Vi um comentário bem interessante no meu post anti-saudosismo que me fez escrever um novo post sobre o assunto.
Existe um saudosismo, digamos, pessoal. Esse é inevitável. Sempre sentiremos saudade de coisas que tínhamos em outros momentos de nossas vidas. Não há como escapar dele, e nem acho que deveríamos tentar. Mesmo que o preço a pagar seja edulcorar demasiadamente outros momentos das nossas vidas. Faz parte. Nada contra.
No entanto, há um outro saudosismo, digamos, "social". Aquele que faz parecer que "antigamente" (quando era isso?) as pessoas se respeitavam, os filhos obedeciam aos pais, havia amor genuíno, casamentos eram para sempre, as pessoas tinham valores respeitáveis, idosos eram bem tratados pelos mais jovens, etc.
Esse é o saudosismo que eu criticava. Afinal, está enraizado em uma visão absolutamente conservadora das coisas. Mais que isso: em uma visão absolutamente hierarquizada da sociedade. Um mundo onde não tínhamos escolhas. A saudade aí é a de um universo em que religião não era uma opção, mas uma obrigação. Em que pais não precisavam conquistar o respeito de seus filhos, que simplesmente eram obrigados a obedecer. Em que ficar com a mesma pessoa a vida toda era um imperativo social. Em que casamentos duravam para sempre independente do quão mal os conjuges se sentissem dentro dele.
Quem vê a coisa dessa maneira sente pânico de viver em um mundo em que temos de eleger nossos governantes. Ao invés de votar em quem o coronel manda ou engolir um governante imposto. Esses aí podiam roubar a vontade. Você nem ficava sabendo, e de toda forma a culpa não era sua. Brabo é agora, em que se reclama até morrer dos políticos ladrões, mas tentando varrer pra baixo do tapete o fato de que fomos nós que os colocamos lá. Melhor fingir não ter responsabilidade, né?
As pessoas que externam esse tipo de saudosismo na verdade tem um problema gigantesco com uma coisa muito boa da vida moderna: o direito a escolher como viver. Realmente é dificil. Você tem de fazer opções e se responsabilizar por elas. Muitas vezes escolhemos errado e pagamos caro por isso. Para mim isso é ótimo: pagamos pelos nossos atos, não por algo que a sociedade nos impôs.
Mas para muita gente isso é complicado demais. Avaliar prós e contras, tentar entender um assunto antes de tomar uma decisão, ter de lidar com pessoas que pensam diferente, tudo isso é insuportável pra muita gente. Em suma, pensar é um exercício penoso demais para essas pessoas. Bem melhor era o tempo em que simplesmente não escolhíamos nada, e as regras sociais eram tão fortes que nos davam um guia completo para a vida.
O preço a pagar por isso é a ausência de escolhas, a vida em uma sociedade absolutamente hierarquizada e a submissão permanente á autoridade superior (o político, o marido, o pai, etc.). Pra mim é um preço intolerável que se paga em troca de nada. Para muitos, seria o mundo perfeito, um passado idealizado em que não precisamos ter responsabilidade por nada.
Sim, sinto saudade dos meus avós, do meu primo, do meu melhor amigo. Adoraria poder vê-los de novo por um segundo que fosse. Sinto falta de ser criança, de ser um adolescente despreocupado curtindo a vida com os amigos, sinto falta dos tempos de universidade, dos anos em Minas, de conviver com minha família etc. etc. Mas não sinto nenhuma falta de viver em um mundo onde os outros decidiam tudo por mim. Isso eu deixo para o pessoal de direita.
Sinto-me muito honrada por esta resposta. Te admiro muito e por isso nutro um grande respeito pelo Tiago de Melo Gomes. Eu já havia dito: você tem razão. Saudosismo pra quê? Se ele nos coloca em estado de prostração. Veja: Nunca tinha verificado o significado desta palavra no dicionário e, ao menos é a sensação que me vinha ao tentar analisá-la, o sentimento de um olhar preso em algo inatingível porque é passado e é intocável e de um olhar deslocado e perdido porque não consegue aceitar as mudanças fica muito forte e presente.
ResponderExcluirDepois de lê os seus dois textos uma curiosidade me levou a folhear o Aurélio e junto a outro significado lá estava o que tanto você criticava e o que eu já intuíra pois, a própria palavra saudosismo traz em si uma transparência reveladora : “Gosto ou tendência para superestimar o passado. “ Saudade nos leva a alguém que esteve por perto de nós ou a algo que passou ou aconteceu em nossas vidas. Natural, normal e saudável, não é? A fixação e o excesso é que não é. Como você mesmo disse, traz, certo, desequilíbrio, um sofrimento, eu diria, à pessoa que vive tal sentimento. Talvez, quem sabe, este pode ser o pano de fundo de muitas depressões, só a psicologia e suas amigas ciências coadjuvantes para elucidar e responder.
O que estou tentando explicar e na verdade acabei por me enrolar é que, mesmo que saudosismo esteja de forma vital atrelada ao passado, não é na primeira que coloco as minhas ressalvas e sim na última. Saudosismo é isto mesmo: ruim. Mas, “antigamente” pode ser ruim, O que é completamente diferente de ser. Gostei do seu texto, concordo com muito do que está escrito ali. Porém gostaria de dizer-lhe, mesmo que isto pareça isolado num contexto maior, não me parecia idealizado o passado em que meus pais, analfabetos, tinham plena convicção em qual partido votar. Assim, como também, não me parecia, para mim uma criança de seis anos, e hoje analisando aquele momento naquele tempo, que eles estavam sendo coagidos a escolher o PMB, hoje o PMDB.
Eu sei! Você também já disse! As coisas melhoram bastante...ok! muito. A técnica, a ciência, as leis... o homem. O problema é que este mesmo homem que fez tudo isto melhorar e também se fez melhor é capaz de nos surpreender - ou não? – sendo protagonista de barbaridades que, assim penso eu, abalaria até mesmo os homens da caverna. Eu sei também que não é por este motivo que devemos sentir saudades dos “Outros Homens”. Porém olhar para o passado, não com o saudosismo, é importante para que nossa caminhada em direção ao futuro não seja uma caminhada sem rumo.
Observação: Desculpe-me por ter ocupado tanto espaço.