domingo, 29 de abril de 2012

As mil faces da xenofobia

Hoje postei no facebook algo tipo "não me venham falar desse clássico fuleiro da Ilha da Porcaria, clássico de verdade é Gre-Nal". Não apenas porque sou gremista, mas uma gozação com torcedores do Sport e do Nautico, meus rivais locais, já que aqui em Pernambuco sou Santa Cruz.
Bem, o resultado foi totalmente desagradável. Uma aluna respondeu dizendo que eu devia voltar para o Sul, para risadas e aplausos e outros alunos. Reclamei do tom xenófobo do comentário, que é muito parecido com o que os sulistas reacionários dizem para os próprios nordestinos. Ouvi de volta: "não gosta do futebol daqui? vá embora!".
Infelizmente isso está longe de ser um episódio isolado. Tive de renunciar à presidência da seção local do órgão representativo da minha classe porque meus colegas de direção disseram que não se sentiam à vontade trabalhando com alguém de fora. Uma pessoa que gosta muito de mim disse que no início resistiu à minha pessoa porque eu era de fora. Sempre que tomo chimarrão na rua escuto gente falando "para com isso, aqui é nordeste!". Aquela brincadeira que não é só brincadeira, sabe? Alguns percebem meu desconforto e falam "não, é por que aqui é quente, não deve ser bom tomar algo quente", mas claro que elas tomam café, não é mesmo?
E nem vou relatar casos de pessoas que falam na minha frente (ou até para mim) coisas tipo "o pessoal do Sul é tudo filho da puta, odeia nordestino", etc. etc. Acontece o tempo todo.
E é bom esclarecer que as pessoas em questão não são monstros reacionários. Pelo contrário, a maioria dos envolvidos nessas situações narradas são pessoas boas, esclarecidas e que em sua maioria gostam de mim. Nem passaria pela sua cabeça me ofender de propósito. E com toda a certeza jamais se imaginariam como xenófobas.
Acho que há duas coisas aí. A primeira é mais geral: pela minha experiência de eterno andarilho, aprendi que os lugares mais abertos à gente de fora são aqueles onde todo mundo é de fora. Morei numa cidadezinha de Minas sem nunca ser incomodado por ser forasteiro, já que todos ali eram forasteiros também. Porto Alegre (onde nasci) e Recife, grandes capitais brasileiras, são muito resistentes a pessoas de fora. Pra eles é novidade. Não são cidades típicas de imigrantes. Estranham até ouvir sotaques diferentes, o que dirá hábitos que lhes parecem estranhos.
Mas há uma coisa bem específica. Minha experiência também diz que há pessoas que estão tão acostumadas ao papel de vítima, que raramente se importam com os sentimentos alheios. Só sabem se ver como alvo da maldade alheia, então nem se dão conta de que elas próprias também ferem as pessoas, e com frequencia. Já sofri muito com gente assim. E o pior é que seu papel eterno de vítima as faz não ter a capacidade de reconhecer os próprios erros. Ficam ofendidas quando alguém aponta uma atitude errada. Só sabem acusar os outros.
Acho que é um bom paralelo para o que passo aqui. Nordestinos estão tão acostumados a ser ver como vítimas do preconceito alheio, que não dedicam um minuto de suas vidas a pensar se eles próprios são o exemplo de um povo não preconceituoso. Expressam sua xenofobia à vontade, sem culpa, e sem nem perceber o que estão fazendo. E se forem confrontados com isso, reagem raivosos. Afinal, só sabem se ver como vítimas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Revolução dos Cravos


