segunda-feira, 9 de julho de 2012
Constitucionalista, 80 anos
Hoje se completam 80 anos da Revolução Constitucionalista. E pelo que noto o tom geral dos comentários é: "há 80 anos a elite paulista promovia uma contra-revolução, e agora os paulistas celebram seu senso de superioridade lembrando disso".
Bem, há duas sentenças juntas aí. A segunda não me parece minimamente adequada ao que vi nos 12 anos que morei em Campinas. Nunca vi nenhuma celebração que motivasse muita gente. Pelo que vi nesse tempo, o paulista típico encara a data apenas como um feriado. A data é muito menos relevante para eles que a Inconfidência para os mineiros ou a Confederação do Equador para os pernambucanos. E infinitamente menos relevante que a Farroupilha para os gaúchos.
E chamar a Constitucionalista de uma "contra-revolução da elite paulista" é um absurdo completo. Nada mais é do que a narrativa do governo Vargas sobre o episódio. Para o poder então estabelecido, a revolução de verdade foi a de 1930, sobrando para 1932 o terrível epíteto de "contra-revolução" (vamos lá: para haver uma "contra-revolução" tem de ter havido uma "revolução" antes, né? a lógica mais elementar aponta isso, de acordo?)
Ora, então quando adotamos essa visão sobre a Constitucionalista estamos fazendo simplesmente uma coisa: reproduzindo, palavra por palavra, o discurso do varguismo sobre o evento. Convenhamos: repetir acriticamente o discurso de uma ditadura é algo que pode ser chamado de tudo, menos de "crítico". Ainda que em geral as pessoas façam isso como se estivessem adotando uma fala progressista, o que está implícito é: a revolução de verdade foi a comandada por Vargas, contra os oligarcas, que dois anos depois reagiram e tentaram retomar seus privilégios. E felizmente Vargas restaurou a justiça restaurando seu regime. Bela bosta de discurso, hein?
Para começar, não foi uma revolta oligárquica. Gerações de historiadores demonstraram de forma cabal que houve maciço envolvimento da população paulista na revolta. Ontem mesmo a Folha fez uma matéria bem legal mostrando que havia um batalhão formado apenas por jogadores de futebol, comandados pelo cracaço Artur Friedenreich.
Mais que isso: a revolta ocorreu em São Paulo, mas teve apoio pelo país afora. Um simples exemplo é o do locutor Cesar Ladeira, que ficou nacionalmente famoso pois todo o país tentava sintonizar o sinal da Rádio Record paulista para ouvir relatos mais próximos do que ocorria e, em geral, torcer para os revoltosos. Logo em seguida Ladeira foi contratado pela Mayrink Veiga carioca e fez carreira como ícone do rádio brasileiro.
E claro: nunca é sensato apontar um sentido único que explique o entusiasmo simultâneo de milhares e milhares de pessoas. Certamente na revolta havia oligarcas querendo mais poder. Mas também havia muita insatisfação, bastante genuína, com um governo que chegou ao poder prometendo o fim do domínio oligárquico mas na prática havia se transformado em ditadura.
Que os revoltosos jurassem defender os valores democráticos, nada mais normal. Que o governo Vargas os visse como contra-revolucionários tentando restaurar o poder oligárquico, nada mais justo. Que um ser humano repita essas peças de propaganda 80 anos depois, de forma acrítica, como se fosse algo crítico, questionador e inovador, aí sinto muito. É tolice pura mesmo.
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