quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Por uma lei de meios
Imagine se o Estado não pudesse dar nenhum palpite sobre o que se ensina nas salas de aula. Tampouco alunos, pais de alunos, sociedade civil, políticos ou mesmo professores. Imagine se alguém defendesse que toda a regulamentação do ensino brasileiro fosse definida por donos de escolas particulares e os diretores dessas escolas. Você conhece alguém no mundo que acharia que essa é a melhor saída para a educação brasileira?
Pois bem, é exatamente o que as empresas de comunicação defendem para o seu setor. Elas defendem que qualquer coisa diferente da autoregulação (leia-se: o que pensam seus donos e membros dos postos mais altos) é "censura" e "atentado à liberdade de expressão". Qualquer ideia que vá além disso é taxada de ditatorial. Alegam que o cidadão já influi o suficiente, uma vez que tem o direito de escolher o que quer consumir. Tipo: posso ensinar a meus alunos que Barack Obama é um samurai japonês da Idade Média. Não gostou? Tire seu filho da escola.
Ainda nesta semana escrevi um post mostrando a escandalosa discrepância entre o que ocorreu nas eleições argentinas e a história contada por nossa imprensa a respeito. Não sou fã de teorias da conspiração, mas nesse caso é evidente que há uma orquestração sistemática para denegrir o governo argentino por parte da imprensa (e não é uma ilação: já ouvi de mais de um jornalista que bater no kirchnerismo é a "linha editorial da empresa"). O motivo é evidente: a Ley de Medios.
A Ley de Medios, tida por inúmeros especialistas como avançadíssima, busca desconcentrar o fechado mercado de mídia argentino, em grande parte nas mãos de poucas empresas. A maior delas, o grupo Clarín, tomou a lei como algo contra ela, e ataca o governo de forma absolutamente furiosa, não importa quantas mentiras tenha de contar a respeito. Pinta a presidente como uma ditadora demagoga com evidentes sinais de retardo mental que por pura implicância inventou uma lei para punir o grupo por seu discurso "independente", num evidente ataque à democracia.
A imprensa brasileira aderiu de forma praticamente unânime a essa ideia, incluindo aí muita gente progressista. Vêem em uma lei que visa mudar as estruturas do universo da comunicação do país e democratizar o acesso à propriedade dos meios de comunicação uma mera vendetta contra a imprensa independente. Repito: muita gente boa está caindo nessa.
A lei não é ditatorial. Foi proposta pelo executivo, aprovada pelo legislativo e referendada pela Suprema Corte. Passou pelos três poderes que são o pilar de qualquer democracia. Quem não aceitou as regras do jogo democrático foi o grupo Clarín, que simplesmente se negou a cumprir a lei, recorrendo à Suprema Corte. Ontem finalmente foi derrotado. Não cabe mais recurso. Terá de se adequar. Não poderá mais controlar todos os ramos da imprensa argentina. Haverá mais pluralidade na informação.
Mas por que a imprensa brasileira se preocupa tanto com isso? Um pouco por sua postura historicamente alérgica à esquerda. Há um piloto automático que faz com que muitos brasileiros, inclusive os de esquerda, vejam nos políticos latino-americanos que não seguem a cartilha liberal como nada mais do que demagogos semi-ditadores. Por exemplo: há pessoas formadas em história que ensinam que Perón foi ditador, algo que nem chega vagamente próximo da verdade (foi eleito 3 vezes presidente, e um total de quatro golpes de Estado foram perpetrados entre 1955 e 1976, em todos os casos o peronismo estava do lado derrotado).
Mas no caso da imprensa há a vontade de mostrar os dentes. É uma tática pedagógica. O que importa é mostrar o que os barões da mídia fariam caso alguma lei do tipo fosse proposta por aqui. Se conseguiram assassinar a honra de um governante estrangeiro por conta da ley de medios, imagine o que fariam com alguém que tentasse fazer algo semelhante por aqui! Sempre evitando desagradar quem quer que seja, o governo brasileiro parece nem pensar no assunto.
Só que esse cenário já deu. Vários países do mundo já aprovaram um conselho regulador de mídia, incluindo a Inglaterra (que reconheceu o total fracasso da autoregulação defendida até a morte pelos barões da mídia de lá, veja aqui:http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Inglaterra-aprova-novo-sistema-regulador-da-imprensa/12/29399). Ninguém vai dizer que o país é uma ditadura comandada por um louco demagogo, então isso nem foi noticiado aqui. Melhor usar toda a munição contra o governo argentino. Mas é uma necessidade urgente. O formato, o alcance, tudo pode e deve ser discutido e negociado. O que não dá é uma sociedade inteira ficar a mercê do monopólio da informação por parte de um punhado de empresários. Se alguém acha que democracia é isso, então isso é baseado em um conceito de democracia que eu simplesmente desconheço.
PS: No Brasil a imprensa esportiva, inclusive a mais independente, critica seguidamente o fato de o governo argentino ter comprado os direitos das transmissões de futebol no país. Insistem que é demagogia ou populismo. Para quem quer saber mais sobre o assunto, de forma mais contextualizada, segue um link a respeito (em espanhol), que mostra que as coisas são muito mais complexas do que isso: http://www.sergiol-nimasnimenos.blogspot.com.ar/2013/10/el-futbol-en-la-ley-de-medios.html
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Na prática a teoria é outra
Uma das frases que eu mais gosto é essa: "na prática a teoria é outra". Acho divertidíssima. Certamente foi elaborada por alguém que não sabia bem o que queria dizer, mas que no fim das contas falou o que queria.
Acho que se aplica lindamente ao atual governo brasileiro. Teoricamente é um desastre total. A política econômica é desenvolvimentista, a inclusão em grande medida se deu pelo viés do consumo, a forma de fazer política é a mesma que conhecemos há tanto tempo, a compra de votos no congresso que resultou no mensalão. Todas as críticas ao governo feitas nesses campos são válidas. A coisa de fato foi decepcionante.