Não entendo por que tantos brasileiros têm raiva de Portugal. Deve ser porque acham que a culpa de o Brasil não ter virado uma potência mundial é da colonização portuguesa. Eu não concordo nem um pouco com isso. Acho que Portugal fez com o Brasil apenas o que estava dentro do colonialismo daquela época. Os EUA não valem como parâmetro, pois as duas histórias são tão absurdamente diferentes desde o começo que a comparação que tanto se gosta de fazer fica ridícula.
Também acho esdrúxulo o argumento de "abrimos as portas para os imigrantes portugueses e agora eles fecham as portas para nós". Ora, o Brasil não aceitou os portugueses porque somos bonzinhos. Os aceitamos porque nossa elite queria entupir o país de brancos que fizessem os trabalhos menos remunerados. Tanto que enquanto abriam as portas para a imigração européia impediam negros e chineses de chegar. Não houve nenhuma generosidade nossa aí.
E francamente, será mesmo que os brasileiros acham que um país pequeno e nem tão rico assim daria conta de absorver uma enorme onda migratória e ainda bancar educação, saúde e demais direitos sociais a eles? Era o que se afigurava nos anos 90, e de fato os portugueses nada mais fizeram que fazer uma escolha baseado no que era bom para eles, exatamente como o Brasil havia feito 100 anos antes.
(E por favor, sem essa de "os imigrantes brasileiros não são bem tratados em Portugal". Os imigrantes portugueses quando vinham pra cá na grande onda migratória sofriam tanto ou mais)
Nunca fui a Portugal, mas tenho uma enorme simpatia. No mínimo porque é uma das nossas origens. Assim como olho para a África e para os indígenas como parte da minha origem, tenho o mesmo olhar para os portugueses. Não adianta não gostar. É de onde viemos. Sem essa gente não vamos saber quem somos. Meu sangue é majoritariamente português, e nada vai mudar isso. Sou um luso-brasileiro e me orgulho disso.
E há exatamente 38 anos os portugueses protagonizaram a última violenta transformação histórica do planeta da qual eu posso falar com alegria: a Revolução dos Cravos. Portugal aguentava uma ditadura retrógrada, patética e àquela altura completamente fossilizada. Em pleno 1974 ainda mantinha colônias na África com o argumento de que ser colonizado por portugueses era um prazer (nosso genial Gilberto Freyre ajudou a criar e justificar o argumento, por sinal). Portugal naquele momento passava vergonha em uma Europa Ocidental que avançava e onde o Imperialismo já era passado.
Naquele 25 de abril os portugueses fizeram história. Saíram às ruas e colocaram fim a um regime decrépito, para logo em seguida pôr fim ao absurdo imperialismo. A Revolução dos Cravos foi um episódio sensacional, um dos que mais me agrada no século XX. E como disse, o último grande evento do qual falo com alegria. Valeu Portugal!

terça-feira, 24 de abril de 2012

Luiz Gonzaga, um grande de seu tempo


O ano do Centenário de Luiz Gonzaga está gerando uma sequência de merecidíssimas homenagens, ao menos aqui no Recife. O sacal nessas situações são os chavões. Os dois que, como historiador, mais me irritam são "homem à frente de seu tempo" e "obra atemporal". Essas expressões tão repetidas partem da premissa absurda de que é possível escolher se você quer fazer parte do seu tempo ou não. Ou ao menos que os gênios têm esse poder.
Uma coisa é ouvir a inigualável música de Bach e se comover com sua beleza eterna. Outra coisa é você ignorar todos os sinais óbvios de que é uma obra indissociavelmente ligada à primeira metade do século XVIII, em especial das áreas protestantes da Alemanha.
O mesmo vale para Machado de Assis. Ler seus romances é excelente, mas tanto pelas convenções do romance realista como pela tematização obsessiva da crise da sociedade senhorial, são muito claramente obras do fim do século XIX brasileiro.
Essas obras não são "atemporais" e não estavam "à frente de seu tempo". Eram tão brilhantes e geniais que, a despeito de todo os seus aspectos datados, continuam tendo muita coisa a dizer para pessoas que vivem em contextos espaciais e temporais muitíssimos diferentes, o que é totalmente diferente.
Luiz Gonzaga era totalmente filho de seu tempo. Foi para o Rio como tantos jovens da época, tentando ser cantor romântico. Não conseguiu, mas percebeu que poderia tentar se destacar no nicho regionalista. A aposta foi certeira. Era o tempo em que a cultura de massas se segmentava, abrindo espaço para manifestações mais particularistas. E também era o tempo em que se cristalizava uma identidade "nordestina", separada de uma identidade "nortista" mais geral.
Ele foi filho desse contexto. Consolidou de forma irresistível o padrão sonoro e visual do que seria a identidade nordestina. Apresentou esse conceito de "nordeste" a milhões de pessoas que não o conheciam, de uma maneira genérica o bastante para ser aceito sem muitas ressalvas por nordestinos e forasteiros. Associou eternamente seu nome a essa identidade. Tudo isso enquanto cantava músicas absolutamente sensacionais.
Luiz Gonzaga não é atemporal nem estava à frente de seu tempo. Foi totalmente um filho de seu tempo. Um dos mais brilhantes. Ajudou a moldar sua época e deixou uma herança que, tantos anos depois, ainda orgulha profundamente a sua gente. Não tá bom?


