quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Vivendo no caos



Outro dia escrevi sobre saudosismo. E hoje me dei conta de uma coisa engraçada. Nas minhas lembranças, as cidades brasileiras eram muito mais toleráveis quando eu era jovem. Mas aí lembrei que meu pai dizia a mesma coisa: aquele cenário que para mim parece idílico na época era tido como caótico pelos meus pais, em comparação com o que eles viveram em suas infâncias. O mesmo valendo para eles em relação a meus avós.
Nesse caso específico acho que estamos todos certos. Eu, meus pais e meus avós tínhamos mesmo razão de achar que quando éramos jovens, cada um em sua época viu uma vida urbana mais tolerável do que aquela com a qual se deparou em sua vida adulta. As cidades brasileiras estão chegando a um nível insuportável. Como há países em que as coisas não ocorrem com tamanha intensidade (vide post de ontem), fica claro que isso não é uma decorrência necessária nem da modernidade nem do desenvolvimento. Como chegamos nisso então?
Tenho pra mim que a origem de boa parte desses problemas é uma obsessão incontrolável que temos pelos carros. Em algum ponto ali por perto da metade do século passado decidimos que a coisa mais importante do mundo era ter um automóvel. Nossas cidades passaram a ter como prioridade máxima os carros. Ao contrário das preocupações estéticas e sanitárias do início do século (que também eram horrorosas), as grandes reformas dos anos 50/60/70 foram pautadas pela preocupação em abrir espaço para os automóveis. Parques, construções históricas, moradias populares, tudo ia abaixo para rasgar avenidas cada vez mais largas para os carros andarem em paz.
A adoção desse modelo norte-americano trouxe diversas consequencias lamentáveis, uma das quais de caráter cultural. Passamos a achar que a única maneira sensata de se deslocar é de carro. Ônibus, trem, bonde, bicicleta, caminhada, nada disso presta. Assim, nossas cidades não são feitas para quem quer caminhar ou andar de bicicleta, não há espaço para isso. Os bondes acabaram. Os usuários de ônibus são obrigados a pagar caro por um serviço horroroso. Metrô, praticamente não temos. Trens estão sucateados. Tudo aponta para o carro.
Resultado, estamos todos comprando carros. E não há rua que aguente. Chegamos a um ponto em que o trânsito nas cidades só vai melhorar se derrubarmos todas as construções. E veja: não estou falando só do trânsito. É um problema que gera um monte de outros problemas. Se todo espaço disponível é destinado aos carros, não há parque, não há espaços de convivência. Não há motivos para estar na rua sem ser dentro de um carro.
Evidentemente tudo isso desumaniza a cidade, que passa a ser visto como algo a ser temido, e não desfrutado. Achamos que rua é lugar para ladrão e transporte público é para pobre. A solução é entrar no seu carro e sair voando para um lugar fechado, climatizado, cheio de gente igual a você, com seguranças por perto. Se possível, morar num condomínio fechado com seguranças armados até os dentes do qual quase não seja necessário sair.
Dentro de mim existe uma certeza: não há como um ser humano ser feliz vivendo nesse modelo. Nele, todos são nossos inimigos, e a vida urbana é um sofrimento permanente. Mas pelo que entendo sou só eu. Está todo mundo feliz. No máximo preocupados querendo um carro melhor. Pois nessa perspectiva, ser feliz é ter um carro bom para sofrer muito dentro dele.

3 comentários:

  1. Isso sem contar a cacá às árvores que atrapalham o caminho ou sujam a rua(!), a opção por espigões encapados com cerâmica de banheiro que se amontoam uns contra os outros. Outro dia até estava num deles e observei que a piscina do prédio de trás ficava a uns 5 metros da janela do quarto do prédio do lado (hahaha). Rapaz... Estou trabalhando na madrugada agora. Por incrível que pareça, a cidade chega a ficar gostosa. Me lembro de uma situação idílica que foi caminhar pela Agamenom Magalhães para ir comprar um lanche!
    Acho que o destino desse país aponta mesmo para o fracasso humano.

    ResponderExcluir
  2. Texto perfeito! Concordo com tudo e tenho mais idéias a respeito, fiquei anônima, repito, porque não consigo saber de URL. Mãe.

    ResponderExcluir