sexta-feira, 23 de maio de 2014

O dia em que o macaco fui eu

Sou homem, branco, heterossexual, de classe média, professor universitário, nascido no Sul e criado no Sudeste do Brasil. Ou seja, não faço parte de nenhuma das categorias que são alvo mais frequente de discriminação em nosso país. Mas sempre simpatizei com esses grupos. Sempre achei odioso o preconceito (aberto ou subliminar) em relação a mulheres, negros, homossexuais, nordestinos ou qualquer outro que você pensar. E do fundo do coração eu tinha certeza que entendia a situação das pessoas que eram alvo de discriminação. Afinal, sentia tamanha empatia e compartilhava de tal maneira a raiva por esses preconceitos que tinha certeza que entendia o que elas sentiam.

Até que aconteceu comigo. Na Itália, ouvi, com toda a clareza possível, um casal de namorados se referindo a mim, a meu lado, como "macaco sul-americano", e rindo. Eles só tinham me visto falando em português e inglês, o que os fez achar que eu não sabia nada de italiano. De fato não falo, mas entendo decentemente. Fiz ver a eles que estava entendendo tudo, eles morreram de vergonha e o clima ficou horrível, como seria de se prever.

Sei muito bem que não existe A experiência de discriminação. Existem experiências variadas, múltiplas, plurais. Os grupos que sofrem mais têm em seu interior pessoas que sofreram formas diferentes. Uma vez participei de uma mesa sobre preconceito racial, na qual um dos componentes foi muito feliz ao comparar a experiência vivida por ele (negro, baiano, participante de religião afro-brasileira), com a dos outros componentes (uma negra e mulher, o outro, negro e africano). Não é a mesma coisa. Não dá pra presumir que a experiência de todos com a discriminação é igual.

Também varia infinitamente a forma que as pessoas lidam com isso. Há os que optam pela negação, os que internalizam o ódio, os que transformam a dor em combustível para lutar, e inclusive os que genuinamente não ligam. Não vejo como reprovar nenhuma dessas posturas, ou valorar uma mais que outra. Não estou no lugar dessas pessoas para saber o que elas devem fazer.

O que sei é que quando aconteceu comigo eu senti coisas conflitantes. Por um lado, eu tenho muito orgulho de ser brasileiro e sul-americano. Nada que nenhum italiano direitista falar vai mudar isso. Por outro, confesso que doeu muito ver que coisas que estão em mim, que eu não posso mudar, que eu não quero mudar, puderam me transformar em alvo de preconceito e troça. Por um lado, eu sei que em hipótese alguma eu deveria ligar para o que diz um jovem casal de direitistas que não sabem nada sobre o Brasil, pessoas que inclusive eu mal conheço. Por outro, vou confessar: doeu. Ponto final.

Se algum negro, mulher, homossexual, nordestino, etc. estiver lendo isso tem todo o direito de pensar "ah, cara, fichinha isso aí, um episódio besta em 41 anos de vida, você não faz ideia do que eu passo". Teria toda a razão. Pois foi exatamente o que eu pensei quando aconteceu. Se um evento me marcou dessa maneira, não faço ideia do que uma vida de discriminação faz a uma pessoa. Principalmente quando se está cercado de gente disposta a dizer "ah, não seja tão sensível, não foi nada, vocês vêem preconceito em todo lugar". Não faço ideia. Só lamento que seja assim.

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