Mas por outro lado, a quantidade de coisas que esse governo proporcionou aos que mais precisavam... quanta gente viu os filhos dormindo pela primeira vez por finalmente terem luz em casa, quanta gente tem água corrente em casa pela primeira vez, quantas foram as famílias que pela primeira vez viram um filho com um diploma universitário na mão...
É muito fácil criticar o governo. Ele dá muitos motivos para isso. Sabe ser abominável. Mas fez tanta coisa por quem nunca tinha tido nada que dá o que pensar em qualquer cérebro. Que odiemos tudo o que ele tem de ruim. Mas saibamos aplaudir o que tivemos de melhora. E não foi pouco.
A arte de inventar verdades
Ontem tivemos eleições na Argentina. Hoje todos os sites brasileiros que abri estampavam manchetes falando em "derrota estrondosa do governo", e coisas assim. É incrível, mas eu ainda consigo me surpreender com a capacidade dessa gente de inventar. Pois vejam bem o que houve.
As eleições de ontem eram legislativas. Visavam renovar parte do Senado e da Câmara Federal. O partido governista (Frente para la Victoria) foi o mais votado (32%, contra 23% do segundo colocado) e manteve a maioria nas duas casas. Ou seja: venceram a eleição, pois não apenas foram os mais votados como asseguraram a maioria no congresso, que é a finalidade de uma eleição legislativa, não é? Mas como pode alguém ver uma derrota aí?
A imprensa brasileira (comprando um argumento dos setores mais oposicionistas da imprensa argentina) argumenta o seguinte. Que o governo foi derrotado em províncias importantes (Buenos Aires, Córdoba, Mendoza, Santa Fé), e que isso configura uma grave derrota, que pode ter sérias implicações nas eleições presidenciais de 2015.
O argumento é evidentemente absurdo, e por vários motivos. Em primeiro lugar, eleições legislativas são proporcionais, e não majoritárias. O governo "perder" em uma província quer dizer apenas que não foi o partido que elegeu mais congressistas naquela região. Só isso. Achar que isso é um "golpe terrível" é muita vontade de ver o que quer na situação.
Segundo lugar: as cinco mais importantes "derrotas" do governo foram para cinco rivais diferentes: O direitista Mauricio Macri (cidade de Buenos Aires), Sergio Massa, um dissidente do kirchnerismo (província de Buenos Aires), o "socialista" Hermes Binner (Santa Fé), os peronistas não kirchneristas de Córdoba e o radical Julio Cobos (Mendoza). Salvo os radicais e socialistas, que têm uma associação intermitente (lançaram candidatos diferentes na última eleição presidencial, por exemplo) são grupos sem afinidade e com expressão meramente local. Precisam comer muito angu ainda para sonhar com algo em 2015.
Terceiro lugar: o impacto desses resultados é francamente questionável. São eleições distantes dois anos da eleição presidencial (muita coisa pode mudar) e muito influenciadas por fatores locais. Há 4 anos, nas eleições legislativas de 2009, o kirchnerismo teve praticamente o mesmo percentual de votos, as mesmas análises foram feitas e em 2011 Cristina kirchner se elegeu com a maior vitória da história do país.
Então vejamos. O kirchnerismo tem o poder, elegeu a maioria nas duas casas do Congresso, é um dos únicos partidos de expressão nacional na Argentina (ao lado da UCR) e já tem seu candidato virtualmente definido para 2015, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. A oposição é francamente dividida em grupos rivais, vários dos quais não tâm afinidade entre si, são minoria em ambas as casas e quase todos os seus "expoentes" só tem força em seu quintal.
Mas a imprensa brasileira olha para isso e enxerga um governo enfraquecido por uma retumbante derrota e prestes a ver sua história encerrada de forma devastadora nas próximas eleições. Bem, cada um acredita no que quer, não é?
As eleições de ontem eram legislativas. Visavam renovar parte do Senado e da Câmara Federal. O partido governista (Frente para la Victoria) foi o mais votado (32%, contra 23% do segundo colocado) e manteve a maioria nas duas casas. Ou seja: venceram a eleição, pois não apenas foram os mais votados como asseguraram a maioria no congresso, que é a finalidade de uma eleição legislativa, não é? Mas como pode alguém ver uma derrota aí?
A imprensa brasileira (comprando um argumento dos setores mais oposicionistas da imprensa argentina) argumenta o seguinte. Que o governo foi derrotado em províncias importantes (Buenos Aires, Córdoba, Mendoza, Santa Fé), e que isso configura uma grave derrota, que pode ter sérias implicações nas eleições presidenciais de 2015.
O argumento é evidentemente absurdo, e por vários motivos. Em primeiro lugar, eleições legislativas são proporcionais, e não majoritárias. O governo "perder" em uma província quer dizer apenas que não foi o partido que elegeu mais congressistas naquela região. Só isso. Achar que isso é um "golpe terrível" é muita vontade de ver o que quer na situação.
Segundo lugar: as cinco mais importantes "derrotas" do governo foram para cinco rivais diferentes: O direitista Mauricio Macri (cidade de Buenos Aires), Sergio Massa, um dissidente do kirchnerismo (província de Buenos Aires), o "socialista" Hermes Binner (Santa Fé), os peronistas não kirchneristas de Córdoba e o radical Julio Cobos (Mendoza). Salvo os radicais e socialistas, que têm uma associação intermitente (lançaram candidatos diferentes na última eleição presidencial, por exemplo) são grupos sem afinidade e com expressão meramente local. Precisam comer muito angu ainda para sonhar com algo em 2015.
