sábado, 7 de julho de 2012

Um continente sem história


Durante a Euro-2012 houve uma tremenda briga entre torcedores russos e poloneses após o jogo entre as duas seleções. A parte mais arejada da imprensa esportiva brasileira buscou explicações históricas. Lembraram a imposição do comunismo pelos russos depois da 2a guerra, alguns lembraram da própria guerra, alguns foram até mais longe, lembrando a Partilha da Polônia, ocorrida há 240 anos.
Muito legal. Mas vamos fazer um exercício. Suponhamos que a seleção brasileira vá jogar no Paraguai, e após o jogo os torcedores locais façam uma emboscada e encham nossos compatriotas de porrada. Você acha que há alguma chance de aparecer o discurso "bem, isso tem raízes históricas, os paraguaios tem muito ressentimento conosco em função do massacre da Guerra do Paraguai, e há questões como Itaipu, os brasiguaios e a ingerência dos governos brasileiros sobre as questões locais, etc."?
Uma confusão entre jogadores bolivianos e chilenos levaria à lembrança da Guerra do Pacífico? Uma pancadaria numa partida entre um time de Buenos Aires e um rival do interior do país levaria a reflexões sobre a histórica divisão entre capital e províncias, com raízes na querela entre federalistas e centralistas, que causou até guerra no século XIX?
Claro que não. Você NUNCA vai escutar nada disso. Brigas de torcedores por essas bandas são simplesmente confrontos entre marginais. Mas a mesma cena em solo europeu é vista como consequencia de longa tradição de conflitos sócio-históricos. Qual a diferença?
Você sabe qual é a diferença. Séculos de repetição infinita da ideia de que só existe história na Europa. Você certamente conhece gente que sonha em tomar um banho de civilização na Europa, rodando por pequenas vilas e comer coisas rústicas enquanto se sente parte de uma história milenar. Mas duvido que você conheça alguém que sonhe em ir a uma tribo indígena desfrutar dos milênios de história deles. Ou que economize por anos para poder ir ao interior africano conhecer os milênios de história deles.
Não. História é só na Europa. Índios e negros não têm história, tem "folclore", ou no máximo "tradição". Nada mais justo. A História que é ensinada nas escolas e nas universidades ainda ensina exatamente isso. Garantia de que as próximas gerações serão tão colonizadas como a nossa e todas as que vieram antes. Um dia para o negro, um dia para o índio e 363 para o branco. Seguiremos assim.

3 comentários:

  1. Sua forma ainda é ofuscante, mas neste tens mais conteúdo.
    No meio do meu banho pessoal estou recortando uma série de pequenas incivilidades justamente para argumentar a dimensão humana (imperfeita e excrota) do mundo civilizado.
    Você imagina venda de minho assado na lata de brasa na porta do metrô!? Diga onde!

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  2. De fato... "Não temos história", as reflexões absurdas que os jornalistas brasileiros divulgam é sempre a espetacularização do futebol e depois o espetáculo perigoso dos marginais... Estava em Campinas, a cidade parou para o jogo de quarta, assisti num bar lotado. Lá eu percebi que o sentimento de torcida das pessoas tinha algo mais profundo e antigo... foi incrível ver como times locais tomavam dimensões nacionais e com isso, toda uma carga de encontros e conflitos emergia a flor da pele... mas se ao fim do jogo esses torcedores se encontram e se agridem tudo é reduzido(como num bom discurso jornalístico), tornando-se apenas marginalidade. É péssimo e as pessoas comumente não refletem sobre isso... enfim, que os indígenas e africanos são destituídos de historicidade na perspetiva colonizadora ocidental, isso todos já sabemos, pior ainda destutuir de historicidade também a América Latina (à qual, infelizmente, a maioria dos brasileiros não se vê como pertencetne)...

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  3. A história europeia ainda é predominante nos livros de história do Brasil, de cultura predominantemente européia, mesmo com as voltas do mundo, fica difícil pensar numa revolução dos estudos históricos quando toda a sociedade ainda se espelha neles como objetivo a ser alcançado, o 3º correndo atrás do primeiro. Falta de personalidade, boa auto-estima e criatividade, taí um grande problema cultural.
    Na luta entre Anderson Silva e Sonnen, este disse uma frase típicamente etnocentrica quando citou a diferença de criação, enquanto um estudava no computador, outro brincava na lama, muitos amigos meus se ofenderam pensando que brincar na lama é menos inteligente do que no computador. Ou menos inteligente ou menos evoluído, se o conceito de evolução continuar sendo ditado pelos países desenvolvidos, jamais chegaremos lá, porque eles podem mudar o caminho quando quiser, a não ser que comecemos a pensar por nós mesmos, ouvindo a rádio e tv mais os atuais professores, tá difícil que aconteça.

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