terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O Saudosismo e seus Perigos



Li em algum lugar que hoje é dia da saudade, do saudosismo, algo que o valha. Não dei muita importância, já que há data para tudo nessa vida. Mas aí calhou que foi justo quando estava voltando de uma viagem (que justifica a ausencia de atualizações no blog na semana que passou) à cidade onde cresci, com a qual me identifico. Uma semana de nostalgia pura, de olhar para um terreno baldio e pensar "caramba, ali ficava o bar onde tomei meu primeiro porre!". Ou de olhar para o moderníssimo Estádio da Cidadania e suspirar lembrando das velhas arquibancadas de madeira do estádio Silvio Raulino de Oliveira, onde eu tantas vezes sofri pelo Voltaço.
Não há nada de mal nesse tipo de saudosismo. Faz parte da vida, em especial daqueles que, como eu, estão sentindo o peso da idade. Desde que, é claro, você tenha plena consciência de que na verdade você sente falta não dessas coisas, mas da vida que voce tinha. Não tenho nenhuma saudade do Chopp Verde, um boteco horrível, mas da sensação da descoberta, como se o mundo estivesse cheio de novidades excitantes me esperando. Claro que o atual estádio é muitíssimo melhor que o antigo, o que eu sinto falta é de ter 15 anos e ir com meus amigos de infância para o velho Raulino, encontrar amigos e parentes, voltar pra casa a pé. Em suma, a saudade é de uma vida sem preocupações e com todas as pessoas amadas por perto.
O diabo é quando as pessoas REALMENTE acham que antes as coisas eram melhores. Quantas vezes voce não ouviu falar de um tempo mítico em que as pessoas se respeitavam, a educação era ótima, todos eram religiosos, e coisas do gênero?
Claro que elas não dizem que as crianças brasileiras morriam em número alarmante, ou que a tal educação de qualidade era para uma minúscula parcela da população. E sobretudo se "esquecem" do seguinte: as coisas não eram melhores que hoje, só eram mais organizadas. E eram assim por um motivo muito simples: as pessoas não tinham escolha. Todos iam à Igreja porque não tinham opção. Pais e professores eram "respeitados" porque se não o couro comia.
Não tenho nenhuma saudade disso. Acho uma maravilha poder dar todo o respeito à minha mãe e não ter nenhum contato com meu pai. Ela mereceu meu respeito, ele não. Foi maravilhoso pra mim poder ter devorado cada palavra dos professores que fizeram por merecer, e dormir nas aulas dos picaretas. Acho ótimo que eu tenha tido a liberdade de escolher minha religião, e ter crescido num ambiente laico, até fazer minha opção pelo espiritismo kardecista. Não acho que minha vida teria sido melhor se eu não tivesse tido essas opções, muito pelo contrário.
No fundo há uma questão política por trás de toda essa nostalgia. O que norteia esses discursos ultra-saudosistas é essencialmente isso. Saudade de um tempo em que os negros ficavam quietinhos limpando o chão da nossa casa, ao invés de dançar funk. Vontade de sentar porrada no filho gay e obrigá-lo a se casar e viver uma vida de sofrimento ao invés de ter de aceitar que ele jamais será o que seus pais imaginavam. Saudade de abaixar a cabeça para políticos tiranos e corruptos, fingindo acreditar que eles eram pessoas superiores, ao invés de ser obrigado a acompanhar o cenário político e tentar separar por conta própria aqueles que merecem o seu respeito daqueles que não o merecem.
Em suma, a modernidade nos deu escolhas. Uma coisa ótima. Mas há quem não goste. Para esses, é insuportável lidar com o fato de que há pessoas que pensem diferente deles. Talvez pior, essas pessoas odeiam o fato de terem de fazer escolhas e lidar com as consequencias delas. Preferiam ser cordeirinhos que nada mais faziam que obedecer, pois aí não precisavam pensar.
No fim, nada muda o fato de que é uma delícia temperar nossa vida estressante com algumas pitadas de lembranças agradáveis de outros tempos. É uma necessidade, uma forma de sobreviver. Mas ir além disso é endossar uma visão extremamente reacionária do mundo e preferir viver num planeta de zumbis.
PS: na foto, eu e meu primo Rafael, em 1978
PS2: este post foi escrito ao som da música abaixo, em pleno clima de saudosismo