Terceiro lugar: o impacto desses resultados é francamente questionável. São eleições distantes dois anos da eleição presidencial (muita coisa pode mudar) e muito influenciadas por fatores locais. Há 4 anos, nas eleições legislativas de 2009, o kirchnerismo teve praticamente o mesmo percentual de votos, as mesmas análises foram feitas e em 2011 Cristina kirchner se elegeu com a maior vitória da história do país.
Então vejamos. O kirchnerismo tem o poder, elegeu a maioria nas duas casas do Congresso, é um dos únicos partidos de expressão nacional na Argentina (ao lado da UCR) e já tem seu candidato virtualmente definido para 2015, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. A oposição é francamente dividida em grupos rivais, vários dos quais não tâm afinidade entre si, são minoria em ambas as casas e quase todos os seus "expoentes" só tem força em seu quintal.
Mas a imprensa brasileira olha para isso e enxerga um governo enfraquecido por uma retumbante derrota e prestes a ver sua história encerrada de forma devastadora nas próximas eleições. Bem, cada um acredita no que quer, não é?
domingo, 27 de outubro de 2013
Por que eu voto no governo
Corria o ano de 2002. Esquerdista velha guarda eu estava escandalizado com as alianças que Lula construía para aquelas eleições. Votei em Zé Maria no primeiro turno. No segundo, votei em Lula, mas com muita raiva. Para mim, o que ele construía não era uma aliança de esquerda.
Naquela noite liguei para minha casa. Soube que meu pai, comunista velha guarda, preso político nos tempos da ditadura, tinha morrido de tanto chorar na hora de votar. Para ele, votar no Lula sabendo que ele ia ganhar era a realização de todos os melhores sonhos dele. Não entendi.
Mantive a postura em 2006. Votei em Heloísa Helena no primeiro turno. No segundo fui com Lula contra o pavoroso Alckmin. Mas aborrecido. Na minha cabeça o governo petista estava traindo todos os seus ideais. Tenho muito orgulho do quanto meus pais e tios sofreram na ditadura. Na verdade, nada me orgulha mais na vida do que isso. Estar na árvore genealógica dessa gente compensa tudo. Na minha cabeça, o PT estava traindo décadas de luta e se vendendo.
Em um evento familiar toquei no assunto com meu tio Vicente. Irmão da minha mãe e companheiro de lutas do meu pai naqueles anos duros. Uma tremenda referência para mim. Perguntei a ele sobre o governo, dizendo que não entendia a geração deles se satisfazer com aquele governo. Ouvi a resposta: "lutamos e sofremos querendo democracia e vida melhor para os pobres. que é o que esse governo está fazendo".
Não votei em 2010, porque morava em Pernambuco tendo título em Minas Gerais. Mas o argumento do meu tio já teria me feito votar em Dilma. Mas ainda teria de enfrentar argumentos piores. Em 2011 estava na Argentina, conversando com uma grande amiga, que perguntava: "por que voce não vota no governo? a vida das pessoas mais pobres não está melhor?". Respondi enumerando todos os problemas do governo petista, para ouvir uma pergunta devastadora: "ok, o governo não é o ideal, mas tem alguém que vai realizar a plataforma que você gostaria? Se tiver, vote neles. Se não, você está sendo uma criança fazendo o jogo da direita".
Fiquei sem saída. E me transformei em um eleitor do governo. Que não tem nada de socialista. Mas que fez pelos mais pobres coisas que nenhum grupo fez ou poderia fazwr.
sábado, 26 de outubro de 2013
Quando os coxinhas encontram a revolução
Os protestos que surgiram no meio do ano deixaram muita gente confusa. O que é compreensível: não havia líderes, pauta definida ou qualquer projeto visível. Misturavam-se pessoas de todo o arco político, pedindo coisas diferentes e até eventualmente contraditórias. Analisar aquilo não era para qualquer um. Eu, eleitor do governo, fui em um deles, junto com um amigo, também governista. Encontrei lá todo tipo de gente. Ao menos naquele momento (estávamos no começo do processo) aquilo me parecia saudável, ainda que fosse evidente que não havia como sair nada concreto, para além de pautas pontuais.
Confusa como todos estavam, a mídia fez grandes esforços tentando explicar o que se passava. Mas na maior parte dos casos não houve uma compreensão adequada. Em geral houve uma insistência incrível em procurar líderes, organizações e projetos por trás dos protestos, algo que simplesmente não existia. Nessa busca por tentar entender pelos canais tradicionais aquilo que não tinha nada de tradicional, se chegou aos black blocs. O termo passou a ser associado a uma organização internacional, infiltrada nos protestos. O que não tem nada a ver com a realidade. Parcialmente por má fé, mas principalmente pela dificuldade de entender um fenômeno novo, os black blocs receberam um papel muito maior do que aquele que tinham de fato.
Black bloc não é uma organização. Não tem líderes ou projetos. Na verdade, teoricamente sequer tem "membros" no sentido tradicional do termo. É uma tática utilizada por um conjunto de indivíduos que podem na verdade sequer se conhecer. O grupo se junta, age e se dispersa. Tampouco tem projeto: defendem aquele anarquismo coxinha de tons fortemente moralistas que se difundiu no pós-68. No mundo de fantasia em que eles vivem, são cavaleiros lutando pela liberdade humana, querendo nos salvar dos grilhões do capitalismo. No mundo concreto, são jovens revoltados de classe média, que um dia serão direitões de 40 anos (qualquer pessoa que tem mais de 30 anos e fez curso de humanas na universidade conhece dezenas de tipos assim: "anarco-revolucionários" na juventude, reacionários na meia idade).
(Favor não confundir essa mixórdia de mauricinhos com o anarquismo, uma visão de mundo que tinha ideias e projetos, dos quais se pode gostar ou não)
Na verdade esses caras são os "revolucionários" (aham!) que a direita AMA. Vão a manifestações organizadas por outros grupos, cometem vandalismo e chamam toda a atenção para si próprios. A mídia, em especial a mais conservadora, dá enorme destaque a isso, a reivindicação real fica esquecida e seus proponentes são pintados como vândalos. Uma maravilha, não é?
