sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Homossexualismo, religião, política e liberdade


Vários amigos, companheiros esquerdistas, compartilharam imagens de duas mulheres apanhando e sendo presas por se beijar num evento promovido por Marcos Feliciano. Qualquer pessoa que me conhece sabe que detesto esse cidadão e acho um absurdo o que houve com as moças. Mas vou dizer uma coisa: elas estavam completamente erradas. Por dois motivos.
O primeiro é teórico. Se queremos viver numa sociedade livre temos de aceitar o pensamento de qualquer pessoa, por pior que ele nos pareça, ao menos que ameace o direito dos outros de ter seu próprio pensamento. E a liberdade religiosa é um dos valores mais caros da democracia. Permitiu que gerações inteiras vivessem suas próprias experiências fora da religião dominante. Permite que seja possível ser ateu, ou professar candomblé, espiritismo ou qualquer outra crença em um país católico como o nosso.
Só que liberdade não pode ser a liberdade de fazer aquilo que a gente acha legal. Tem de ser toda a liberdade para todos. E certamente aquelas duas achariam intolerável que alguém protestasse contra os homossexuais na parada gay. Por que acharam que podiam afrontar a crença alheia em um evento religioso que nada tinha a ver com homossexualismo?
Porque estão cansadas de serem definidas em termos de sua orientação sexual. Ok, tá certo. Compartilho desse sentimento. Também me parece inaceitável que a orientação sexual seja motivo para discriminação. Mas a liberdade inclui o direito de ter ideias que nos parecem imbecis. E aquelas pessoas que estavam naquele evento não estavam lá para fazer nada contra homossexuais. Nada justifica aquela atitude, como nada justifica a ação de pessoas que foram encher o saco do Feliciano num vôo. Ali ele era um cidadão viajando, nada mais. Aquelas pessoas aceitariam que o Jean Wyllys recebesse o mesmo tratamento por expressar o que ele pensa?
Mas há um segundo conjunto de razões, que é político. Quanto mais atacamos Feliciano, mais o engordamos. Temos de fazer essa autocrítica: ele era um parlamentar evangélico como tantos outros. Quem o transformou em ícone não foram os evangélicos. Fomos nós. Demos uma importância que ele não tinha, e o transformamos numa celebridade nacional. Proporcionamos a ele um discurso defensivo que ele não tinha. Quando o trollamos num vôo, quando vamos lá beijar pessoas do mesmo sexo num evento religioso que nada tinha a ver com isso, damos a ele, e a muitos outros, argumentos para se considerarem perseguidos numa ditadura gay. O argumento é absurdo, mas embasado em atitudes nossas. Temos muito a ver com esse monstro, muito mais do que queremos admitir.
Que lutemos contra a discriminação contra orientação sexual. Mas que saibamos como fazer isso. Eventos religiosos não são o espaço para isso, pois ferir o princípio da liberdade religiosa não ajuda em nada. Dar argumentos para eles se mostrarem como vítimas tampouco vai ajudar. Há formas muito mais efetivas de agir. Por exemplo: se indignar com o fato de as paradas gays terem se transformado em eventos comerciais que nem fingem tentar ajudar a causa da igualdade civil. Que tal começarmos por aí?

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