sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Brasil 191


"Vocês brasileiros são muito engraçados. Acham que são os melhores ou os piores do mundo em tudo. Não há meio termo". Assim me falava um grande amigo, nascido fora daqui, mas morando por essas terras há muitos anos. O pior é que ele tinha toda a razão: somos assim mesmo.
Somos os mais simpáticos, os mais animados, os mais divertidos, temos o melhor futebol, a melhor música, o melhor carnaval, a melhor natureza, as praias mais lindas, as mulheres mais perfeitas, a maior diversidade, a melhor comida. Também temos a pior elite, a maior desigualdade, a classe média mais fascista, a pior educação, e assim vai. É um tipo muito particular de megalomania. Não somos os 33os, os 78os ou os 112os em nada. Somos os melhores ou os piores.
Isso vale, claro, para nossa Independência. Em nossa cabeça, todos os países do planeta que um dia foram colônias se libertaram após uma genuína e heróica luta popular, enquanto nós recorremos a um pacífico e chinfrim arranjo interno da família real portuguesa. Pior ainda, isso ainda seria uma espécie de pecado original. Olhamos para esse fato como se ali estivesse contido tudo o que viria a acontecer depois. A origem de tudo o que deu errado depois estaria naquele arranjo entre a alta elite, sem nenhuma participação popular, como mostra o mítico quadro de Pedro Américo.
Infelizmente nossa história vive uma fase em que impera o mais ridículo revisionismo, em que livros são escritos para o grande público tentando mostrar como a história do Brasil é ridícula e absurda. Escritos por historiadores e jornalistas de direita, esses livros vendem horrores, contando uma história descontextualizada, que só tem como objetivo vender a ideia de que temos a classe política mais patética que já existiu na humanidade. O que é uma forma de bater indiretamente no atual governo, claro.
Se esse revisionismo estivesse genuinamente interessado em rever pra valer a história do Brasil, deveria se voltar para a Independência. Se fizessem isso, notariam que a grande especificidade da nossa independência foi uma só: ao contrário de todas as outras, que cultuam até hoje uma memória heroica e combativa dos libertadores, nós sempre fizemos questão de apresentar a nossa como isenta de conflitos. Em suma, a diferença é essencialmente no campo da memória, mais que na história.
A verdade é que muito sangue rolou no nosso processo de independência. Ao contrário do que diz a lenda, a coisa não se resumiu a uma espada no ar e um grito às margens do Ipiranga. Dali para frente houve muita luta, que só terminaria em julho seguinte. Se quiséssemos ser justos, deveríamos comemorar nossa data magna em 2 de julho, quando os portugueses foram expulsos da Bahia. Mas aí teríamos de contar uma história em que negros, escravos e pobres deram sua vida pela luta libertadora, o que, francamente, nunca interessou a muita gente. Sempre pareceu mais seguro aos dominantes mostrar um processo em que o protagonismo coube exclusivamente a eles, enquanto o povo ficava ali no cantinho, olhando aterrorizado.
Mas não é só isso. No resto do continente, os governantes do século XIX utilizavam com gosto a memória das lutas pela independência como forma de se legitimar. Aqui isso causaria um mal-estar: éramos um império governado primeiro pelo filho e depois pelo neto do rei português quando da separação. Depois que se proclamou a república então, nem pensar em celebrar uma luta liderada por um imperador.
Deixemos de viralatismo. Nossa independência foi na mesma linha das outras. Liderada pela elite local, desejosa de se auto-governar, e com muito sangue subalterno derramando. Não há vergonha nisso. É o procedimento padrão, infelizmente. Não é a história mais perfeita do mundo, mas não é pior que a de ninguém. E nem melhor também. É nossa história. Celebremos o 7 de setembro. Sem culpa, sem senso de superioridade, e muito menos de viralatismo.

2 comentários:

  1. Por isso mesmo nas oficinas criativas da minha turminha de educação infantil nessa semana os trabalhos foram todos em cima do 7 de setembro com direito a bandeira do Brasil em e tudo o mais \o/

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    1. Temos muito o que aprender. A direita tem de parar com esse nacionalismo que desmerece os outros. A esquerda tem de parar de ter vergonha de se orgulhar da sua nacionalidade. Ambos tem de aprender que nacionalismo não quer dizer exclusivismo. Pode-se amar seu chão sem desmerecer ninguém, incluindo amando outros países também

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