segunda-feira, 26 de maio de 2014

Ser depressivo: um depoimento

Começo contando uma lembrança das mais fortes que tenho da minha infância. Ouvi uma pessoa de idade falando de suas saudades de outros tempos. Eu pensei: "engraçado, tenho essa mesma nostalgia, tenho muitas saudades, e isso me deixa triste. Mas como pode ser assim, se sou tão novo?". Hoje me parece claro. Aquela criança definiu de forma genial o que era ser uma pessoa com depressão: carregar dentro de si uma tristeza, uma angústia, um "não sei o que" permanente. Que te corrói por dentro, mesmo que você não tenha a menor compreensão do que se trata.

Meu diagnóstico de depressão veio muito depois. Um dia não consegui levantar da cama. Simplesmente não consegui. Eu era um funcionário exemplar, e meus chefes desconfiaram da minha ausência no trabalho. Foram até minha casa, a TV estava ligada, o ventilador também. Chamaram a polícia, que arrombou a porta. Lá estava eu, vivo, com o organismo funcionando perfeitamente. Mas a mente simplesmente o impedia de se mexer. Não havia motivo para sair do lugar.

Minha melhor amiga me levou ao psiquiatra, que finalmente diagnosticou: eu tinha uma forma crônica de depressão, que num contexto muito ruim tinha se acentuado. Me deu remédios. Não adiantou nada: tomei mais de 80 antidepressivos e ansiolíticos de uma vez pra acabar com tudo. Mas a genética e meu passado de atleta impediram a consumação do meu plano. Horas de soro e eu estava em casa. Até trabalhei nesse dia. Dei aula e ninguém desconfiou. Eu tinha 34 anos.

Escutei muitos "diagnósticos". Difícil dizer qual o mais devastador. Para alguns, era falta do que fazer, como se eu não trabalhasse insanamente. Falavam, com todas as boas intenções, que uma enxada resolveria tudo. Outros vinham com conversa religiosa. O que faltava na minha vida era Deus, como se eu não tivesse minha religião.E como se isso não viesse da minha infância em escola religiosa. Mas tem o pior de todos: "não se deixe levar por isso". Como se algo que nasceu contigo fosse na verdade fruto de uma escolha sua. O que na verdade é culpar você por uma doença. Qualquer depressivo sabe: amigos bem intencionados com conselhos idiotas podem ser seu pior inimigo.

Depressão é uma doença. Como tantas outras. Mas como é uma enfermidade mental, muitos a vêem como frescura. Quase ninguém consegue identificar um. Nos piores momentos acordamos, não conseguimos nos levantar, ficamos lá, mas quando saímos ninguém imagina o gigantesco peso que carregamos nas costas. Em geral, criamos personagens públicos, que a maioria compra, sem desconfiar a dor interna que estamos sentindo. Mas claro, há momentos melhores, em que a vida segue normalmente. Somos sempre azedos, mas soa como estilo ou personalidade. Somos vistos como críticos demais, enjoados ou até arrogantes, e bola pra frente.

Com o tempo você se acostuma com muita coisa. Em algum momento você aceita que vai viver para sempre com um bicho te roendo por dentro. Sabe que nunca vai ser como os outros. Percebe que vai chorar à toa, que vai ter limitações físicas e emocionais. Provavelmente o pior de tudo: descobre da pior maneira possível que muita gente não vai entender isso. Você acaba vendo que no fim vai ter de eliminar da sua vida gente que até é legal, mas que não tem capacidade de entender o que é viver uma vida com tantas limitações.

Não é que sejamos coitadinhos. Não somos. Detesto a auto-vitimização e não a aplicaria nunca a mim. Mas é uma condição que gera sofrimento. Ao qual acabamos tendo que nos acostumar, ou ao menos aprender a lidar. Mas a gente consegue. Estar vivo é uma dádiva para todos nós. Não há dia em que eu não olhe pela janela sem pensar em me jogar. Mas fico aqui. E sobrevivo. Cada dia é uma vitória. E seguimos na luta.

Um comentário:

  1. Hoje tenho 34 anos, mais sei o que é conviver com depressão desde criança, aos cincos anos de idade, depois que meus pais mudaram de cidade, aos poucos fui deixando de falar, comer e já não mais sorria. Então minha mãe resolveu me levar ao médico, o diagnostico tristeza! Motivo: por ter me separado dos meus avós, meu pai vendei a casa da cidade de Bezerros e voltamos para o sitio, aos poucos aparentemente voltei ao normal. Mas cresci com um sorrisão no rosto e um aperto no coração, Sei o que é esse bicho roendo por dentro! A religião me ajudou muito, quando a dor apertava eu rezava, até hoje é assim, quando estou em dias que parece que não irei sobreviver de tanta angustia, o que mais me ajuda é a fé em Deus. Nunca conseguir lhe dar com perdas! E aos 28 anos veio outra crise forte daí, foram momentos negros em minha vida, precisei de psicólogo , psiquiatras e ante depressivos , contei com amigos verdadeiros e a família, a coisa que mais me marcou foi ouvir meu pai falar “ que daria tudo pra ver um sorriso em meu rosto” isso nunca vou esquecer.
    Procuro forças em tudo de positivo para continuar cada dia! na família, amigos trabalho, religião, e sei que tenho uma missão na terra, e vou cumprir, levando sempre Deus na frente de tudo, por que não é fácil conviver com um “bicho corroendo por dentro”. Mas penso! posso fazer tanto pelo meu próximo, e fazendo o outro feliz meu coração as vezes explode de felicidade... E assim sigo em frente.

    ResponderExcluir