quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Imigrantes negros: sempre indesejáveis



Leio sobre as preocupações brazucas com a possibilidade de imigrantes haitianos inundarem o país. Penso que se houvesse navios de italianos, franceses e alemães esquálidos pela crise européia querendo morar no país a coisa seria diferente. Seria comemorado como um triunfo brasileiro. E aí a sensibilidade de historiador entra em campo para lembrar de uma historinha.
Há 91 anos o Brasil aprovava a chamada "lei dos indesejáveis". Fruto de uma imensa decepção das nossas elites com o imigrante europeu. Nos 30 anos anteriores o governo havia patrocinado a vinda de europeus com uma suposição. Ao contrário dos indolentes, preguiçosos e ingratos ex-escravos, os europeus trabalhariam até morrer ganhando pouco e sem reclamar. E de quebra ainda embranqueceriam o país.
Mas não foi o que aconteceu. As elites viram outra coisa. Os imigrantes tinham outros planos. Queriam enriquecer rápido e voltar. Alguns enriqueceram mesmo, para desespero dos dominantes. Os que seguiram na classe trabalhadora também foram um desapontamento: queriam salário justo e condições decentes de trabalho, nem que fosse à custa de greves. Era o inferno feito realidade. Era hora de barrar os "piores tipos" de imigrantes (de cabeça me recordo que a lei citava anarquistas, prostitutas, deficientes e mendigos).
No entanto ao mesmo tempo apareceu um problema devastador: negros norte-americanos, cansados de serem alvo de racismo violento, se preparavam para morar no Brasil. Se europeus já estavam se tornando indesejáveis, imagine negros norte-americanos? Imediatamente o nobre deputado Cincinato Braga (nome de rua em muitas cidades) apresentou um projeto proibindo a imigração de negros para o Brasil.
A imprensa delirou de alívio. O tom geral era: a bondade dos brancos brasileiros havia criado uma sociedade sem racismo. Mas seria um abuso se, além de cuidarmos dos nossos negros, termos ainda de resolver os problemas dos negros dos outros. "Não queremos um viveiro de pretos", escreveu um jornalista. A revista Careta (uma espécie de Veja da época) não teve piedade: negros eram filhos do capeta, e a prova é que tinham cheiro de enxofre. Seria intolerável aceitar esses imigrantes.
Ao fim a lei não passou. Os deputados sequer permitiram que ela fosse votada. Certamente perceberam a contradição de dizer "não aceitamos negros por sermos uma democracia racial", como propunha a imprensa. Mas no fim deu tudo no mesmo, já que o governo brasileiro agiu em conjunto com o norte-americano (que colocou até o FBI na história) para, discretamente, através de burocracia consular, impedir esses imigrantes de vir para cá.
Um país orgulhoso de sua democracia racial mas que não aceita imigrantes negros por achar que eles introduzirão um elemento de "desequilíbrio", algo que não aconteceria com imigrantes brancos. 1921 ou 2012?
PS: se voce não conhece essa história da proibição da imigração negra, informo que ela foi bem estabelecida por pesquisadores como Jair de Souza Ramos, George Reid Andrews e minha amiga Micol Seigel. Minha própria contribuição ao assunto (mais centrada no debate sobre a lei) está aqui: http://www.scielo.br/pdf/eaa/v25n2/a05v25n2.pdf

4 comentários:

  1. Perfeito. Direto ao ponto. Tiago, o que houve com o Futebol Portenho? Sabotagem da pachecada? Complô do Galvão Bueno? Eu não duvido de nada...

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  2. Hahaha, tivemos problemas com o servidor, o maldito UOL nos expulsou. Mas voltamos hoje, felizmente

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  3. Sempre aprendo contigo meu caro, só que agora, sem colar (kkkkkkk)! Show!

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