domingo, 22 de abril de 2012

Aos meus alunos


Existe um tipo de professor que todo estudante universitário conhece. Sua aula é muito ruim, não há nenhuma didática, mas ele tem conhecimento. Você se esforça para escutar o que a pessoa está dizendo, pois sabe que ela é intelectualmente consistente. Mas é muito difícil, já que ela é incapaz de dizer qualquer coisa de forma minimamente interessante.
Sempre imaginei que seria esse tipo de professor. Afinal, como todos os meus amigos sabem, meu estilo falastrão e despirocado é apenas um  "personagem para as massas", como diz uma amiga. Sou absolutamente tímido e retraído. Odeio me expor, e quando falo de algo sério, realmente importante, sequer consigo olhar para a pessoa com a qual estou conversando. Com mulheres, por exemplo, sou um desastre total. Abordar uma desconhecida me parece uma missão impossível.
Provavelmente por isso tenha demorado tanto para começar a dar aula. Ficar enfurnado em arquivos e bibliotecas me parecia muito mais seguro. Melhor adiar o quanto pudesse o dia em que eu começaria a dar aula e aborrecer meus alunos com horas de falação chata sobre temas desinteressantes.
No final do doutorado tive a oportunidade de começar minha carreira docente. Entrei numa sala de aula pela primeira vez. Imaginei que seria horrível e me resignei com o desastre. Para minha total surpresa o que aconteceu foi radicalmente oposto. Nem vi aquelas duas horas passarem. Nunca vou me esquecer daquele dia. Saí daquela sala de aula da Universidade Federal de Ouro Preto sem entender nada, pensando "meu Deus, a sala de aula me faz ser outra pessoa!".
Eu havia passado 2 horas falando sobre um tema que os alunos detestavam ("teoria da historia", algo que nenhum historiador gosta), mas sendo um professor totalmente diferente do que eu imaginava. Era divertido, com todas as respostas na ponta da língua, totalmente desinibido e seguro. Ou seja, eu era uma outra pessoa, que só existia quando eu tomava umas cervejas a mais.
Já se passaram uns 10 anos desde então. Nesse tempo a vida fez das suas. Tive momentos bons e ruins. Mas uma coisa nunca mudou. Dentro de sala me sinto em casa. Ali sou o cara que gostaria de ser o tempo todo. Claro que nem todos gostam. Muitos odeiam, por sinal. Mas essa não é a questão. O ponto é: a sala de aula faz de mim o cara que eu queria ser sempre.
Em suma, ser professor é uma droga. Entendo que muita gente queira tudo na vida menos isso. Mas eu amo. Jamais conseguiria fazer outra coisa. Frente a frente com algumas dezenas de alunos eu viro outra pessoa. Alguém que eu gosto muito mais do que de mim mesmo.

sábado, 21 de abril de 2012

Quando a MPB morreu

Como expliquei outro dia, tivemos show do Chico Buarque aqui no Recife na semana que passou, e eu não fui.  A princípio tentei explicar para as pessoas que me perguntavam os motivos da escolha. Mas ao fim desisti, e comecei a utilizar o argumento mais simples, o da minha muito conhecida aversão a sair de casa.
Me impressionou sobretudo o seguinte. Eu tentava explicar algo muito simples. Como disse no outro dia, acho que essa geração da qual Chico faz parte é a melhor da história da MPB, e que acho que eles fizeram coisas brilhantes, que jamais serão esquecidas. No entanto, há 25 ou 30 anos nenhum deles faz coisas do mesmo nível. Fizeram coisas boas, mas nada deslumbrante.
A mim parece uma coisa óbvia, que ninguém vai discordar. Qualquer pessoa que conheça a obra desses músicos vai concordar que o essencial delas está nos anos 60/70. Mas aparentemente uma ideia tão simples é excessiva para os fãs da MPB. O que eles entendem quando digo o que disse acima é: "esses caras são uns merdas que só fazem porcaria há 30 anos".
Evidentemente são coisas bem diferentes, o que digo e o que é compreendido. Descartando a hipótese de o interlocutor ser um completo imbecil, só sobra uma única alternativa. Esses caras (Chico, Caetano, Gil e Milton em especial) chegaram a um nível tal de sacralização que qualquer ressalva é vista como absolutamente intolerável. Qualquer coisa que não seja a adoração incondicional é vista como uma abominação, mesmo que seja uma simples constatação.
Lamento profundamente que tenhamos chegado a isso. Esses caras fizeram parte de um momento mágico da música brasileira, se envolveram em polêmicas musicais e políticas nos anos 60, eram pessoas combativas. Mas ao longo dos anos 70 foram se consolidando como "gênios intocáveis". E nos anos 80, exatamente quando suas carreiras declinaram em termos de qualidade, foram instalados num panteão de "deuses imexíveis".
De lá pra cá eles nunca pararam de produzir. Algumas coisas boas, outras nem tanto, mas sem dúvidas nada tão brilhante quanto o que fizeram antes. Só que é proibido dizer isso. Temos de ficar aqui fingindo que cada disco novo do Chico está repleto de canções do nível de "Roda Viva" ou "Construção", o mesmo valendo para os demais.
Pra eles está ótimo. Podem fazer qualquer coisa sabendo que jamais serão criticados. E se forem, um exército de adoradores perseguirá quem ousar um comentário não ortodoxo. Podem cobrar fortunas em seus shows, já que os membros da seita não se importam em raspar a conta bancária para se emocionar com músicas de 40 anos de idade e fingir que as mais novas são igualmente boas.
O único problema é que quem olha de forma independente para esse cenário apenas lamenta. Afinal, nada é pior para a criatividade de um artista do que a sensação de conforto. A certeza de que amarão qualquer coisa que ele fizer. Quando essa idolatria nasceu, essa geração morreu.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Brizola



