terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O Saudosismo e seus Perigos



Li em algum lugar que hoje é dia da saudade, do saudosismo, algo que o valha. Não dei muita importância, já que há data para tudo nessa vida. Mas aí calhou que foi justo quando estava voltando de uma viagem (que justifica a ausencia de atualizações no blog na semana que passou) à cidade onde cresci, com a qual me identifico. Uma semana de nostalgia pura, de olhar para um terreno baldio e pensar "caramba, ali ficava o bar onde tomei meu primeiro porre!". Ou de olhar para o moderníssimo Estádio da Cidadania e suspirar lembrando das velhas arquibancadas de madeira do estádio Silvio Raulino de Oliveira, onde eu tantas vezes sofri pelo Voltaço.
Não há nada de mal nesse tipo de saudosismo. Faz parte da vida, em especial daqueles que, como eu, estão sentindo o peso da idade. Desde que, é claro, você tenha plena consciência de que na verdade você sente falta não dessas coisas, mas da vida que voce tinha. Não tenho nenhuma saudade do Chopp Verde, um boteco horrível, mas da sensação da descoberta, como se o mundo estivesse cheio de novidades excitantes me esperando. Claro que o atual estádio é muitíssimo melhor que o antigo, o que eu sinto falta é de ter 15 anos e ir com meus amigos de infância para o velho Raulino, encontrar amigos e parentes, voltar pra casa a pé. Em suma, a saudade é de uma vida sem preocupações e com todas as pessoas amadas por perto.
O diabo é quando as pessoas REALMENTE acham que antes as coisas eram melhores. Quantas vezes voce não ouviu falar de um tempo mítico em que as pessoas se respeitavam, a educação era ótima, todos eram religiosos, e coisas do gênero?
Claro que elas não dizem que as crianças brasileiras morriam em número alarmante, ou que a tal educação de qualidade era para uma minúscula parcela da população. E sobretudo se "esquecem" do seguinte: as coisas não eram melhores que hoje, só eram mais organizadas. E eram assim por um motivo muito simples: as pessoas não tinham escolha. Todos iam à Igreja porque não tinham opção. Pais e professores eram "respeitados" porque se não o couro comia.
Não tenho nenhuma saudade disso. Acho uma maravilha poder dar todo o respeito à minha mãe e não ter nenhum contato com meu pai. Ela mereceu meu respeito, ele não. Foi maravilhoso pra mim poder ter devorado cada palavra dos professores que fizeram por merecer, e dormir nas aulas dos picaretas. Acho ótimo que eu tenha tido a liberdade de escolher minha religião, e ter crescido num ambiente laico, até fazer minha opção pelo espiritismo kardecista. Não acho que minha vida teria sido melhor se eu não tivesse tido essas opções, muito pelo contrário.
No fundo há uma questão política por trás de toda essa nostalgia. O que norteia esses discursos ultra-saudosistas é essencialmente isso. Saudade de um tempo em que os negros ficavam quietinhos limpando o chão da nossa casa, ao invés de dançar funk. Vontade de sentar porrada no filho gay e obrigá-lo a se casar e viver uma vida de sofrimento ao invés de ter de aceitar que ele jamais será o que seus pais imaginavam. Saudade de abaixar a cabeça para políticos tiranos e corruptos, fingindo acreditar que eles eram pessoas superiores, ao invés de ser obrigado a acompanhar o cenário político e tentar separar por conta própria aqueles que merecem o seu respeito daqueles que não o merecem.
Em suma, a modernidade nos deu escolhas. Uma coisa ótima. Mas há quem não goste. Para esses, é insuportável lidar com o fato de que há pessoas que pensem diferente deles. Talvez pior, essas pessoas odeiam o fato de terem de fazer escolhas e lidar com as consequencias delas. Preferiam ser cordeirinhos que nada mais faziam que obedecer, pois aí não precisavam pensar.
No fim, nada muda o fato de que é uma delícia temperar nossa vida estressante com algumas pitadas de lembranças agradáveis de outros tempos. É uma necessidade, uma forma de sobreviver. Mas ir além disso é endossar uma visão extremamente reacionária do mundo e preferir viver num planeta de zumbis.
PS: na foto, eu e meu primo Rafael, em 1978
PS2: este post foi escrito ao som da música abaixo, em pleno clima de saudosismo

6 comentários:

  1. É Buru, a unica coisa que não mudou nada foi aquela merda de onibus do Aero.

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  2. Um texto que foi do lirico ao politico! Muito bom Tiago!!! Tou ficando ou boa babona sua!!! #Ex-AlunaCoruja

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  3. Perfeito ... se a Pandora é uma ex aluna coruja eu sou a #esposacoruja

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  4. Cara, excelente texto, curto, porem excelente, sobre saudosismo. Não vivi nos anos 80, mas sinto que nasci na época errada. Isso me detona. Acabo deixando de viver muitas coisas boas da nossa epoca p causa disso!

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