domingo, 22 de janeiro de 2012

Morte aos acadêmicos



Sempre ouço pessoas que se identificam como progressistas reclamando dos "acadêmicos". Nesse discurso, somos um bando de babacas arrogantes que passam a vida estudando inutilidades e se achando os fodões, enquanto se lixam para o mundo real. Será?
A parte da arrogância eu entendo, ainda que parcialmente. Reconheço que muitos colegas de fato são egomaníacos estúpidos, os famosos "PHDeuses", no nosso linguajar. Mas o que pergunto é: isso é uma exclusividade nossa? Médicos, advogados, jornalistas e demais profissionais são em sua maioria pessoas humildes dispostas a morrer pelo bem estar da humanidade sem nenhuma vaidade? Sinceramente não vejo isso. Alguém vê?
Sobre o descolamento da realidade, pra mim a coisa fica mais absurda. A meu ver há aí um erro crasso de compreensão sobre o que é nosso trabalho. Claro que a maior parte do que escrevemos é para nós mesmos. Nem poderia ser diferente. Essa profissão tem como objetivo a pesquisa avançada, um campo em que poucas pessoas estão habilitadas a compreender o debate. Depois que as descobertas e teses são confirmadas pela comunidade acadêmica, se dá um segundo passo, em que a novidade passa a ser do conhecimento geral.
Por exemplo: as obras de Darwin ou Einstein não foram escritas para o cidadão comum, mas para colegas acadêmicos. Quando suas teses se transformaram em consenso, chegou a hora da divulgação, em que profissionais não acadêmicos puderam conhecê-las e assimilar as novidades. Isso não é necessariamente função dos acadêmicos. Ninguém xinga Darwin ou Einstein por não terem escrito para o leitor médio. Isso não era parte do trabalho deles.
Assim, nós, historiadores (para falar da minha área) não estamos, na maior parte do tempo, escrevendo para o público médio. Essa não é a nossa função. Estamos fazendo investigação científica de ponta. Uma vez confirmadas as nossas idéias, é a hora de as mesmas serem difundidas. Alguns de nós até se ocupam de fazer isso. Mas não é essa a nossa função primordial.
O que quero dizer é: se os jornalistas que escrevem livros de história para o grande público, os autores de livros didáticos de história, os roteiristas de cinema e TV, não dão a mínima para o que fazemos, a culpa é nossa? Se as editoras de livro didático não querem gastar dinheiro com livros novos e acham melhor recauchutar obras velhas e desatualizadas, por que isso vai ser debitado na nossa conta? Se essa gente toda acha que nós, que estudamos e pesquisamos história a vida inteira, somos pedantes babacas que não sabem nada, tudo bem, direito deles. Mas a sociedade nos culpar por isso é um pouco demais, não?
Em suma, há acadêmicos da pior espécie. Há toneladas de babacas, arrogantes e inúteis nesse meio. Mas em outras profissões é diferente? Não acho que seja. Só acho que há uma imensa campanha para deslegitimar a universidade pública brasileira, tentando pintá-la como um viveiro de inúteis que gastam dinheiro público com tolices. E o triste é que haja tanta gente que aceite esse discurso de direita como se fosse algo progressista e questionador. A prova de que ingenuidade não escolhe tendência política.

Um comentário:

  1. Na minha visão op fruto de todos os males é o fato de que as pessoas de modo geral são incapazes de entender os textos mais fáceis como os publicados em folhetins (se tornaram nisso e têm orgulho disso justamente porque vale tudo hoje em dia para vender e o nivelamento por baixo virou solução), como Veja, Isto É e cia, e se metem a ler artigos que forçam uma compreensão mais holística, focada e que para se ter é necessário muito conteúdo em seu "HD interno". O analfabetismo funcional impera e estas mesmas pessoas querem discutir de igual para igual com pessoas que passaram anos, uma vida inteira pesquisando sobre aquele assunto. Em qualquer profissão e em qualquer ramo científico as verdades absolutas são mínimas, se existirem porque o livre arbítrio tem que ser levado em consideração sempre. O mesmo acontece no esporte. Todos são técnicos. Não sabem nem os nomes dos jogadores, muito menos de onde eles vieram, o que já fizeram em suas carreiras mas se acham no direito de achar que são melhores e que podem debater de igual para igual com pessoas especializadas no assunto. Diante disso não é de espantar que alguém critique a nobre função dos pesquisadores que trabalham com recursos escassos e dão muitas vezes não só ao país mas ao mundo o seu melhor e suas descobertas beneficiam inúmeras pessoas não só no ramo de teses mas em todas as descobertas científicas, inclusive na saúde. Ok né? O que fazer com essas pessoas? Resta ter paciência com os nécios rs. Brincadeiras à parte, eu sou muito grata sempre que converso com alguém que sabe muito mais do que eu sobre o assunto que for. Falta humildade para entender que existem e felizmente sempre existirão pessoas que têm um nível de conhecimento muito superior ao nosso e ao invés de criticar, assinando assim o recibo de burro, deveríamos sempre dizer: abrigada por expandir meus horizontes.
    E só para constar, realmente existem muitos, mas muito mais arrogantes nas demais profissões que no setor acadêmico.

    ResponderExcluir