Peço perdão aos amigos pelo fato de o blog andar meio parado. São questões pessoais. Não se preocupem: as coisas não estão ruins, pelo contrário, apenas confusas. Mas retomo falando de uma figura que, não sei exatamente porque, tem povoado meus pensamentos nos últimos dias: Leonel de Moura Brizola.
Brizola era o tipo do cara que se amava ou odiava. Não tinha outra opção. Ainda mais pra mim, gaúcho de nascimento e fluminense de criação. E desde cedo mergulhei com gosto no brizolismo. Fui um militante alucinado da causa entre 1986, quando Darcy Ribeiro perdeu a eleição para o Plano Cruzado, até 1994, quando a votação pífia do"governador" para presidente foi a pá de cal no brizolismo.
Brizola não era perfeito nem santo. Mas eu não tenho um pingo de arrependimento pelos anos que dediquei a esse projeto. Pelo contrário. Se voltasse no tempo faria tudo de novo. E com mais força. Quando os petistas da época reclamassem que ele fazia alianças suspeitas eu diria "um dia voces estarão de mão dada com Sarney e Collor, aguardem".
Pra começar, sua vida pública durou 58 anos, de 1946 a 2004. Nesse meio tempo foi prefeito de Porto Alegre, governador do Rio de Janeiro (duas vezes) e do Rio Grande do Sul, deputado estadual (duas vezes) e federal. Nunca foi alvo de uma denúncia de corrupção. A imprensa, que o odiava profundamente, lançava suspeitas sobre seu patrimônio ser incompatível com sua renda. Mas denúncia nunca houve. Nenhuma.
Brizola é uma das poucas pessoas na história humana da qual se pode dizer que segurou um golpe militar sozinho. Não absolutamente sozinho: a população brasileira conseguiu impedir que o golpe de 1964 fosse o "golpe de 61". Mas as pessoas foram para a rua instigados por ele. O então governador gaúcho foi às rádios que aderiram á cadeia da legalidade e conseguiu mobilizar um país a garantir a posse de João Goulart.
Ninguém foi tão perseguido pela imprensa quanto Brizola. Quando ouço a patotinha governista reclamar de "perseguição da mídia" morro de rir. Amigos, a Globo tentou FRAUDAR uma eleição, a para governador do Rio em 1982, só para impedir a vitória de Brizola. Quem era vivo nos anos 80 e 90 se lembra perfeitamente que os ataques da Globo a ele faziam com que a Veja de hoje pareça simpática ao governo Dilma.
Mas o que realmente me toca é a questão da educação. Atenção para o que vou dizer: nenhum político da história deste país tem realizações maiores que a dele nesse campo. Como prefeito de Porto Alegre teve a indecência de construir CENTO E TRINTA E SETE ESCOLAS em um mandato. Repetiu o feito quando governou o Rio Grande do Sul, espalhando escolas pelo estado e dando início à tradição de excelência gaúcha na educação.
Mas a grande marca foi no governo do Rio, quando ao lado de Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer criou os CIEP's. Que eu me recorde, foi a única tentativa da história do Brasil em fazer uma revolução qualitativa na educação. A ideia era mudar o conceito de escola, transformada num espaço onde as crianças teriam aula, fariam esporte, teriam assistência médica, fariam todas as refeições do dia, etc.
Claro, muita gente não gostou. Os principais argumentos contrários eram: vai demorar muito pra construir CIEP's suficientes para todas as crianças, e eles eram caros demais. O primeiro é tão idiota que não merece resposta. Claro que demoraria. Mas aí por isso nunca vamos fazer nada? Aí que demora mesmo. O segundo merece um pouco de atenção. Mostra bem a visão que nosso país tem da educação.
Uma vez vi fazerem essa objeção a Darcy Ribeiro. E o genio respondeu como deveria. Com ar de completa incredulidade, perguntou: "você quer economizar com criança?". Aí é que está. Os CIEP's podiam ter todos os problemas. Mas eram uma tentativa, a primeira de todas, de mudar o conceito de educação. E ninguém quis saber. Ninguém quis discutir como fazê-los melhores. Só sabiam reclamar que era caro. Parabéns Brasil.
Pode ser que voce não saiba de nada disso, em especial se não é gaúcho ou fluminense. Normal. As duas grandes forças da política nacional de hoje eram rivais de Leonel Brizola. Não teriam nenhum interesse em relembrá-lo como o importante personagem que foi. Não me importo: é o jogo da política. Como todos nós historiadores sabemos, os vencedores escrevem a história.
O que me dói é a saudade de um tipo como aquele. Que nunca teve medo de dizer o que pensava. Que comprou todas as brigas que achava que devia. Que tinha a educação como prioridade. Com todos os seus defeitos, Brizola faz muita falta ao nosso país.
PS: abaixo, o momento mais importante da história da TV brasileira. Cid Moreira lendo direito de resposta de Brizola a Globo, que foi desancada em pelo Jornal Nacional. Em termos políticos, foi o dia mais feliz da minha vida



