Nós da esquerda temos uma visão muito ruim do liberalismo. O que, em linhas gerais, está correto. Especialmente em sua roupagem Reagan-Tatcher o liberalismo vai contra tudo em que acreditamos. Mas acho importante ressaltar que, especialmente em sua versão dos indepedentistas norte-americanos, o liberalismo trouxe contribuições essenciais. Vou citar duas.
1) Os três poderes. Executivo, Legislativo e Judiciário existindo de forma independente. Mecanismo básico e essencial da democracia. Garante que qualquer governante tenha limites ao seu poder, e que as decisões que realmente importam sejam divididas por grupos independentes. Presidente não pode eliminar parlamentar. Deputado ou senador não pode mudar decisão judiciária. Juiz do STF não pode influir no valor do salário mínimo. Poder dividido significando que há limites para a ação de todos, independente do cargo que ocupem.
2) Direitos individuais. A Constituição Norte-Americana e o Bill of Rights garantem que todos são inocentes até prova em contrário. Que só podemos ser condenados dentro de um processo que inclui todas as garantias de que o acusado teve um julgamento justo.
Óbvio: na prática essas coisas não funcionam tão lindamente como na teoria. Mas isso é normal. Na teoria tudo sempre é lindo, e, como dizem os jogadores de futebol, na prática a teoria é outra. Mas convenhamos: ao menos enquanto vivermos no capitalismo, esses fundamentos são o que podemos ter de melhor. Aí vem a pergunta chave: se as coisas não funcionam na prática tão bem como na teoria é melhor jogar a teoria fora ou tentar melhorar a prática?
Ao menos até onde entendo, escolhemos a primeira opção. Culpamos o presidente do Brasil por todos os males que existem ao sul do equador. Parlamentares corruptos, problemas na educação básica, absolvição de assassinos, é tudo culpa do presidente. Não existe legislativo, judiciário, governos estaduais ou municipais. Tudo é culpa do governo federal (hoje é Dilma, ontem era Lula, anteontem FHC, tanto faz quem está lá. a culpa de tudo é da presidência. como se não vivêssemos num sistema federativo que tem três poderes).
Sobre os direitos individuais talvez seja melhor nem falar. Decidimos que isso é "defender direito humano para bandido". Simplesmente decidimos que é melhor sair matando gente na rua. Frequentemente isso significa que criminosos com ficha policial estão justiçando gente inocente. Mas não importa. A sociedade brasileira gosta disso. Se sente vingada por todos os males. Não adianta culpar a retardada do SBT. A culpa não é dela, ainda que suas declarações tenham servido como salvo-conduto. O problema é que a semente que ela soltou caiu em terra muito fértil. Somos um país que acredita na justiça feita pelas próprias mãos. Seja ela justa ou não. A verdade é: não ligamos para uma inocente sendo morta por uma turba sem ter feito nada. Ela é pobre. Não é gente. O que importa é a sensação de segurança que isso nos dá. Estou feliz porque amanhã se um pobre roubar meu cinzeiro será estraçalhado vivo por uma multidão de justiceiros que desfrutarão da doce impunidade.
Escolhemos ser liberais, de um jeito muito particular. Não gostamos de respeitar direitos humanos, não gostamos de justiça feita pela justiça, odiamos os três poderes, o sistema federativo e ansiamos por um presidente super homem que resolva todos os nossos problemas mesmo que atropelando a constituição. Do liberalismo retivemos apenas a naturalização das diferenças sociais e a certeza de que se alguém é pobre é porque fez por onde. Maravilha.
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