domingo, 22 de janeiro de 2012

Morte aos acadêmicos



Sempre ouço pessoas que se identificam como progressistas reclamando dos "acadêmicos". Nesse discurso, somos um bando de babacas arrogantes que passam a vida estudando inutilidades e se achando os fodões, enquanto se lixam para o mundo real. Será?
A parte da arrogância eu entendo, ainda que parcialmente. Reconheço que muitos colegas de fato são egomaníacos estúpidos, os famosos "PHDeuses", no nosso linguajar. Mas o que pergunto é: isso é uma exclusividade nossa? Médicos, advogados, jornalistas e demais profissionais são em sua maioria pessoas humildes dispostas a morrer pelo bem estar da humanidade sem nenhuma vaidade? Sinceramente não vejo isso. Alguém vê?
Sobre o descolamento da realidade, pra mim a coisa fica mais absurda. A meu ver há aí um erro crasso de compreensão sobre o que é nosso trabalho. Claro que a maior parte do que escrevemos é para nós mesmos. Nem poderia ser diferente. Essa profissão tem como objetivo a pesquisa avançada, um campo em que poucas pessoas estão habilitadas a compreender o debate. Depois que as descobertas e teses são confirmadas pela comunidade acadêmica, se dá um segundo passo, em que a novidade passa a ser do conhecimento geral.
Por exemplo: as obras de Darwin ou Einstein não foram escritas para o cidadão comum, mas para colegas acadêmicos. Quando suas teses se transformaram em consenso, chegou a hora da divulgação, em que profissionais não acadêmicos puderam conhecê-las e assimilar as novidades. Isso não é necessariamente função dos acadêmicos. Ninguém xinga Darwin ou Einstein por não terem escrito para o leitor médio. Isso não era parte do trabalho deles.
Assim, nós, historiadores (para falar da minha área) não estamos, na maior parte do tempo, escrevendo para o público médio. Essa não é a nossa função. Estamos fazendo investigação científica de ponta. Uma vez confirmadas as nossas idéias, é a hora de as mesmas serem difundidas. Alguns de nós até se ocupam de fazer isso. Mas não é essa a nossa função primordial.
O que quero dizer é: se os jornalistas que escrevem livros de história para o grande público, os autores de livros didáticos de história, os roteiristas de cinema e TV, não dão a mínima para o que fazemos, a culpa é nossa? Se as editoras de livro didático não querem gastar dinheiro com livros novos e acham melhor recauchutar obras velhas e desatualizadas, por que isso vai ser debitado na nossa conta? Se essa gente toda acha que nós, que estudamos e pesquisamos história a vida inteira, somos pedantes babacas que não sabem nada, tudo bem, direito deles. Mas a sociedade nos culpar por isso é um pouco demais, não?
Em suma, há acadêmicos da pior espécie. Há toneladas de babacas, arrogantes e inúteis nesse meio. Mas em outras profissões é diferente? Não acho que seja. Só acho que há uma imensa campanha para deslegitimar a universidade pública brasileira, tentando pintá-la como um viveiro de inúteis que gastam dinheiro público com tolices. E o triste é que haja tanta gente que aceite esse discurso de direita como se fosse algo progressista e questionador. A prova de que ingenuidade não escolhe tendência política.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Revolta elitista



Não gosto de BBB. Não vejo a menor razão para ver pessoas desinteressantes dando suas opiniões medíocres sobre assuntos idiotas. Mas não me irrito com o programa: é só não ligar na Globo no horário em que ele é veiculado e pronto. Como qualquer consumidor, é só exercer o direito de escolha.
O chato são as malas com aquela pregação insuportável sobre o programa. Aquela intolerável carência que tanta gente tem, de querer posar como cidadão consciente em um mundo de alienados, como luz da inteligência em um universo de idiotas. Aí fazem a maior pose e dizem tolices tipo "o sucesso do BBB prova a indigência da educação brasileira". Bem, então favor explicar porque o programa foi criado na Holanda e é sucesso no mundo todo, desenvolvido ou não.
A enorme repercussão do comentário do jornalista Carlos Nascimento ("já fomos mais inteligentes", provavelmente se referindo ao mítico período pré-BBB e Luíza, quando o mundo era muito mais legal do que hoje) botou fogo nesse pessoal. Meu facebook foi inundado de tolices sobre a decadência cultural, etc.
Então vamos lá, minha gente. O discurso da "decadência cultural" sempre foi um patrimônio da direita. Por uma razão muito simples. O que está implícito é: há 500 anos havia Leonardo da Vinci, há 250 havia Beethoven e hoje hé BBB e Luíza. Ora, o grau de elitismo presente nessa tese é absurdo. Quantas pessoas tinham acesso às pinturas de Da Vinci ou às composições de Beethoven? Dane-se, o que importa é que nós, a elite, nos diferenciávamos muito facilmente daquela massa de camponeses ignaros. Só nós sabiamos ler, tinhamos nossas roupas e ficávamos em circuitos elegantes apreciando obras que os ignorantes nem sabiam existir.
Ou seja, o discurso da "decadência cultural" é um discurso da "diferenciação de classe". Antes só os de "bom gosto" (leia-se "a elite") podiam falar, o que fazia com que a cultura fosse de alto nível. Hoje essa pobraiada imunda pode falar a vontade, tem orkut, aí olha só o resultado: BBB e Luíza. Bleargh! Que gentinha!
É fácil notar porque esse discurso é tão de direita. Presume que o mundo se divide entre uma elite culta, e que por isso pode falar à vontade, e um bando de gente ignorante, aos quais só cabe ficar quieto a admirar seus superiores. Um raciocínio que tinha sua validade na Idade Média. No século XXI é ridículo. Principalmente na boca de pessoas que fingem ser questionadoras mas nada mais são do que um bando de autoritários que querem decidir do que os outros devem gostar, já que eles são ignorantes demais para fazer suas próprias escolhas.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Elis, 30 anos depois