O engraçado é que quando eles falam, até soam como pobres vítimas. Ninguém os entende. Quebrar carros particulares é uma forma de combater um símbolo do capitalismo. Não é vandalismo. Eles estão apoiando os movimentos sociais e fomentando a revolução que nos libertará. Não é uma maravilha?
Não, é um desastre. Eles são francamente autoritários. Eles por acaso estão preocupados se os movimentos sociais os querem lá? Nos perguntaram se gostamos daquilo? Explicam em que medida suas ações vão melhorar a vida dos mais necessitados que eles dizem querer libertar? Não. Agem assim porque acham legal e pronto. Estão se lascando para o que pensamos. Ah, e a propósito, todo mundo que não gosta deles é burro e/ou reacionário. Não há outra explicação plausível. Tente dialogar com alguém que os defende. A pessoa vai, com toda a condescendência do mundo, explicar coisas super básicas que estamos cansados de saber (afinal, só um desinformado manipulado pela mídia para não gostar deles). Quando recebem contra-argumentos, te tacham de reacionário. Bem democrático, não?
Nunca é demais lembrar: os regimes socialistas terminaram todos em ditadura por um motivo. As revoluções socialistas foram levadas à cabo por grupos que tentaram implantar o socialismo para uma população que queria reformar o capitalismo. Ou seja: tiveram de enfiar o socialismo goela abaixo de seus povos. Aí não tem jeito: terminou em ditadura. Por aí se vê o perigo desse tipo de gente.
Eles não vão implantar uma ditadura, já que não são uma organização política no sentido tradicional. Mas pensam exatamente como os revolucionários socialistas do passado: "precisamos acabar com o capitalismo, independente da vontade das pessoas. O povo só não concorda com a gente porque são mal informados. Mas nós sabemos o que é melhor para eles".
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Smells like 1998
Tenho sentido um impressionante clima de "fim dos anos 90" na política brasileira. Apenas com uma "pequena" diferença: PT e PSDB inverteram os papéis.
Naquele momento o PSDB havia abandonado toda a ideia original de ser um partido social-democrata. FHC havia surfado no sucesso do Plano Real, fazia um governo privatista e havia, com sua imensa habilidade política, unificado todo o campo do centro e da direita em torno de seu governo. A aliança era forte em todo o país, mas tinha como ponto forte a hegemonia total no campo da elite, entre os pobres urbanos não vinculados a sindicatos e movimentos sociais e o velho voto de cabresto nordestino.
Mas as coisas não estavam perfeitas para o governo. Havia, no fim dos 90, uma fadiga de material. Os escândalos de corrupção e sobretudo a exasperante recessão e desemprego criavam espaço para a oposição. Mas nós não sabíamos nos aproveitar disso. Ainda embasbacados com o avassalador triunfo do neoliberalismo mundo afora (muito mais que pelo fim do socialismo), não havíamos conseguido nos situar novamente.
Nos sobrava uma imensa agenda negativa. De um lado, éramos contra a corrupção, o neoliberalismo, a submissão aos EUA. Por outro, atacávamos todas as iniciativas do governo, incluindo os tímidos programas de renda mínima (que chamávamos de "esmola") e até o Toda Criança na Escola (dizíamos que o importante não era colocar as crianças na escola, mas sim dar a elas um ensino de qualidade). Dizíamos que essas iniciativas eram "eleitoreiras".
A predominância de uma agenda negativa e a adoção de bandeiras absurdamente genéricas ("ética", por exemplo) eram decorrência evidente da nossa ausência total de um projeto para o país. Sabíamos exatamente o que não queríamos, mas nem tínhamos ideia do que faríamos com o país. Entramos nas eleições de 1998 tendo como maior esperança a possibilidade de Ciro Gomes tirar votos de FHC e forçar um 2o turno FHC x Lula. Não deu. Ciro naufragou e nós tivemos os votos que sempre tínhamos, algo menos que um terço do eleitorado.
A virada só veio quatro anos depois. A fadiga de material havia aumentado muito, Serra fez uma campanha vacilante, nem governista nem oposicionaista, e Lula e Zé Dirceu tomaram a decisão que fez a diferença. Pararam de fingir que eram socialistas (algo que o PT nunca foi) e entraram de cabeça na realpolitik. Acalmaram parte dos grupos reacionários e atraíram o voto de gente que não aguentava mais viver num país sem crescimento econômico. O resto é história.
O que temos agora é bem parecido, só que com os papéis invertidos. O governo petista sente a fadiga de material, e ainda que mantenha a fidelidade incontestável de fatias do eleitorado, o espaço para uma vitória oposicionista se ampliou bastante em relação a 2010. A questão é: quem vai ocupar esse espaço?
O PSDB está exatamente como nós, da esquerda, estávamos há 15 anos. Perdido. Sequer sabe quem é. Se um partido de direita, se um arejado defensor do liberalismo, se um partido das elites. Detesta o governo petista, e tem uma gigantesca agenda negativa. Mas o que querem fazer no poder? Ninguém sabe. Nem eles. Supõe-se que diminuiriam o tamanho do Estado, mas nem isso é certo. Há dias Aécio disse que é preciso "reestatizar" a Petrobrás. Um gesto absolutamente desesperado do candidato do partido que mais fez privatizações na história do país. Espalharam privatizações em seus anos de governo, e fazem um escarcéu por uma concessão, que nem privatização é.
A incoerência do discurso aecista é tamanha que sequer precisa ser discutida em profundidade. Ela denota a total ausência de discurso e projeto que o PSDB vive hoje. Aliás, qualquer pessoa que tenha morado em Minas Gerais no período de hegemonia tucana no estado sabe: se alguém recorre a Aécio Neves, está em busca de qualquer coisa, menos de discurso e projetos. Aécio não tem nenhuma dessas coisas. Nunca teve nem terá.
