domingo, 22 de abril de 2012

Aos meus alunos


Existe um tipo de professor que todo estudante universitário conhece. Sua aula é muito ruim, não há nenhuma didática, mas ele tem conhecimento. Você se esforça para escutar o que a pessoa está dizendo, pois sabe que ela é intelectualmente consistente. Mas é muito difícil, já que ela é incapaz de dizer qualquer coisa de forma minimamente interessante.
Sempre imaginei que seria esse tipo de professor. Afinal, como todos os meus amigos sabem, meu estilo falastrão e despirocado é apenas um  "personagem para as massas", como diz uma amiga. Sou absolutamente tímido e retraído. Odeio me expor, e quando falo de algo sério, realmente importante, sequer consigo olhar para a pessoa com a qual estou conversando. Com mulheres, por exemplo, sou um desastre total. Abordar uma desconhecida me parece uma missão impossível.
Provavelmente por isso tenha demorado tanto para começar a dar aula. Ficar enfurnado em arquivos e bibliotecas me parecia muito mais seguro. Melhor adiar o quanto pudesse o dia em que eu começaria a dar aula e aborrecer meus alunos com horas de falação chata sobre temas desinteressantes.
No final do doutorado tive a oportunidade de começar minha carreira docente. Entrei numa sala de aula pela primeira vez. Imaginei que seria horrível e me resignei com o desastre. Para minha total surpresa o que aconteceu foi radicalmente oposto. Nem vi aquelas duas horas passarem. Nunca vou me esquecer daquele dia. Saí daquela sala de aula da Universidade Federal de Ouro Preto sem entender nada, pensando "meu Deus, a sala de aula me faz ser outra pessoa!".
Eu havia passado 2 horas falando sobre um tema que os alunos detestavam ("teoria da historia", algo que nenhum historiador gosta), mas sendo um professor totalmente diferente do que eu imaginava. Era divertido, com todas as respostas na ponta da língua, totalmente desinibido e seguro. Ou seja, eu era uma outra pessoa, que só existia quando eu tomava umas cervejas a mais.
Já se passaram uns 10 anos desde então. Nesse tempo a vida fez das suas. Tive momentos bons e ruins. Mas uma coisa nunca mudou. Dentro de sala me sinto em casa. Ali sou o cara que gostaria de ser o tempo todo. Claro que nem todos gostam. Muitos odeiam, por sinal. Mas essa não é a questão. O ponto é: a sala de aula faz de mim o cara que eu queria ser sempre.
Em suma, ser professor é uma droga. Entendo que muita gente queira tudo na vida menos isso. Mas eu amo. Jamais conseguiria fazer outra coisa. Frente a frente com algumas dezenas de alunos eu viro outra pessoa. Alguém que eu gosto muito mais do que de mim mesmo.

2 comentários:

  1. Acho que a sala de aula (falo a que temos condições de nos sentirmos a vontade...)tem uma magia que nos envolve assim que iniciamos a fala. Eu sinto a mesma coisa. Sentia exatamente isso que vc falou quando dava aulas no pré-acadêmico da Rural. E eu não ganhava um real, era voluntário. Este sentimento está para além de salário extraordinário. Existe "algo a mais" em lecionar, que é o nosso real motor.

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  2. Vim reler este texto procurando motivação para dar aula, na verdade não falta, mas nesses tempos da educação mineira, de castigos de Anastasia pós sua vitória da greve, realmente não está facil, reconheço minhas falhas e a possibilidade e necessidade de melhora e aprimoramento. Mas convenhamos, exercer a profissão com um pouco menos de dificuldade seria outra coisa. Salas abarrotadas de alunos, muitas vezes analfabetos, vindos de um política pedagógica retardante. Um professor para duas séries numa sala, um diretor sem autonomia e tantos outros problemas pede qualquer motivação, que sempre é algo a mais para o dia de amanhã, mais uma vez obrigado pela lição.

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