Sou de uma geração que cresceu sentido pânico do "Plantão da Globo". A qualquer momento podia entrar aquela música pavorosa interrompendo a programação, seguida de alguma notícia que aterrorizava o país. Há 30 anos atrás isso aconteceu: o vale a pena ver de novo foi interrompido para a notícia da morte de Elis Regina.
Pra ser sincero nunca entendi a adoração que todo mundo tem por ela. Que foi uma grande cantora não há o que discutir. Mas não a vejo acima de outros grandes nomes de sua geração. Não tinha a voz de Clara Nunes, a interpretação de Maria Bethânia ou a potência de Gal Costa. E durante boa parte dos anos 70 parecia encantada com arranjos chatíssimos, como que conformada em ser a melhor cantora de piano bar do mundo.
Por outro lado entendo que ela tenha sido provavelmente a cantora mais completa de sua geração. Desempenhou um papel mais ou menos semelhante ao de Angela Maria (com quem tantas vezes foi comparada) nos anos 50. Se estivéssemos falando de uma escola de samba, Elis não teria a maior nota na maior parte dos quesitos, mas teria notas altas em todos, e poderia ser a campeã. Mas isso não é exatamente empolgante. Não justifica a idolatria que coloca Elis muitíssimo acima de todas as cantoras que já viveram neste país, que é como a maioria a vê.
Suponho que ela tenha sido a cantora certa no lugar certo na hora certa. Nos anos 60, quando pegava fogo o debate sobre "música nacional" x "música cosmopolita", Elis atropelava a distinção, cantando excepcionalmente bem coisas dos dois grupos. As gravações que sobreviveram do programa "Fino da Bossa" são particularmente reveladoras. Mostram uma certa intenção de cantar o repertório "nacional", mas na prática sem nenhuma amarra. Nessas gravações absolutamente espetaculares, Elis atinge (não sei em que medida de forma intencional) um ponto que posteriormente os tropicalistas alardeariam ter inventado. Cantava música nacional de forma cosmopolita. Uma maravilha completa. Com isso, ela tocou os corações e mentes de todos. Para uns, provava que o nacionalismo não precisava ser tacanho, e para outros mostrava que era possível ser brasileira e cosmopolita rigorosamente ao mesmo tempo.
E se ela se perdeu na década de 70, voltaria a se encontrar, ao se tornar a grande voz daquele momento em que a ditadura perdia força e finalmente o país começava a respirar ar puro novamente. Suas grandes gravações de autores como Milton Nascimento, Gilberto Gil e João Bosco/Aldir Blanc a transformaram em um poderosíssimo símbolo daquele momento histórico.
Eu gosto muito dessas duas fases dela, e pra mim a Elis que fica é essa. Mas o que realmente me parece fora de qualquer parâmetro de comparação é sua gravação de "Como Nossos Pais", de Belchior. Uma interpretação absolutamente fenomenal, que transformou uma canção interessante num clássico da música brasileira. Cada vez que ouço essa gravação é como se alguém arrancasse minha pele inteira. Incomparável.








domingo, 15 de janeiro de 2012

A luta contra as drogas e a nova indústria da seca



O tema do combate às drogas voltou à pauta com a desastrada ação na cracolandia paulista. A polarização é a de sempre. Gente, como eu, que acha que esse tipo de ação é desumana e ineficaz e gente que acha que "tem pena deles? leva pra sua casa!", são os clássicos que acham que viciados são vagabundos e merecem porrada mesmo.
Acho a discussão ótima. Mas acho que falta um dado. Li alguns colegas, com os quais normalmente concordo, dizendo que a ação de Alckmin/Kassab reflete um país que ainda não se livrou de fato da visão de mundo ditatorial. Aí eu não concordo. O ponto de vista que alimenta esse tipo de ação é comuníssimo em países que nunca conheceram ditaduras, como os EUA. Não acho que seja por aí.
Vamos tentar por outro lado: a eficácia do método. Uma pessoa tem de ser excepcionalmente estúpida para achar que essa ação vai resolver algo. Ou alguém acha que expulsando os viciados dali eles irão para casa, tomarão um banho, vão procurar emprego e resolverão sua vida? Óbvio que eles irão para outro lugar. O pesadelo apenas se desloca geograficamente.
O mesmo vale para o combate ao tráfico. A discussão normalmente opõe gente que teve orgasmos assistindo o Bope torturando traficantes em Tropa de Elite e acha que "tem de sentar porrada nesses marginais" aos que encaram as drogas como um problema social. Só que a questão também tem de ser encarada sob a ótica da eficácia. Esse modelo de criminalização e combate ao tráfico resolveu algo?
Não sou nenhum especialista. Mas desde que me conheço por gente vejo a mesma história: políticos se elegem com a bandeira do combate ao tráfico, morros são ocupados, drogas são apreendidas, traficantes são presos ou assassinados, e o tanto o tráfico quanto o consumo não param de crescer. Mesmo quem acha que traficantes e usuários nada mais merecem além da morte não há de estar feliz com esse modelo pelo simples fato de que não está funcionando. Ações desse tipo são repetidas incessantemente sem que qualquer resultado tangível seja alcançado.
Tampouco defendo o "liberou geral" sob o ingênuo argumento de que se as drogas forem liberadas os traficantes virarão motoristas de ônibus ou varredores de rua por falta do que vender (claro que nesse caso o esquema do tráfico se voltará para outros ofícios, como tráfico de armas e coisas do gênero, e a violência seguirá vivíssima). Só acho que temos de discutir com seriedade o que fazer. O modelo atual fracassou completamente. Ou melhor, não exatamente.
O modelo atual funciona muito bem para certos tipos de pessoas. Para o político demagogo que vive dos votos dos ingênuos que acham que umas porradinhas em traficantes resolvem os problemas ele funciona perfeitamente. O mesmo vale para os Datenas da vida ou os policiais e militares alçados ao posto de heróis do dia por ações sem nenhuma relevância, como matar um traficante que será substituído por outro 5 minutos depois.
Ou seja, o combate ao tráfico se transformou em algo muito parecido com o que era a velha indústria da seca. Faz a vida de pilantras e demagogos, que se transformam em heróis e drenam preciosos recursos públicos para ações que muito evidentemente não resolverão nada. A grande diferença é que desta vez o público-alvo da enganação vive em cidades, tem acesso à informação, tem todos os elementos para perceber claramente que esse tipo de ação não resolve nada. E segue cultivando o auto-engano.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Imigrantes negros: sempre indesejáveis