Enquanto o PSDB não decidir o que quer da vida, terá dificuldades de chegar ao poder com uma agenda meramente negativa. Ser contra tudo o que o governo faz dificilmente os levará ao poder, da mesma forma que nos deixou muito longe dele em 1998. Resta a esperança em Eduardo Campos, escalado para ser para o PSDB tudo aquilo que Ciro Gomes não conseguiu ser para o PT há 15 anos. O candidato moço, bem apessoado, governador nordestino de sucesso, que emerge da aliança governista com um projeto pessoal próprio, disposto a roubar votos tradicionalmente destinados ao governo.
Na falta de um projeto, o PSDB conta com Eduardo Campos para forçar um segundo turno, exatamente como fizemos com Ciro Gomes em 1998. Naquela vez não deu certo. Em um ano saberemos se a história vai se repetir, ou se desta vez a coisa será diferente.
Naquele momento o PSDB havia abandonado toda a ideia original de ser um partido social-democrata. FHC havia surfado no sucesso do Plano Real, fazia um governo privatista e havia, com sua imensa habilidade política, unificado todo o campo do centro e da direita em torno de seu governo. A aliança era forte em todo o país, mas tinha como ponto forte a hegemonia total no campo da elite, entre os pobres urbanos não vinculados a sindicatos e movimentos sociais e o velho voto de cabresto nordestino.
Mas as coisas não estavam perfeitas para o governo. Havia, no fim dos 90, uma fadiga de material. Os escândalos de corrupção e sobretudo a exasperante recessão e desemprego criavam espaço para a oposição. Mas nós não sabíamos nos aproveitar disso. Ainda embasbacados com o avassalador triunfo do neoliberalismo mundo afora (muito mais que pelo fim do socialismo), não havíamos conseguido nos situar novamente.
Nos sobrava uma imensa agenda negativa. De um lado, éramos contra a corrupção, o neoliberalismo, a submissão aos EUA. Por outro, atacávamos todas as iniciativas do governo, incluindo os tímidos programas de renda mínima (que chamávamos de "esmola") e até o Toda Criança na Escola (dizíamos que o importante não era colocar as crianças na escola, mas sim dar a elas um ensino de qualidade). Dizíamos que essas iniciativas eram "eleitoreiras".
A predominância de uma agenda negativa e a adoção de bandeiras absurdamente genéricas ("ética", por exemplo) eram decorrência evidente da nossa ausência total de um projeto para o país. Sabíamos exatamente o que não queríamos, mas nem tínhamos ideia do que faríamos com o país. Entramos nas eleições de 1998 tendo como maior esperança a possibilidade de Ciro Gomes tirar votos de FHC e forçar um 2o turno FHC x Lula. Não deu. Ciro naufragou e nós tivemos os votos que sempre tínhamos, algo menos que um terço do eleitorado.
A virada só veio quatro anos depois. A fadiga de material havia aumentado muito, Serra fez uma campanha vacilante, nem governista nem oposicionaista, e Lula e Zé Dirceu tomaram a decisão que fez a diferença. Pararam de fingir que eram socialistas (algo que o PT nunca foi) e entraram de cabeça na realpolitik. Acalmaram parte dos grupos reacionários e atraíram o voto de gente que não aguentava mais viver num país sem crescimento econômico. O resto é história.
O que temos agora é bem parecido, só que com os papéis invertidos. O governo petista sente a fadiga de material, e ainda que mantenha a fidelidade incontestável de fatias do eleitorado, o espaço para uma vitória oposicionista se ampliou bastante em relação a 2010. A questão é: quem vai ocupar esse espaço?
O PSDB está exatamente como nós, da esquerda, estávamos há 15 anos. Perdido. Sequer sabe quem é. Se um partido de direita, se um arejado defensor do liberalismo, se um partido das elites. Detesta o governo petista, e tem uma gigantesca agenda negativa. Mas o que querem fazer no poder? Ninguém sabe. Nem eles. Supõe-se que diminuiriam o tamanho do Estado, mas nem isso é certo. Há dias Aécio disse que é preciso "reestatizar" a Petrobrás. Um gesto absolutamente desesperado do candidato do partido que mais fez privatizações na história do país. Espalharam privatizações em seus anos de governo, e fazem um escarcéu por uma concessão, que nem privatização é.
A incoerência do discurso aecista é tamanha que sequer precisa ser discutida em profundidade. Ela denota a total ausência de discurso e projeto que o PSDB vive hoje. Aliás, qualquer pessoa que tenha morado em Minas Gerais no período de hegemonia tucana no estado sabe: se alguém recorre a Aécio Neves, está em busca de qualquer coisa, menos de discurso e projetos. Aécio não tem nenhuma dessas coisas. Nunca teve nem terá.
Enquanto o PSDB não decidir o que quer da vida, terá dificuldades de chegar ao poder com uma agenda meramente negativa. Ser contra tudo o que o governo faz dificilmente os levará ao poder, da mesma forma que nos deixou muito longe dele em 1998. Resta a esperança em Eduardo Campos, escalado para ser para o PSDB tudo aquilo que Ciro Gomes não conseguiu ser para o PT há 15 anos. O candidato moço, bem apessoado, governador nordestino de sucesso, que emerge da aliança governista com um projeto pessoal próprio, disposto a roubar votos tradicionalmente destinados ao governo.
Na falta de um projeto, o PSDB conta com Eduardo Campos para forçar um segundo turno, exatamente como fizemos com Ciro Gomes em 1998. Naquela vez não deu certo. Em um ano saberemos se a história vai se repetir, ou se desta vez a coisa será diferente.
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
A história dos historiadores é de esquerda?
