quinta-feira, 29 de maio de 2014

Copa, manifestações, política: está tudo muito confuso

Passei a quarta-feira toda na universidade em que trabalho. Cheguei em casa e me inteirei que as novidades do dia eram as seguintes. Professores universitários historicamente associados à esquerda assinando um manifesto contra "excessos" nas manifestações, pedindo que elas sejam ordeiras. Direitistas delirando porque um indígena atirou uma flecha numa manifestação, tentando pegar carona no episódio e resolvendo subitamente que são defensores desse grupo. Francamente, isso confunde qualquer um. Entendo completamente quem se sente perdido em um contexto assim.

Historicamente, a esquerda nunca teve o poder. Então se acostumou a ver a rua como um palco onde se sentia a vontade. Na rua a esquerda sempre se sentiu em casa, com sua militância empolgada, e a possibilidade de se manifestar à vontade, já que não conseguia controlar o Estado. Hoje é exatamente o oposto. Vemos um governo com muito medo das ruas, e uma agressiva militância que busca desqualificar toda e qualquer manifestação de desagrado como ilegítima. Por vezes apelando para um discurso nacionalista até, do tipo "pessoas assim não gostam do Brasil". Postura e discurso classicamente associados à direita.

Por seu lado, a direita sempre foi poder. Sempre se sentiu confortável nesse papel. Em todos os momentos desconfiou e hostilizou as manifestações de rua. É barbaramente contra as lutas das minorias. Vê indígenas como empecilhos absolutamente desagradáveis ao desenvolvimento e à livre iniciativa. E de repente, os vemos achando o máximo ver pessoas protestando contra o governo na rua. Nas redes sociais conclamam o "povo" (?) a reclamar contra o que está errado no país. E subitamente somos informados que acham indígenas o supra sumo da autenticidade dos protestos.

Para piorar a confusão, temos a oposição à esquerda. Que, não sem motivos, condena o governo por suas alianças espúrias com políticos da pior espécie, a ausência de avanços em campos importantes como aborto, direitos civis dos homossexuais, etc. Mas quando você vai ouvir o que eles dizem sobre essa situação, nota que estão perigosamente perto da oposição à direita. Criticam a corrupção, os gastos com a copa, exaltam os direitos dos indígenas, etc.

Quem, em sã consciência, consegue condenar quem se sinta perdido nessa situação? De fato tudo está muito complicado. Nos parágrafos que se seguem vai a minha leitura da situação.

De um lado temos um governo que eu acho que foi o melhor que tivemos, e que teve realizações que qualquer pessoa sensata tem de agradecer. Mas que é profundamente lamentável em termos político-ideológicos. Vamos combinar: após 12 anos de PT no poder, o Brasil é tão conservador quanto antes. Nossa política é tão viciada como era em 2002. Então o governo Dilma simplesmente não consegue ver outra maneira de lidar com a situação que não seja utilizar a retórica e as práticas consagradas pela direita. Ao invés de botar sua própria militância na rua, o PT prefere desqualificar a militância alheia. Nega toda a sua história. Lamentável.

Por outro lado, temos o oportunismo absurdo e descontrolado da oposição a direita. Que não tem UM MÍSERO PROJETO para o Brasil. Abra seu facebook ou os sites desse pessoal. Só sabem odiar o governo. Não fazem a menor ideia do que querem. Nem estão preocupados com isso. Sua pauta para 2014 é convencer as pessoas de que o Brasil tem como problemas centrais o mensalão e a copa. Não se importam vagamente com as condições de vida da população, não têm nenhuma ideia sobre como fazer a economia melhorar e vão manter os mesmos vícios da política que já conhecemos. São oportunistas que se agarram a qualquer chance de criticar o governo. Teve um indígena dando flechada em manifestação? Viremos todos defensores dos direitos deles, pois é o que dá IBOPE hoje. Nem sabem o vocabulário para fazer isso (vi gente falando "até índio protesta, fora Dilma". Tipo "até índio"? Oi?). O que importa é aproveitar o tema do dia para lucrar.

E no fim temos a oposição à esquerda. Que é absolutamente brilhante, a meu ver, nas críticas que faz ao governo. Eu frequentemente me vejo com as mesmas insatisfações deles. Nada da histeria moralista que vemos na oposição direitista, mas muitas vezes fazem críticas serenas e racionais ao governo que eu compartilho. Mas na hora de dizer o que querem... não conseguem ir além de palavras de ordem genéricas. O que se reflete em seu papel nas manifestações. Criticam o governo com razão muitas vezes, mas... nada além disso.

No fim das contas o que me parece é o seguinte. Não acho errado estar em nenhum dos lados citados. É uma questão de consciência pessoal, ditada pela visão de mundo de qualquer um. Mas me parece otário quem: 1) Compra qualquer uma dessas visões de forma acrítica; 2) Decide seu voto baseado nessa situação. De boa? O buraco é bem mais embaixo.

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