Leio sobre as preocupações brazucas com a possibilidade de imigrantes haitianos inundarem o país. Penso que se houvesse navios de italianos, franceses e alemães esquálidos pela crise européia querendo morar no país a coisa seria diferente. Seria comemorado como um triunfo brasileiro. E aí a sensibilidade de historiador entra em campo para lembrar de uma historinha.
Há 91 anos o Brasil aprovava a chamada "lei dos indesejáveis". Fruto de uma imensa decepção das nossas elites com o imigrante europeu. Nos 30 anos anteriores o governo havia patrocinado a vinda de europeus com uma suposição. Ao contrário dos indolentes, preguiçosos e ingratos ex-escravos, os europeus trabalhariam até morrer ganhando pouco e sem reclamar. E de quebra ainda embranqueceriam o país.
Mas não foi o que aconteceu. As elites viram outra coisa. Os imigrantes tinham outros planos. Queriam enriquecer rápido e voltar. Alguns enriqueceram mesmo, para desespero dos dominantes. Os que seguiram na classe trabalhadora também foram um desapontamento: queriam salário justo e condições decentes de trabalho, nem que fosse à custa de greves. Era o inferno feito realidade. Era hora de barrar os "piores tipos" de imigrantes (de cabeça me recordo que a lei citava anarquistas, prostitutas, deficientes e mendigos).
No entanto ao mesmo tempo apareceu um problema devastador: negros norte-americanos, cansados de serem alvo de racismo violento, se preparavam para morar no Brasil. Se europeus já estavam se tornando indesejáveis, imagine negros norte-americanos? Imediatamente o nobre deputado Cincinato Braga (nome de rua em muitas cidades) apresentou um projeto proibindo a imigração de negros para o Brasil.
A imprensa delirou de alívio. O tom geral era: a bondade dos brancos brasileiros havia criado uma sociedade sem racismo. Mas seria um abuso se, além de cuidarmos dos nossos negros, termos ainda de resolver os problemas dos negros dos outros. "Não queremos um viveiro de pretos", escreveu um jornalista. A revista Careta (uma espécie de Veja da época) não teve piedade: negros eram filhos do capeta, e a prova é que tinham cheiro de enxofre. Seria intolerável aceitar esses imigrantes.
Ao fim a lei não passou. Os deputados sequer permitiram que ela fosse votada. Certamente perceberam a contradição de dizer "não aceitamos negros por sermos uma democracia racial", como propunha a imprensa. Mas no fim deu tudo no mesmo, já que o governo brasileiro agiu em conjunto com o norte-americano (que colocou até o FBI na história) para, discretamente, através de burocracia consular, impedir esses imigrantes de vir para cá.
Um país orgulhoso de sua democracia racial mas que não aceita imigrantes negros por achar que eles introduzirão um elemento de "desequilíbrio", algo que não aconteceria com imigrantes brancos. 1921 ou 2012?
PS: se voce não conhece essa história da proibição da imigração negra, informo que ela foi bem estabelecida por pesquisadores como Jair de Souza Ramos, George Reid Andrews e minha amiga Micol Seigel. Minha própria contribuição ao assunto (mais centrada no debate sobre a lei) está aqui: http://www.scielo.br/pdf/eaa/v25n2/a05v25n2.pdf

