas marcantes. Agora, se seus políticos são honestos ou não isso é outra história. Se não há ideologia, porque esses partidos administraram o país de forma tão diferente? Tanto mais que as administrações estaduais e municipais desses partidos seguem consistentemente essa diretriz? De resto, quando foi essa época em que não havia corrupção e interesse, permitindo "autênticas" esquerda e direita?
2) "depois do fim do socialismo essas idéias não fazem sentido". Errado de novo. Quem diz isso presume que ser de esquerda é ser defensor do socialismo soviético e o resto é direita. Nunca foi assim. O espectro político nunca foi polarizado entre esquerda e direita. Sempre houve um continuum, que começa nas posições de extrema-direita, passando por conservadores, liberais, social-democratas, socialistas, etc. O fim da experiência socialista não muda isso. Aliás essa mudança nem extinguiu o socialismo enquanto posição política. Em quase todos os países do mundo há partidos que seguem se definindo como "socialistas".
O que acontece, e é extremamente normal, é que essas posições vão se redefinindo. Elas nunca foram fixas, como alguns acham. Hoje, por exemplo, me parece bastante evidente que a linha que separa a esquerda da direita é a questão da intervenção estatal. Ou seja, os que acham que o Estado deve agir para minimizar os efeitos da desigualdade e os que acham que não, que o Estado não tem esse papel.
Dentro dessas duas posições possíveis, há muitas diferenças. Há uma esquerda moderada, que é a tendência predominante do atual governo, que acha normal os ricos se lambuzarem, desde que o Estado compense minimamente as necessidades dos mais pobres. Mais à esquerda temos os que acham que o Estado deve atuar mais agressivamente para forçar uma maior redistribuição de renda, inclusive impondo limites aos ganhos dos ricos. E no extremo desse lado do espectro temos os socialistas, que acham que a propriedade privada deve ser eliminada.
Há o lado da direita, que acha que o Estado não tem nada o que fazer em termos de atenuar as desigualdades. Claro que também há diferenças. Há os raivosos que pensam que todo pobre é vagabundo, e portanto não deve ser ajudado. Acham que isso é "estimular a vagabundagem". Há os que acham que ao menos se deve garantir que não morram de fome. E há os que vêem a necessidade de políticas (sempre muito modestas, claro) como as do governo FHC.
E essa diferença não é nada abstrata. É muito fácil de ser percebida no discurso dos dois lados. A direita não quer ouvir falar em impostos, empresas estatais e gastos públicos. A esquerda é o contrário: se arrepia só de ouvir falar em privatizações, corte de gastos, etc., já que acredita na função do Estado como regulador, fomentador do crescimento e redutor de desigualdades.
No aspecto cultural também é muito clara a diferença. A direita tende a achar abomináveis as políticas de ação afirmativa (acha uma intervenção intolerável do Estado naquilo que vêem como uma "meritocracia"), e em versões mais radicais pode achar linda a humilhação de mulheres, negros, gays, índios e nordestinos (vide o episódio Rafinha Bastos). Muito ao contrário, a esquerda, que acredita no Estado, crê que a intervenção para suprimir as históricas desigualdades de gênero, raça, etc. é indispensável.
Ou seja, em todos os parâmetros, é muito claro que temos o trio PT/PSB/PC do B como representantes típicos de uma esquerda moderada (com setores mais progressistas), o P-SOL como uma esquerda mais agressiva e o PSTU como uma esquerda radical. No outro campo, os democratas são exemplos evidentes da direita. E o PSDB? Pra mim é centríssimo (o que não é indecisão; ser "de centro" é uma posição, que os tucanos abraçam com convicção). Poderiam escolher entre ser a ala moderada de uma aliança de esquerda ou a facção progressista de uma aliança direitista (ficaram com a última). Afinal, combinam o neoliberalismo e privatizações com modestas políticas compensatórias, abertura da discussão sobre cotas e a promoção do "toda criança na escola" (e não é demais lembrar: digam o que disserem hoje, FHC não fez nenhum corte de impostos. muito pelo contrário: criou a CPMF e aumentou muito o imposto de renda, já que jamais corrigiu a tabela).
Vou repetir para me prevenir definitivamente de certos tipos de comentário. CLARO que isso não quer dizer que os partidos que identifiquei como "ideológicos" sejam formados por idealistas dispostos a morrer por uma causa. Achar que "ideologia" é isso é ser MUITO inocente. Quem acha isso vai ter de concluir nunca houve ideologia nenhuma em época nenhuma. O que é de um niilismo absurdo.
Em suma, não vejo razão nenhuma para se acreditar que não haja esquerda e direita, seja no mundo, seja no Brasil. É só olhar os discursos e práticas dos partidos ideológicos que temos e concepções de esquerda e direita ficam absolutamente evidentes.
O que não invalida o fato de que nosso sistema político tem uma gigantesca anomalia: a existencia de partidos que não tem nenhuma ideologia além de ser governo. PMDB, PTB, PP, PR, esses partidos estão em todos os governos, o que é prova evidente de que só querem mamar mesmo. E não tenho dúvidas: nem FHC nem Lula gostariam de se aliar com essa gente, que sabem muito bem serem uma corja. Mas como nós, os eleitores, colocamos dezenas de parlamentares desses partidos no congresso, obrigamos os dois governos a compor com eles. Não tem como evitar. A culpa aí é mais nossa do que dos últimos governantes.
E se você não se convenceu, aqui fica uma última pergunta: se PSDB e DEM só pensam em se dar bem, porque seguem na oposição a um governo popularíssimo, sendo que poderiam estar dentro dele, mamando nas tetas do Estado e pegando carona no lulismo? Porque nos anos 90 PT, PSB e PC do B pareciam caminhar para o suicídio ao ficar 8 anos fazendo oposição ao governo?
Simples, esses partidos acreditam em algo. Pode ser algo que voce odeie. Mas eles acreditam. Se dispuseram a sofrer a desgraça que é ser oposição no Brasil quando poderiam ser governo.
Esquerda e direita existem sim. Negar isso é fazer o jogo do poder. Quem está lá quer que voce acredite nisso. Fica mais fácil para eles dizer que são "o bem" e quem discorda deles é "o mal", se voce presumir que não existem diferenças significativas de ideologia.