A questão é: eu não acho isso. Só que pra mim esses livros, em sua grande maioria, pertencem a um gênero bem diferente daquilo que nós produzimos na academia. São escritos por pessoas com formação e experiencia totalmente diferente da nossa, para um público totalmente diferente. Então é inviável comparar. O que digo é simplesmente: não acho que esses livros sejam o mesmo tipo de história que nós fazemos.
Pra começar: são livros escritos por pessoas que não são historiadoras. Não dominam o universo sobre o qual escrevem, e nem poderiam. Assim, é muito frequente que nessas obras tudo apareça de forma muito descontextualizada, como se as coisas acontecessem por encanto. Ou melhor, como se coisas absolutamente triviais servissem para explicar processos extremamente complexos.
E há outro fator complicador. Nós, historiadores, somos treinados desde o primeiro dia da graduação para compreender o ponto de vista de quem fala. Afinal, quando vamos estudar um contexto qualquer vamos ler milhões de pontos de vista sobre o assunto, tanto de contemporâneos quanto de historiadores. Nosso dever é entender que estamos lidando com discursos, e que cada um tem sua legitimidade. O jornalista não faz isso. Confrontado com pontos de vista diferentes escolhe o que lhe parece mais plausível como "verdadeiro" e despreza os demais.
Além disso, o alvo desses livros é o grande público. Que não está interessado em entender coisas complexas. Quer diversão. Assim, esses livros normalmente são narrativas muitíssimo bem escritas, bastante divertidas, nas quais personagens absolutamente únicos pairam sobre a sociedade em que vivem, e suas ações são completamente livres das amarras do mundo em que viveram.
Em suma, esses livros se parecem muito com o que os historiadores produziam no século XIX. Grandes homens, atuando sem condicionantes históricos, realizando grandes fatos. A diferença desses livros para o que homens como Ranke ou Varnhagen escreviam há 150 anos é apenas uma: esses livros adoram ridicularizar esses "grandes personagens", como forma de parecerem "críticos". Só isso.
Até aqui estas linhas soam como se eu achasse que a história escrita por esses jornalistas é primária e amadora. De fato é, mas minha opinião envolve outros elementos. A nossa história acadêmica não é lá muito melhor. Para começar escrevemos muito mal, ninguém em sã consciencia vai ler um livro nosso para se divertir. Não se trata de escrever "dificil" porque o tema assim pede. Mas de escrever mal mesmo. Escrevemos dificil por incapacidade, pois nossas idéias não têm nada de complexas. Claro, também há o pedantismo. Mas o principal é a incapacidade mesmo. Não somos treinados para nos preocupar com quem nos lê, algo no qual os jornalistas são os mestres supremos.
Mas o principal do meu argumento é o seguinte. Nós escrevemos para nós mesmos. Não há mal nisso. Vá a qualquer livraria e voce encontrará pilhas de livros escritos por advogados para advogados, de médicos para médicos e assim por diante. O que fazemos não é o que o leitor comum quer. Não temos a intenção de divertir, entreter ou animar uma conversa, e nem podemos. Nossa função não é essa. A escola dos Annales, a mais importante do século XX, perdeu todo o seu caráter renovador em meados dos anos 1970, quando seus membros desistiram da vida acadêmica e resolveram publicar livros divertidos para o público médio. Alguns desses livros são excepcionais, como os do gênio Georges Duby. Mas se voce procura inovação, esqueça.
Esses livros de jornalistas ocupam esse espaço. Não são história no sentido que os acadêmicos a entendem. São entretenimento. Divertem muito bem seu leitor. O problema é achar que é possível aprender história neles. Em termos teóricos e metodológicos esses livros são desastrosos, e não poderia ser de outra forma, já que escritos por amadores no ramo. Neles a diversão é garantida. Mas que não se cogite aprender história com eles. A preocupação desses livros é outra. Mas não há problema nisso. Eles estão para a história como as novelas da Globo estão para os estudos de teatro e cinema. A esfera é outra, os participantes são outros, o resultado é outro. Sem preconceito. Apenas o óbvio reconhecimento de que são coisas distintas.
Embora tenham propostas diferentes, História e Jornalismo são baratos afins, complementares e bebem um na fonte do outro. A proposta da primeira é científica, aprofundada e a do segundo é informar e o mais rápido possível e ser atual. Pra esquentar a discussão, digo que nenhum editorial de jornal é tese acadêmica, por falta de espaço, tempo e pela própria característica. Entretanto, pode vir a ser um trabalho acadêmico, se o historiador/jornalista/pesquisador se empenhar nisto.
ResponderExcluirCom relação à reportagem, o bom Jornalismo prega que é preciso ouvir todos os lados e confrontar versões - embora sempre no final prevaleça a linha editorial do veículo de mídia. Não vejo problema nisso, desde que seja declarada, clara e estabelecida a linha editorial do veículo.
Matou a pau Tiago!
ResponderExcluirHistoriador escrevendo em Blog, até q se sai bem. rsrsrs. Mas enfim, o Tiago tem razão, pois são gêneros discursivos distintos e com funções sociais/poderes distintos também. E tem lugar pra todos.
ResponderExcluirMuito bom! Matou a pau mesmo!
ResponderExcluirTiago, esse texto você elaborou basando-se livros recentes do Narloch? Abraço;
ResponderExcluirBem observado, Burú!
ResponderExcluirVou começar a escrever um livro de história agora mesmo só pra reforçar seu ponto. Quando ficar ponto te chamo pra prefaciar...
Grande abraço, vindo pro RJ ou Campinas me avisa.
Bassi