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Lamartine 108



Há 108 anos nascia um nome histórico da música brasileira: Lamartine Babo, a cara de um certo momento da música brasileira. Na chamada "era de ouro", quando as marchinhas de carnaval eram os maiores sucessos da música brasileira, Lamartine Babo reinava. As marchinhas eram sua especialidade, e raro era o ano em que os foliões não cantassem com entusiasmo alguma nova criação sua.
Não curto muito marchinhas. Mas é só conhecer melhor a produção de "Lalá" para ver que ele era versátil o bastante para produzir outros tipos de canção em alto nível. Provavelmente você saiba que ele compôs também os hinos dos clubes cariocas, fazendo com que eles sejam absurdamente acima da média, já que apenas Grêmio e Santa Cruz tiveram seus hinos compostos por alguém comparável a Lamartine (Lupicínio Rodrigues compôs o do Grêmio. O hino oficial do Santa Cruz foi composto pelos Irmãos Valença, co-autores, com Lamartine de "O Teu Cabelo Não Nega"; mas o hino efetivamente cantado pela torcida é outro, de autoria do craque Capiba).
Mas ele não ficou por aí, e fez coisas muito boas em outros gêneros. Talvez a mais conhecida seja "No Rancho Fundo", que compôs com Ari Barroso. Mas a minha favorita é "Serra da Boa Esperança", lindíssima canção de 1937. E que recebeu uma gravação absurda de Francisco Alves, talvez a melhor interpretação que eu já tenha escutado na vida por parte de um cantor popular.
Caso você não se convença com essa pérola, ainda abaixo vai outra obra estupenda do mestre: a lindíssima valsa "Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda". Que como toda boa valsa que se preze, foi interpretada pelo mestre supremo do gênero, o monstro Carlos Galhardo. Com cartões de apresentação como esses, as palavras ficam dispensáveis.






Revolucionários de merda

Provavelmente você tenha visto o vídeo da agressão absurda de um PM contra um estudante da USP (se não viu, veja ao fim do post). O aluno em questão não fez nada além de não mostrar sua carteirinha de estudante para um policial, e apanhou. Depois, ao ver que estava sendo filmado, o PM tampa com as mãos sua identificação, o que mostra que sabia perfeitamente que estava fazendo besteira.
Desnecessário dizer que a atitude extrapola completamente o dever da polícia. Não havia qualquer risco, o estudante não estava armado, não havia qualquer razão para supor que o jovem pudesse cometer um ato de violência, e pelo que vi no vídeo não estava acontecendo nada de ilegal.
Para minha total surpresa, as pessoas que defendiam a presença da PM na USP não se abalaram com isso. Acham que o PM pode ter "cometido excessos", mas que o estudante é um "revolucionário de merda" e merecia apanhar mesmo. Um discurso inteiramente coincidente com o dos defensores dos regimes militares latino-americanos: "Pinochet pode ter exagerado, mas os caras eram comunistas, algo tinha de ser feito contra eles para nos salvar", coisas assim.
Isso me deu o que pensar. De onde vem tamanha raiva contra estudantes de esquerda? É proibido estudante ser de esquerda? Estudante de esquerda é "revolucionário de merda", então estudante de direita é o que? "Gênio que ilumina a humanidade"?
Uma coisa que me entristece nessa história é ver que lentamente a direita consegue convencer a sociedade de que a universidade pública é uma excrescência, um lugar onde se torra fortunas para maconheiros filhos de papai aprenderem inutilidades ou, pior, "ideologias subversivas". E constato, triste, que realmente era inevitável que isso acontecesse. O investimento foi pesado.
Por exemplo: um estudante foi pego fumando maconha na universidade onde trabalho. Escândalo geral na mídia. Uma pessoa foi estuprada lá dentro. Ninguém reclamou, a notícia nem saiu. Parece óbvio que ninguém está preocupado com a criminalidade ou com a segurança dos estudantes. O que se deseja é apenas e tão somente caracterizar aquele espaço como uma balbúrdia financiada com dinheiro público.
A longo prazo, o resultado desse massacre a que a população é submetida há um bom tempo parece bem claro. Aos poucos as pessoas vão se convencer que universidade pública é uma bobagem. Que as melhores universidades do mundo são particulares. Que nossas universidades particulares são maravilhosas e competem pau a pau com Harvard e Oxford. E que o modelo correto é a extinção dessa máquina de maconheiros e esquerdistas para que nossas maravilhosas universidades particulares, esses templos da produção de conhecimento, dominem sozinhas o cenário.
Pobre não vai poder estudar, claro, mas isso é um detalhe. O que importa é acabar com os "revolucionários de merda". Afinal, estudante querer ser de esquerda é o grande mal do universo. Quando os "revolucionários de merda" acabarem, todos nossos problemas acabarão junto. E nossa universidade será perfeita.