Ouvi hoje pela trilionésima vez uma referência à "doutrinação marxista" que, supostamente, nós, professores de história, oferecemos a nossos alunos. Sempre descartei isso como tolice que nem merecia ser discutida. Mas desta vez resolvi pensar a sério no assunto. Nem que seja para entender de onde os caras tiram isso.
Para começar é importante reconhecer que de fato a maioria esmagadora dos professores de história (seja na universidade ou na educação básica) é simpática a causas progressistas, ainda que não necessariamente sejam de esquerda. Comunistas então, estão em extinção total. Mas de fato há uma proeminência acentuada dos progressistas no nosso mundo. Não conheço pesquisa sobre o assunto, mas acho que o que acabo de dizer é óbvio para quem vive no mundo dos historiadores.
Mas e as obras? Bem, naturalmente seguem essa tendência. A maioria tem uma perspectiva esquerdista, ainda que isso seja bastante discutível no caso dos pós-modernos, foucaultianos, etc. que se consideram o supra-sumo da visão progressista de mundo, mas são tidos como perigosamente próximos de uma visão conservadora por outros (inclusive eu). Isso à parte, em linhas gerais a historiografia brasileira tende mesmo à esquerda nos últimos 50 anos. Mas isso é "doutrinação marxista"? Não acho. Pra começar ser progressista, esquerdista e marxista são coisas diferentes. O marxismo segue sendo uma tendência forte entre os historiadores brasileiros, mas isso não se traduz em obras que tenham intencionalidade política. Trata-se apenas de utilizar a visão marxista como ferramenta para entender processos sociais (traduzindo: ganha uma viagem para Cuba quem encontrar um livro acadêmico no último quarto de século com o tom "viva a revolução" ou "morte à burguesia"). E há muitos historiadores progressistas e esquerdistas que não são marxistas. Mas é preciso reconhecer que há um campo em que as coisas têm outra dinâmica: os livros didáticos. Não sou especialista no assunto, mas já vi muitos que são inteiramente baseados num esquerdismo absolutamente infantil e pouco informado. A história do Brasil nesse tipo de livro didático (também já vi muitos que não são assim) é simples: a elite brasileira é malvada e todo mundo que em algum momento foi contra ela é herói. Aí se glorificam tipos questionáveis, como Prestes, ou francamente suspeitos, como Antonio Conselheiro. Muitos livros didáticos fazem essa operação, nós, historiadores profissionais, não gostamos de gastar tempo com "grandes figuras", já que isso nos lembra a historiografia mais antiquada e detestável que existe, e pronto. Está aberto o cenário para algum revisionista de direita venha falar que há consenso absoluto entre os historiadores de que esses caras são heróis, afinal somos todos doutrinadores esquerdistas, diz que vai mostrar a VERDADE, sem nenhuma IDEOLOGIA, faz um livro que vende trilhões de cópias e fica famoso. Claro que os livros em questão são totalmente politizados, mas aí é uma característica secular da direita: acha que ser de direita é "normal" e ser de esquerda é "ideológico". Em suma: não existe nenhuma doutrinação ideológica. Existe uma tendência progressista no mundo dos historiadores que se traduz em nossos escritos (assim como há uma tendência liberal-conservadora entre os donos de veículos de imprensa, que faz com que essa visão seja hegemônica nesses veículos). Também há muito livro didático ruim, alguns de tendência esquerdista infantil, mas também outros seguindo a modinha da história cultural. Assim, não se deixe enganar por jornalistas ricos e famosos bancando os pobres defensores da verdade num universo dominado pela mentira. Esses caras carregam um discurso muito mais doutrinário que o nosso, e atingem muito mais gente que nós. Esse papo é discurso para vender livro e enganar otário.
Para começar é importante reconhecer que de fato a maioria esmagadora dos professores de história (seja na universidade ou na educação básica) é simpática a causas progressistas, ainda que não necessariamente sejam de esquerda. Comunistas então, estão em extinção total. Mas de fato há uma proeminência acentuada dos progressistas no nosso mundo. Não conheço pesquisa sobre o assunto, mas acho que o que acabo de dizer é óbvio para quem vive no mundo dos historiadores.
Mas e as obras? Bem, naturalmente seguem essa tendência. A maioria tem uma perspectiva esquerdista, ainda que isso seja bastante discutível no caso dos pós-modernos, foucaultianos, etc. que se consideram o supra-sumo da visão progressista de mundo, mas são tidos como perigosamente próximos de uma visão conservadora por outros (inclusive eu). Isso à parte, em linhas gerais a historiografia brasileira tende mesmo à esquerda nos últimos 50 anos. Mas isso é "doutrinação marxista"? Não acho. Pra começar ser progressista, esquerdista e marxista são coisas diferentes. O marxismo segue sendo uma tendência forte entre os historiadores brasileiros, mas isso não se traduz em obras que tenham intencionalidade política. Trata-se apenas de utilizar a visão marxista como ferramenta para entender processos sociais (traduzindo: ganha uma viagem para Cuba quem encontrar um livro acadêmico no último quarto de século com o tom "viva a revolução" ou "morte à burguesia"). E há muitos historiadores progressistas e esquerdistas que não são marxistas. Mas é preciso reconhecer que há um campo em que as coisas têm outra dinâmica: os livros didáticos. Não sou especialista no assunto, mas já vi muitos que são inteiramente baseados num esquerdismo absolutamente infantil e pouco informado. A história do Brasil nesse tipo de livro didático (também já vi muitos que não são assim) é simples: a elite brasileira é malvada e todo mundo que em algum momento foi contra ela é herói. Aí se glorificam tipos questionáveis, como Prestes, ou francamente suspeitos, como Antonio Conselheiro. Muitos livros didáticos fazem essa operação, nós, historiadores profissionais, não gostamos de gastar tempo com "grandes figuras", já que isso nos lembra a historiografia mais antiquada e detestável que existe, e pronto. Está aberto o cenário para algum revisionista de direita venha falar que há consenso absoluto entre os historiadores de que esses caras são heróis, afinal somos todos doutrinadores esquerdistas, diz que vai mostrar a VERDADE, sem nenhuma IDEOLOGIA, faz um livro que vende trilhões de cópias e fica famoso. Claro que os livros em questão são totalmente politizados, mas aí é uma característica secular da direita: acha que ser de direita é "normal" e ser de esquerda é "ideológico". Em suma: não existe nenhuma doutrinação ideológica. Existe uma tendência progressista no mundo dos historiadores que se traduz em nossos escritos (assim como há uma tendência liberal-conservadora entre os donos de veículos de imprensa, que faz com que essa visão seja hegemônica nesses veículos). Também há muito livro didático ruim, alguns de tendência esquerdista infantil, mas também outros seguindo a modinha da história cultural. Assim, não se deixe enganar por jornalistas ricos e famosos bancando os pobres defensores da verdade num universo dominado pela mentira. Esses caras carregam um discurso muito mais doutrinário que o nosso, e atingem muito mais gente que nós. Esse papo é discurso para vender livro e enganar otário.
