segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A história dos historiadores é de esquerda?

Ouvi hoje pela trilionésima vez uma referência à "doutrinação marxista" que, supostamente, nós, professores de história, oferecemos a nossos alunos. Sempre descartei isso como tolice que nem merecia ser discutida. Mas desta vez resolvi pensar a sério no assunto. Nem que seja para entender de onde os caras tiram isso.
Para começar é importante reconhecer que de fato a maioria esmagadora dos professores de história (seja na universidade ou na educação básica) é simpática a causas progressistas, ainda que não necessariamente sejam de esquerda. Comunistas então, estão em extinção total. Mas de fato há uma proeminência acentuada dos progressistas no nosso mundo. Não conheço pesquisa sobre o assunto, mas acho que o que acabo de dizer é óbvio para quem vive no mundo dos historiadores.
Mas e as obras? Bem, naturalmente seguem essa tendência. A maioria tem uma perspectiva esquerdista, ainda que isso seja bastante discutível no caso dos pós-modernos, foucaultianos, etc. que se consideram o supra-sumo da visão progressista de mundo, mas são tidos como perigosamente próximos de uma visão conservadora por outros (inclusive eu). Isso à parte, em linhas gerais a historiografia brasileira tende mesmo à esquerda nos últimos 50 anos. Mas isso é "doutrinação marxista"? Não acho. Pra começar ser progressista, esquerdista e marxista são coisas diferentes. O marxismo segue sendo uma tendência forte entre os historiadores brasileiros, mas isso não se traduz em obras que tenham intencionalidade política. Trata-se apenas de utilizar a visão marxista como ferramenta para entender processos sociais (traduzindo: ganha uma viagem para Cuba quem encontrar um livro acadêmico no último quarto de século com o tom "viva a revolução" ou "morte à burguesia"). E há muitos historiadores progressistas e esquerdistas que não são marxistas. Mas é preciso reconhecer que há um campo em que as coisas têm outra dinâmica: os livros didáticos. Não sou especialista no assunto, mas já vi muitos que são inteiramente baseados num esquerdismo absolutamente infantil e pouco informado. A história do Brasil nesse tipo de livro didático (também já vi muitos que não são assim) é simples: a elite brasileira é malvada e todo mundo que em algum momento foi contra ela é herói. Aí se glorificam tipos questionáveis, como Prestes, ou francamente suspeitos, como Antonio Conselheiro. Muitos livros didáticos fazem essa operação, nós, historiadores profissionais, não gostamos de gastar tempo com "grandes figuras", já que isso nos lembra a historiografia mais antiquada e detestável que existe, e pronto. Está aberto o cenário para algum revisionista de direita venha falar que há consenso absoluto entre os historiadores de que esses caras são heróis, afinal somos todos doutrinadores esquerdistas, diz que vai mostrar a VERDADE, sem nenhuma IDEOLOGIA, faz um livro que vende trilhões de cópias e fica famoso. Claro que os livros em questão são totalmente politizados, mas aí é uma característica secular da direita: acha que ser de direita é "normal" e ser de esquerda é "ideológico". Em suma: não existe nenhuma doutrinação ideológica. Existe uma tendência progressista no mundo dos historiadores que se traduz em nossos escritos (assim como há uma tendência liberal-conservadora entre os donos de veículos de imprensa, que faz com que essa visão seja hegemônica nesses veículos). Também há muito livro didático ruim, alguns de tendência esquerdista infantil, mas também outros seguindo a modinha da história cultural. Assim, não se deixe enganar por jornalistas ricos e famosos bancando os pobres defensores da verdade num universo dominado pela mentira. Esses caras carregam um discurso muito mais doutrinário que o nosso, e atingem muito mais gente que nós. Esse papo é discurso para vender livro e enganar otário.

3 comentários:

  1. Me fale mais sobre professores, historiadores, filósofos e sociólogos como Mauro Iasi, Marilena Chaui, Bia Abramides e Paulo Ghiraldelli ... entre outros.
    Me fale mais sobre livros didáticos tratando che guevara como herói "libertador", prestes como herói, ...
    Me fale mais sobre a esquerda brasileira que queria o poder em 64 e lutava por "liberdade e democracia", segundo é apresentado em diversas escolas de ensino médio e faculdades.
    É por conta destas sutilezas e incoerências históricas que os historiadores e professores (generalizando) são acusados de doutrinação marxista, porque a quem mais interessaria tratar ideologias vermelhas, de sangue, como coisas sutis e amáveis e porque não, desejáveis ? E me desculpe, mas o relativismo moral e deturpador de valores de foucault não me parece nem um pouco "progressista", suas idéias servem sim ao marxismo cultural ou escola de frankfurt, inequivocamente.
    Mas gostei de sua abordagem, aparentemente estás na ala dos professores que ou não vêem o que ocorre, ou interpretam tudo como algo irrelevante.

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