sábado, 7 de janeiro de 2012

A História segundo os jornalistas

Sempre me perguntam o que eu acho dos livros históricos escritos por jornalistas, muitos dos quais ocupam boas posições na lista dos mais vendidos. Normalmente entendem pela minha resposta que eu desprezo esses livros, e atribuem isso a preconceito acadêmico. Voce sabe como é: nós acadêmicos somos todos arrogantes e achamos que só nós sabemos de tudo, e odiamos essas pessoas por atingirem o grande público, coisa que não conseguimos, etc. etc.
A questão é: eu não acho isso. Só que pra mim esses livros, em sua grande maioria, pertencem a um gênero bem diferente daquilo que nós produzimos na academia. São escritos por pessoas com formação e experiencia totalmente diferente da nossa, para um público totalmente diferente. Então é inviável comparar. O que digo é simplesmente: não acho que esses livros sejam o mesmo tipo de história que nós fazemos.
Pra começar: são livros escritos por pessoas que não são historiadoras. Não dominam o universo sobre o qual escrevem, e nem poderiam. Assim, é muito frequente que nessas obras tudo apareça de forma muito descontextualizada, como se as coisas acontecessem por encanto. Ou melhor, como se coisas absolutamente triviais servissem para explicar processos extremamente complexos.
E há outro fator complicador. Nós, historiadores, somos treinados desde o primeiro dia da graduação para compreender o ponto de vista de quem fala. Afinal, quando vamos estudar um contexto qualquer vamos ler milhões de pontos de vista sobre o assunto, tanto de contemporâneos quanto de historiadores. Nosso dever é entender que estamos lidando com discursos, e que cada um tem sua legitimidade. O jornalista não faz isso. Confrontado com pontos de vista diferentes escolhe o que lhe parece mais plausível como "verdadeiro" e despreza os demais.
Além disso, o alvo desses livros é o grande público. Que não está interessado em entender coisas complexas. Quer diversão. Assim, esses livros normalmente são narrativas muitíssimo bem escritas, bastante divertidas, nas quais personagens absolutamente únicos pairam sobre a sociedade em que vivem, e suas ações são completamente livres das amarras do mundo em que viveram.
Em suma, esses livros se parecem muito com o que os historiadores produziam no século XIX. Grandes homens, atuando sem condicionantes históricos, realizando grandes fatos. A diferença desses livros para o que homens como Ranke ou Varnhagen escreviam há 150 anos é apenas uma: esses livros adoram ridicularizar esses "grandes personagens", como forma de parecerem "críticos". Só isso.
Até aqui estas linhas soam como se eu achasse que a história escrita por esses jornalistas é primária e amadora. De fato é, mas minha opinião envolve outros elementos. A nossa história acadêmica não é lá muito melhor. Para começar escrevemos muito mal, ninguém em sã consciencia vai ler um livro nosso para se divertir. Não se trata de escrever "dificil" porque o tema assim pede. Mas de escrever mal mesmo. Escrevemos dificil por incapacidade, pois nossas idéias não têm nada de complexas. Claro, também há o pedantismo. Mas o principal é a incapacidade mesmo. Não somos treinados para nos preocupar com quem nos lê, algo no qual os jornalistas são os mestres supremos.
Mas o principal do meu argumento é o seguinte. Nós escrevemos para nós mesmos. Não há mal nisso. Vá a qualquer livraria e voce encontrará pilhas de livros escritos por advogados para advogados, de médicos para médicos e assim por diante. O que fazemos não é o que o leitor comum quer. Não temos a intenção de divertir, entreter ou animar uma conversa, e nem podemos. Nossa função não é essa. A escola dos Annales, a mais importante do século XX, perdeu todo o seu caráter renovador em meados dos anos 1970, quando seus membros desistiram da vida acadêmica e resolveram publicar livros divertidos para o público médio. Alguns desses livros são excepcionais, como os do gênio Georges Duby. Mas se voce procura inovação, esqueça.
Esses livros de jornalistas ocupam esse espaço. Não são história no sentido que os acadêmicos a entendem. São entretenimento. Divertem muito bem seu leitor. O problema é achar que é possível aprender história neles. Em termos teóricos e metodológicos esses livros são desastrosos, e não poderia ser de outra forma, já que escritos por amadores no ramo. Neles a diversão é garantida. Mas que não se cogite aprender história com eles. A preocupação desses livros é outra. Mas não há problema nisso. Eles estão para a história como as novelas da Globo estão para os estudos de teatro e cinema. A esfera é outra, os participantes são outros, o resultado é outro. Sem preconceito. Apenas o óbvio reconhecimento de que são coisas distintas.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Preconceito: um jogo soma zero?

Jogo soma-zero é como se denomina habitualmente um confronto em que o ganho de um necessariamente implica em uma perda correspondente para outro. E é assim que a direita mais histérica tende a ver o mundo.
Para eles, defender os direitos dos negros é ter "preconceito ao contrário". Lutar contra a opressão da mulher é querer acabar com todas as diferenças entre os sexos e instaurar uma supremacia feminina. Defender o diretos das pessoas a exercer livremente sua orientação sexual é criar uma "ditadura gay". E por aí vai.
É compreensível que eles nos vejam assim. Afinal, nada mais fazem do que projetar em nós a visão de mundo deles. Para eles o mundo é dos homens brancos heteros, etc. etc. E sabem muito bem que isso só pode acontecer à custa dos grupos subalternos. Eles sabem que seu privilégio depende da exploração alheia. Em palavras mais simples: não existem senhores se não houver escravos. Essa gente sabe disso.
Nada mais normal, portanto, que se sintam escandalizados ao ver esses grupos subalternos pedindo igualdade. Sabem que isso ameaça o status deles. E como não conseguem ver o mundo de forma diferente de um jogo soma zero, vociferam que queremos roubar algo deles. É algo irracional, que absolutamente não se sustenta. Mas é o bastante para enganar os de espírito crítico mais pobre.
Essas pessoas simplesmente não são capazes de entender que o que queremos é que todos tenham os mesmos direitos e oportunidades, nada mais do que isso. Ninguém no mundo defende supremacia negra, feminina, gay, e por aí vai. Mas é o que essas pessoas escutam. Pra elas, o mundo só pode funcionar na base da soma zero. E que vigore a lei do mais forte.
Essas pessoas jamais entenderão a nossa lógica. Que é expressa de forma inapelável no vídeo abaixo, feito para a vitoriosa campanha de reeleição de Cristina Kirchner, tematizando a aprovação da lei que estabeleceu a igualdade civil para os homossexuais:
"No dia seguinte à sanção de uma lei tão importante, me levantei com os mesmos direitos que tinha antes da sanção. Ninguém havia tirado nada de mim, e eu não tinha tirado nada de ninguém. Pelo contrário: havíamos dado a outros coisas que lhes faltavam e que nós já tínhamos"


