terça-feira, 10 de setembro de 2013
Chile, 40 anos depois
Há 40 anos o governo democrático, eleito e constitucional, comandado por Salvador Allende, era derrubado por um golpe militar liderado por Augusto Pinochet. Um fato tão repleto de significados que não há post que dê conta do assunto.
Para começar, não há dúvidas de que dentre todos os golpes militares que a América Latina conheceu naqueles anos, nenhum doeu mais do que o de 11 de setembro de 1973. Até onde sei, Allende foi o único humano da história universal a chegar ao poder de forma democrática propondo levar seu país ao socialismo. Assim, o Chile foi o único país a ir as urnas e eleger um chefe de Estado com uma proposta clara e inequivocamente marxista. O que dá muito o que pensar.
Ignorantes e mal intencionados adoram repetir a seguinte frase: "no capitalismo é possível ser socialista. mas no socialismo é impossível ser capitalista". MENTIRA. O capitalismo historicamente investiu tremendamente em impedir a auto-determinação dos povos quando ela ameaçava o sistema econômico dominante. Allende foi eleito democraticamente. O governo venceu de forma inquestionável as eleições parlamentares de 1973. O presidente chileno foi derrubado unicamente por comandar um governo ideologicamente socialista num hemisfério capitalista. Uma lembrança de que o capitalismo jamais tolerou oposição. Só passou a aceitar os socialistas quando o regime que defendiam deixou de ser uma possibilidade real. Quando ameaçado, reagia com a mesma brutalidade e intolerância ditatoriais que, em seu discurso, são exclusividade de Stalin, Mao e Fidel.
Há mais. A derrubada de Allende levou a um extremo imensurável a fórmula que sempre garantiu a manutenção do poder nas mãos da elite tradicional latino-americana. A princípio, não houve muita novidade: militares, burgueses, fazendeiros, imprensa e religiosos, fartamente financiados pelos EUA, garantindo que a massa despossuída seguisse na miséria. De fato foi isso mesmo. Mas em um nível que não se vê em outros episódios do tipo. É possível argumentar que parte significativa das sociedades brasileira e argentina quisessem o fim dos governos Goulart e Isabelita. Mas é indefensável a ideia de que a queda de Allende tivesse respaldo popular. Foi, mais claramente do que qualquer um, um golpe dos privilegiados contra a vontade popular. E foi apenas o ponto final de uma trajetória de sabotagem e jogo sujo. E nesse caso os EUA simplesmente dispensaram qualquer formalidade pseudo-democrática: sua marinha estava estacionada no limite das águas territoriais chilenas. Se algo desse errado, eles invadiriam o país e resolveriam o problema rapidamente.
Mas talvez o mais doloroso de tudo tenha sido o caráter simbólico do golpe. O Brasil era uma ditadura há 9 anos. A Argentina tentava retomar a democracia, mas se mantinha instável há décadas. Até o Uruguai, talvez o maior bastião da democracia sul-americana, havia caído nas mãos de uma ditadura. Até 11 de setembro de 1973 o Chile era a ultima barreira. Ainda melhor: uma barreira construída pelo seu povo, principalmente os mais pobres e necessitados. Quando essa barreira caiu, nada restou. Há 40 anos, a América do Sul entrava de forma indiscutível no mundo das trevas. Há 40 anos atrás acabava toda a esperança de mudar a triste realidade do nosso continente. A esperança saiu de campo, para só retornar muitos anos depois.
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