Ontem tivemos eleições na Argentina. Hoje todos os sites brasileiros que abri estampavam manchetes falando em "derrota estrondosa do governo", e coisas assim. É incrível, mas eu ainda consigo me surpreender com a capacidade dessa gente de inventar. Pois vejam bem o que houve.
As eleições de ontem eram legislativas. Visavam renovar parte do Senado e da Câmara Federal. O partido governista (Frente para la Victoria) foi o mais votado (32%, contra 23% do segundo colocado) e manteve a maioria nas duas casas. Ou seja: venceram a eleição, pois não apenas foram os mais votados como asseguraram a maioria no congresso, que é a finalidade de uma eleição legislativa, não é? Mas como pode alguém ver uma derrota aí?
A imprensa brasileira (comprando um argumento dos setores mais oposicionistas da imprensa argentina) argumenta o seguinte. Que o governo foi derrotado em províncias importantes (Buenos Aires, Córdoba, Mendoza, Santa Fé), e que isso configura uma grave derrota, que pode ter sérias implicações nas eleições presidenciais de 2015.
O argumento é evidentemente absurdo, e por vários motivos. Em primeiro lugar, eleições legislativas são proporcionais, e não majoritárias. O governo "perder" em uma província quer dizer apenas que não foi o partido que elegeu mais congressistas naquela região. Só isso. Achar que isso é um "golpe terrível" é muita vontade de ver o que quer na situação.
Segundo lugar: as cinco mais importantes "derrotas" do governo foram para cinco rivais diferentes: O direitista Mauricio Macri (cidade de Buenos Aires), Sergio Massa, um dissidente do kirchnerismo (província de Buenos Aires), o "socialista" Hermes Binner (Santa Fé), os peronistas não kirchneristas de Córdoba e o radical Julio Cobos (Mendoza). Salvo os radicais e socialistas, que têm uma associação intermitente (lançaram candidatos diferentes na última eleição presidencial, por exemplo) são grupos sem afinidade e com expressão meramente local. Precisam comer muito angu ainda para sonhar com algo em 2015.
Terceiro lugar: o impacto desses resultados é francamente questionável. São eleições distantes dois anos da eleição presidencial (muita coisa pode mudar) e muito influenciadas por fatores locais. Há 4 anos, nas eleições legislativas de 2009, o kirchnerismo teve praticamente o mesmo percentual de votos, as mesmas análises foram feitas e em 2011 Cristina kirchner se elegeu com a maior vitória da história do país.
Então vejamos. O kirchnerismo tem o poder, elegeu a maioria nas duas casas do Congresso, é um dos únicos partidos de expressão nacional na Argentina (ao lado da UCR) e já tem seu candidato virtualmente definido para 2015, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. A oposição é francamente dividida em grupos rivais, vários dos quais não tâm afinidade entre si, são minoria em ambas as casas e quase todos os seus "expoentes" só tem força em seu quintal.
Mas a imprensa brasileira olha para isso e enxerga um governo enfraquecido por uma retumbante derrota e prestes a ver sua história encerrada de forma devastadora nas próximas eleições. Bem, cada um acredita no que quer, não é?
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