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Depressão



Peço permissão aos leitores do 171nalata para fugir ao tom geral do blog, e contar uma história muito diferente de tudo o que foi publicado aqui. Desta vez o tom é pessoal.
Há anos atrás eu tinha uma vida que muitos consideravam ótima. Morava sozinho, ganhava bem, era magro, circulava pelas noites mineiras sem absolutamente nenhum freio. Dito assim parece perfeito. Mas não era. Eu carregava um monstro dentro de mim: a depressão.
Funcionava da seguinte maneira: tudo parecia perfeito. Dinheiro e mulher sobrando. O sonho de todo homem solteiro. Mas todo dia eu abria os olhos e não conseguia me mexer. Não via motivos para levantar da cama. Lá pelas 3 da tarde eu conseguia levantar, sentava no sofá. As 18 horas eu sentia alguma força, ia dar aula. Ninguém percebia, pois a sala de aula sempre me fez forte. Eu saía da universidade, bebia todas, e ia pra casa chorar feito criança. E no dia seguinte tudo começava de novo.
Um dia tentei me matar. Minha melhor amiga me levou para um psiquiatra. O diagnóstico foi terrível: eu sofria de uma forma crônica de depressão chamada distimia. Mas ela havia se transformado em depressão forte. Recebi remédios para melhorar. Não adiantou. Tomei todos de uma vez pra ver se morria logo. Pelo que soube depois minha constituição física forte e os anos dedicados ao esporte fortaleceram meu corpo a ponto de bloquear a overdose de antidepressivos e ansiolíticos. A única sequela foi a tremedeira nas mãos que me acompanha até hoje.
Os remédios não ajudaram nada. Toda madrugada eu pensava em morrer. Só pensava em ir para o prédio mais alto da cidade em que eu vivia e pular lá de cima. Graças ao destino, Deus, ou seja lá quem for, antes disso eu ligava de novo para a amiga citada, que me convencia, noite após noite, a não fazer isso.
No fim quem me salvou foi uma comunidade para depressivos do orkut. Um lugar onde ninguém dizia aquelas coisas bem intencionadas mas horríveis, tipo "não deixe isso tomar conta de voce", "voce está assim porque quer". Coisas que pessoas bem intencionadas mas absolutamente ignorantes nessa doença falam. Não somos assim porque queremos. É uma doença. Você critica uma pessoa gripada por querer ficar doente? Pois é, depressão é uma doença. Não queremos auto-ajuda, que nos faz sentir ainda pior. Só queremos compreensão.
Até hoje sinto os efeitos da depressão. Choro fácil, acho a vida uma merda, não sinto muito gosto nas coisas. Mas sobrevivi. Nós depressivos somos sobreviventes. Cada dia superado é uma vitória. E como aprendemos a enfrentar a vida com esse problema, ninguém acredita que dentro de nós existe esse monstro. Seguem achando que é frescura, invenção, ou algo assim. Sem fazer idéia do quanto estar vivo é uma vitória para nós.

O Rock Errou




Imagens como a que se vê acima inundaram o facebook nos últimos tempos. A mensagem é clara: rock é música de pessoas brancas, bonitas e bem nascidas. Ao contrário, funk é música de preto, pobre, ignorante e de mau gosto. Você pode dizer que isso é besteira de gente preconceituosa, e é isso mesmo. Mas é mais do que isso. Na verdade o que está indicado aí é algo muito mais profundo, e diz respeito ao que o rock é hoje em dia.
Rock sempre foi música de adolescentes revoltados. Não foi só isso, mas esse era o núcleo. Aquilo que era conhecido como "o espírito do rock" era um punhado de jovens com muito ódio e pouco sexo, dispostos a vociferar contra um mundo que lhes parecia intolerável. Ou seja: rigorosamente nada a ver com o retrato pintado pelos "rockeiros de facebook".
Mas é compreensível que os "rockeiros" apelem para esse tipo de imagem. Há uns bons 20 anos o rock se mostra incapaz de mostrar algo realmente novo. Desde o Nirvana e sua geração, o cenário do rock é pouco interessante. De um lado há bandas velhas que nada tem de novo a dizer, e tocam musicas velhas por milhões de dólares enquanto balançam a enorme pança adquirida em mansões e festas de high society. Por outro lado há artistas mais novos, que nada mais fazem do que requentar idéias velhas, inserindo uma ou outra novidade secundária.
Em suma: o rock perdeu toda a sua vitalidade. Hoje é um gênero que tem como base social pessoas de classe média que estão na meia idade, com sua vida tranquila e barriga próspera. Seu espaço tradicional foi ocupado por outros gêneros, inclusive o funk. Por isso a raiva.
E por isso essa raiva se expressa de forma tão preconceituosa. Rockeiros olham para o funk hoje exatamente como os fãs de MPB olhavam os roqueiros há 25 anos. Por uma razão muito clara: o rock hoje ocupa o mesmo espaço social da MPB daquele tempo. Se transformou em algo tão conformista e elitista como a MPB foi e é. Ou vocês acham coincidência que o antigo rock brazuca cada vez mais se mistura com os expoentes da MPB?
Mas eu não estou dizendo que o rock morreu. Pode ser apenas uma fase, e amanhã estoure uma nova revolução que revitalize esse gênero. Mas hoje o cenário é absolutamente deprimente. Hoje quem faz barulho, expressa revolta contra o resto do mundo e encanta os jovens é o funk. Não querer aceitar isso é exagerar na dose.