sábado, 12 de outubro de 2013
Nós e nossos ídolos
Cheguei de volta ao Brasil, e ao tentar me inteirar do que se passou na minha ausência, fiquei perplexo ao ser informado da existência do tal Procure Saber. O grupo, que tem Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto Carlos e Gilberto Gil entre seus membros quer simplesmente que uma biografia só possa ser publicada com a anuência do biografado ou de sua família.
O absurdo da proposição salta aos olhos, tanto mais quando vemos os pífios argumentos que lhe dão base. Para começar, reclamam que os biógrafos ganham fortunas à custa dos biografados. O que, para começar, é mentira na maioria absoluta dos casos. Mas mesmo que ganhassem: não é justo que sejam bem pagos ao produzir um sucesso de vendas? Ou os membros do grupo não ganham dinheiro com sua produção musical?
Outro argumento é que os biografados podem ser injustamente detratados numa biografia. Ora, mas em que isso difere de qualquer outra produção intelectual? Qualquer cidadão tem o direito de ir à justiça se isso acontecer num livro, disco, site, jornal, revista, etc. Pode ser lento o processo, mas infelizmente só há uma alternativa a isso: a censura, que é exatamente o que propõe o grupo.
Pelo que notei, a postura dos músicos tem sido muito atacada. Vejo que há muita decepção com artistas que foram censurados pela ditadura, e hoje propõem a mesma censura em relação a biografias. Concordo, é isso mesmo. Mas acho que falta notar algo aí. Isso tudo (inclusive o que eu mesmo argumentei) faria sentido se pensarmos nesses artistas como pessoas comuns que vivem da música. Mas eles não se vêem assim. Se vêem como instituições.
Na verdade o tal grupo é apenas o ponto de chegada de um longo processo que fez dessa brilhante geração de músicos algo verdadeiramente inquestionável. Você simplesmente não fala mal desses artistas. Dizer que um disco deles é ruim é tão inconcebível que isso sequer passa pela nossa cabeça. Até os fatos mais óbvios nessa direção passam batido. Por exemplo: faça uma lista das 20 melhores músicas desses artistas. Quantas delas foram escritas nos últimos 25 anos? Nenhuma? Uma? Talvez duas? Pois é, há um quarto de século eles estão produzindo discos que não deixarão nenhuma marca na história da música brasileira. Todos sabemos disso. Mas não podemos nem pensar nisso. É um verdadeiro pecado.
Em boa medida isso não tem a ver com os artistas em si. Eles fizeram parte dessa mitificação, mas não tanto quanto críticos, jornalistas, intelectuais, consumidores, etc. Digamos a verdade: nós transformamos esses caras em instituições inatacáveis. E eles acreditaram. Será que são tão culpados assim por isso?
A grande verdade é que somos todos culpados em mais de um sentido. Não é segredo que Chico Buarque é um cachaceiro mulherengo muito parecido com milhões de outros que qualquer mulher odeia. Mas é preciso manter o mito. As mesmas mulheres que odeiam caras como ele querem manter a imagem do cara sensível, bonito e que “entende o que a gente pensa”. Todos os outros membros do grupo tem esqueletos do tipo no armário, todos bem guardados com a nossa conivência. O mito tinha de ser preservado a todo custo, em um empreendimento coletivo.
A gigantesca arrogância que os artistas demonstram agora não saiu da cabeça deles. Foi criada por toda uma sociedade. Agora não adianta ficar com raiva por eles terem assumido o papel que oferecemos a eles. Dissemos a eles por quase 50 anos que eles eram mitos inatacáveis perfeitos, verdadeiras instituições, muito mais que pessoas, salvaguardas da música brasileira. Então não vale achar que a culpa desse monstrengo que eles querem nos empurrar é só deles.
O mais triste, no fundo, é o que isso tudo mostra sobre nós. Pensamos que somos pessoas progressistas, intelectualizadas, de mente aberta, mas não podemos aceitar que um músico que amamos tenha uma vida pessoal que nos desagrade, ou até uma perna mecânica. Isso sim é que é triste. Eles não querem que essas coisas sejam reveladas porque nós mesmos mandamos todos os sinais de que preferíamos não ter de lidar com elas. No fim, somos bem piores do que pensamos.
sábado, 5 de outubro de 2013
A Aposta de Marina
(caros, não tenho a pretensão de imitar Saramago. Meus textos estão saindo sem parágrafos por motivos alheios à minha vontade. Desde que saí do Brasil está assim e não consigo resolver. Agradeço a paciência dos amigos)
A notícia de que Marina Silva vai se filiar ao PSB e deve ser a vice de Eduardo Campos é disparada a grande novidade do cenário eleitoral. E é uma novidade muito surpreendente. Marina Silva passou os últimos 5 anos construindo cuidadosamente a ideia de que nada tinha a ver com os demais políticos. E agora se filia a um partido sem nenhuma ideologia. Naturalmente a primeira tendência é achar que ela joga seu capital político fora, ao apoiar um candidato comum, correndo o risco de ser a grande patrocinadora de uma campanha que não vai decolar. Isso reduziria a pó suas esperanças de ser presidente do Brasil. Pode ser exatamente o que vai acontecer. Mas pode ser que não. Os cálculos dela fazem algum sentido.
