domingo, 1 de setembro de 2013

Sobre jornais e pedidos de desculpa


Causou um certo furor nas redes sociais o fato de o jornal O Globo ter publicado um pedido de desculpas por seu apoio ao golpe militar de 1964. Há alguns anos a Folha de São Paulo fez algo bem parecido. O texto é histórico, evidente. Mas certamente não por mostrar a maior rede de comunicação do país arrependida do que fez.
Pois é óbvio que não está arrependida de nada. Basta ler o texto para perceber isso. Há uma "contextualização" que visa minimizar o apoio aos militares, com críticas a Jango e a lembrança de que Roberto Marinho protegia jornalistas de esquerda, para dar a imagem de que o grupo de comunicação de alguma forma manteve a isenção. E há uma inacreditável pirotecnia que tenta convencer o leitor de que o jornal manteve seu compromisso com a legalidade e a democracia. Fica a pergunta: onde está o compromisso com a legalidade e a democracia quando se apoia a derrubada de um governo eleito e a instauração de uma ditadura que matou, prendeu e torturou quem quis, tudo com o apoio explícito da Globo?
Mas o pior de tudo, o que evidencia a farsa definitivamente, é a tentativa de caracterizar o apoio ao golpe como um leve escorregão em uma longa trajetória democrática. A "prova" seria a postura crítica do jornal em relação ao Estado Novo. Nem uma palavra sobre o apoio ao golpismo que levou Vargas ao suicídio. Ou sobre a tentativa de roubar as eleições de 1982, tirando a vitória de Leonel Brizola, eleito nas urnas pela população. Sobre a manipulação que fingia que não havia comicios pelo país afora, em 1984, pedindo eleições diretas para presidente.
Tampouco se mencionou o fato de as Organizações Globo terem engordado monumentalmente com a ditadura. Em 1964 Roberto Marinho possuía um jornal e uma rádio, salvo engano meu. Ambos tinham penetração na cidade do Rio, mas longe de liderar seus segmentos. Quando a ditadura acaba, a empresa possui dezenas de veículos em todos os seguimentos, a maioria líder de audiência. O principal, a TV Globo, iniciada com recursos estrangeiros, algo que fere a lei brasileira, com apoio dos militares. Veja só que engraçado: quando acontece o golpe militar, as Organizações Globo tinham quase 40 anos de vida. Em 20 de ditadura multiplicaram infinitamente sua abrangência e patrimônio. Não é engraçado? Bem, a empresa ter se beneficiado imensamente da ditadura não foi mencionado.
Então é evidente que o pedido de desculpas não mostra nenhum arrependimento. Até porque o jornal seguiu envolvido na tentativa de demolir os políticos que não lhe agradam do ponto de vista ideológico e não lhe tragam ganho econômico. Faz isso até hoje. Não há arrependimento de nada, ou alguem duvida que um golpe contra um governo petista seria apoiado por eles do mesmo jeito? (calma, claro que isso nao vai acontecer, mas se acontecesse...)
A grande notícia não é o arrependimento que não existiu. O texto é histórico porque mostra um órgão essencial do maior grupo de comunicação do Brasil, que sempre fez o que quis, ser obrigado, a evidente contragosto, a dar uma satisfação à sociedade. Isso sim é algo que precisamos tentar entender melhor.
É possível que o jornal tenha se sentido encurralado. Não pelos protestos em sua porta. Acho que isso foi só o empurrão final. Acho que a coisa é mais complexa. Uma coisa é voce apoiar governos ditatoriais ou atacar políticos polêmicos, com Brizola. Outra, bem diferente, é ser contra o governo mais popular da história, e ainda por cima concorrendo com internet. Ou seja, não adianta eles mentirem como sempre, pois sempre poderão ser desmentidos nas redes sociais.
Além disso, existe a crise mundial dos jornais, que sofrem com a concorrência da internet. Some-se tudo isso aos protestos e pronto. Vemos um periódico do maior grupo de comunicação do país ser obrigado a dizer coisas que não queria, para tentar salvar algo de sua influência. Para quem, como eu, cresceu vendo as Organizações Globo, mentirem impunemente para defender seus interesses, o texto é histórico por esse motivo.

PS: para quem não leu, o pedido de desculpas se encontra no link http://oglobo.globo.com/pais/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604

Um comentário:

  1. Acabei de ler a enganosa retratação, e percebe-se claramente no decorrer do texto a tentativa de justificar o apoio e atenuar as implicações do mesmo.
    Como você observou, fica evidente a necessidade deles em se explicar perante à sociedade, justo no momento em que as organizações globo sofrem maiores questionamentos, e ainda assim omitem muitas informações, tentando enganar aos desavisados (pois somente o total desconhecimento pode permitir ao sujeito acreditar no sincero arrependimento vindo de um editorial desses).

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