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Chuva e indiferença




Estou no interior de Minas, um daqueles lugares que tem época marcada para aparecer na TV o dia todo. Voce conhece a reportagem padrão de todo ano: noticias sobre chuvas torrenciais, dados sobre quantos metros o rio subiu, quantas pessoas morreram, depoimentos comoventes de pessoas que perderam tudo, a defesa civil desesperada tentando tirar moradores que não tem para onde ir das áreas de risco.
Qual o problema disso tudo: o fato de que todo ano é a mesma coisa. Não adianta ficar fornecendo dados sobre chuva. Todo ano chove. Todo mundo sabe a época do ano em que vai chover absurdamente em sua cidade. Aqui em Minas é na primeira quinzena de janeiro. No Recife normalmente é em junho. A chuva todo ano é a mesma, não há novidade nenhuma.
Logo, a culpa não é da chuva. Todo mundo sabe que ela vai cair, não é como se um avião gigante caísse do nada em cima da minha casa. Então por que diabos ninguém faz nada, absolutamente nada para proteger as pessoas ou minimizar os danos?
Pelo que escrevi no outro dia. Nossos governantes nada mais são do que gerenciadores de crises. Administram o problema que existe no momento. Não pensam no futuro. Por isso nossa educação é um lixo: deixa eles ficarem adultos pra gente ver como resolve o problema deles. Ninguém, absolutamente ninguém, tem um projeto de longo prazo do tipo "daqui a 20 anos temos de ter resolvido esse problema". Não, só existe o agora. Fazemos doações aos desabrigados, choramos os mortos e reconstruímos as casas, se tanto. E ano que vem somos "surpreendidos" por outra chuvarada.
Então vamos combinar assim. Este ano tem eleição pra prefeito, o tipo de cargo que é responsável por pensar nesse tipo de coisa. Que tal se todos nós levássemos isso em conta na hora de escolher em quem vamos votar? O partido que está no poder fez algo para prevenir essas desgraças? E o governo anterior? Os que postulam o cargo têm algum projeto? Se fizéssemos isso não era grande coisa, mas garanto que era um bom começo.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Política: uma questão de gênero



Dia desses me deparei com uma foto do líder francês, Nicolas Sarkozy, com sua linda mulher, a cantora Carla Bruni, 12 anos mais jovem. Daí danei a viajar: o que aconteceria se Dilma Rousseff ou Cristina Kirchner fizessem algo parecido?
Teoricamente nada impediria isso. As duas são livres e desimpedidas. Teriam todo o direito do mundo a procurar uma cara-metade. E não há nada de errado em encontrá-la em um artista mais jovem. Nossa presidenta poderia se casar, digamos, com o Kadu Moliterno, 5 anos mais jovem que ela. Já a charmosíssima presidenta argentina poderia talvez reencontrar a felicidade ao lado de, por exemplo, Fito Paez, nascido 10 anos depois dela.
Mas evidentemente que você e eu sabemos que não há a mais vaga possibilidade que isso aconteça. Vivemos num mundo em que mulheres são vistas como fracas e manipuláveis. A associação de uma presidenta com um artista musical seria um desastre total para sua carreira. Seria vista como tola e futil, todos temeriam que ela se descuidasse do governo e teriam certeza de que o novo conjuge seria o presidente de fato, com consequencias desastrosas.
Enquanto isso Sarkozy colheu muitos frutos de sua decisão pessoal. Certamente os franceses se orgulham de ter uma primeira dama daquelas. Imagino facilmente os homens pensando "mandou bem, chefe!". Nenhum cidadão deve ter temido que a loira governe de fato a França.
E claro que o problema não se restringe à questão afetiva. Mulheres na política têm de ser duronas, assertivas e até eventualmente agressivas o tempo todo. Precisam provar 24 horas por dia que não são "mulherzinhas", que vão se desmanchar em lágrimas na primeira dificuldade. Um inferno.
Na verdade não é muito diferente do que as mulheres em geral enfrentam na sua vida cotidiana. E esse aí é o ponto. Falei de Dilma e Cristina apenas para chegar nisso: não importa o que dizemos em voz alta. Todos nós, homens e mulheres, fomos programados para pensar no sexo feminino dessa maneira. E se livrar disso é dificílimo.