Certamente Marina avaliou que ficar de fora das eleições reforçaria a ideia de que ela é coerentemente alheia aos partidos tradicionais. Mas poderia ter um custo político muito alto: o esquecimento. Seriam oito anos sem disputar eleições nem ocupar cargos. Novas lideranças poderiam surgir e ocupar seu espaço de "musa dos cansados". O risco era alto, e ela não quis correr. Ou seja, ela ficou em uma verdadeira sinuca. Manter a postura que lhe deu notoriedade poderia ser danoso a longo prazo. Trair essa coerência poderia ser ainda pior. Convenhamos: ela estava numa sinuca.
E se era para ela aderir a alguma candidatura, Eduardo Campos era a única opção. Dilma e Aécio são identificados demais com o cenário político atual, representando os partidos que hegemonizam a política brasileira nos últimos 20 anos. O cálculo certamente é: sendo seu eleitorado majoritariamente muito despolitizado, não conhece o governador de Pernambuco, e portanto não o associa à política tradicional. É jovem, tem olhos claros, virá certamente com um discurso de quem quer renovar a política, etc. A aposta de Marina é que seu apoio cacife Eduardo Campos a disputar pra valer a presidência, o que lhe colocaria em ótima posição. Em especial se Eduardo brigar no topo, mas não conseguir vencer, deixando o caminho livre para ela em 2018.
Esse é o cenário dos sonhos de Marina. Há também a chance de dar tudo errado. O Brasil perceber que Eduardo Campos, a despeito das aparências, é membro legítimo da linhagem de coronéis nordestinos, ainda que com imagem de bom moço e discurso de tons liberais (pensando bem, se parecendo cada dia mais com o Collor de 1989). Isso poderia levar a candidatura dele a não decolar, e arranharia muito a imagem de Marina. Seu discurso de "não faço parte da política" seria trucidado, e seu prestigio sofreria um forte abalo, ao patrocinar uma candidatura fracassada.
Em suma, o risco é alto. Marina partiu para o tudo ou nada. Em um ano saberemos se a aposta deu certo ou não.
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Sem Marina...
O TSE negou o recurso da Rede Sustentabilidade, deixando Marina Silva sem sua legenda para concorrer nas próximas eleições. O fato é muito sério e merece exame.
Para começar: não tenho formação jurídica e não tenho como comentar a decisão. E não acho que o Judiciário seja obrigado a decidir a favor do que eu penso. Acho que eles têm de cumprir seu dever, e pronto. Ficar desmerecendo decisões judiciais me parece anti-democrático, ainda mais em se tratando de quem não sabe do que está falando. Então nessa discussão, como na do mensalão, eu não vou entrar.
O que eu posso ver é o seguinte: sem Marina Silva, as eleições de 2014 ficam muito mais previsíveis. Afinal, ela se apresentava como o "novo na política", aquele "novo" que não se definia, que não dizia nada, e exatamente por isso tinha toda a chance de atrair o voto dos "indignados", dos que estão "contra isso tudo o que está aí". Essa raiva difusa dos políticos poderia fazer Marina causar problemas para Dilma, ainda mais se ela seguisse sendo a grande canalizadora dos votos evangélicos que foi no primeiro turno de 2010.
Marina ficou num beco sem saída. Ela só tinha chance de disputar a presidência por vender a imagem de outsider, alguém que estava fora do sistema político, por mais absurdo que isso pudesse soar. Sem sua "rede", não há muito o que fazer em relação ao ano que vem. Se filiar a um dos partidos existentes seria negar toda a imagem cuidadosamente construída. Então a opção ficou para 2018.
O novo cenário beneficia Dilma tremendamente. Marina era a única com chance de surfar na onda moralista dos indignados. A única que poderia capitalizar os protestos do meio do ano. A única que tinha chance de atingir os que querem "algo novo". Sem ela, a situação ficou bastante previsível. O que sempre beneficia um governo com altos graus de aprovação.
Analisemos as opções concretas à Dilma. Aécio Neves não tem ideias, projetos ou projeção nacional. Repete um argumento vagamente liberal, sem delinear o que faria para transformar o Brasil em um país melhor do que é hoje. Pelo simples fato de que não tem ideia de como fazer isso. Situação que fica ainda pior quando pensamos que é filiado a um partido, o PSDB, que não consegue decidir quem é.
A outra opção é Eduardo Campos. Seu projeto é claro: ser o "nem PT nem PSDB". Aposta no cansaço do eleitor em relação à polarização que define o cenário político nacional há 20 anos. Em tese não é uma ideia ruim. Ainda mais porque é alguém que foi da base governista mas adota um discurso liberal, exatamente pensando em roubar votos dos dois lados. Mas sem Marina, a tendencia para a polarização PT-PSDB se manter ficou enorme. Dificilmente um político desconhecido e com tão pouco tempo de TV poderá romper com essa tendência.
A história nos ensina que a política é um campo em que as coisas mudam muito rápido. Assim, qualquer previsão pode ser desmentida em 15 minutos. Mas no cenário atual, tudo aponta para a reeleição de Dilma. A impossibilidade da candidatura Marina Silva parece sacramentar o fato. Independente do que pensemos a respeito.
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