terça-feira, 10 de abril de 2012

Por que não tivemos música de protesto?

Uma dúvida que me persegue é: por que não tivemos nos anos 60/70 uma tradição de música de protesto que fosse minimamente comparável à poderosíssima escola sul-americana desse gênero? Realmente não faz sentido. Nossa tradição musical é infinitamente mais rica que a dos vizinhos, e o contexto era exatamente o mesmo, com mínimas variantes regionais.
E ao contrário do Brasil os países vizinhos tiveram uma produção sistemática de canções, com toda uma geração de grandes artistas dedicando seus melhores anos a tentar ajudar a revolucionar seus países com sua arte. Geralmente através de canções que eram versões (modernizadas ou não) da música folclórica de seus países e letras muito politizadas, esses artistas foram dados essenciais de seu tempo.
E quando veio a noite da ditadura, todos eles pagaram muito caro, e tiveram de abandonar seus países no auge de suas carreiras e viver muitos anos de exílio. O maior nome da história da música popular uruguaia, o cantor Alfredo Zitarrosa, não apenas viveu uma década fora de seu país, como ainda viu a ditadura proibir a simples execução de suas músicas. Também viveram longos anos de exílio os chilenos do Inti-Illimani e do Quilapayún, a argentina Mercedes Sosa e os uruguaios do Los Olimareños, entre tantos outros. O caso mais dramático, obviamente, foi o chileno Victor Jara, brutalmente assassinado pelos carniceiros de Pinochet.
No Brasil nada disso aconteceu. Geraldo Vandré, que evidentemente era uma perfeita versão nacional dessa produção latino-americana, foi um cometa que se apagou após 1968. No mais tivemos "revoluções" (bem entre haspas mesmo) estéticas de curtíssima duração e moderadas tentativas de expressar insatisfação. E enquanto nossa ditadura vivia o máximo da violência, a MPB rapidamente se institucionalizava como a grande tradição musical do país. Se consolidava como uma genial produção, mas politica e esteticamente inofensiva.
Nada contra tudo isso. Essa geração de músicos brasileiros foi excepcional, e deixou uma produção absolutamente sem paralelo em termos de qualidade. Mas não acho que isso deveria impedir uma outra linhagem, mais confrontativa, politizada, de tom folclorista. As maravilhosas músicas de Vandré nos primeiros anos da ditadura mostram isso.











segunda-feira, 9 de abril de 2012

Direita Virtuosa x Esquerda Tirana

Curiosamente tenho ouvido muita gente à minha volta que, embora se identifique como progressista, adora criticar a esquerda. O socialismo soviético foi uma ditadura intolerável, os militantes mais à esquerda são um bando de filhinhos de papai e todos os esquerdistas tem distúrbios evidentes de personalidade que os fazem agir de forma autoritária, patrulhando as opiniões de todos.
Curioso pensar em como isso pode acontecer. Afinal são evidentes argumentos direitistas. A ideia é dizer que ao contrário dos tiranos esquerdistas, a direita é a grande defensora da democracia e da liberdade, enquanto a esquerda só pode ser coisa de tolos e crianças mimadas. Para não dizer que essa visão requer uma ignorância brutal da história humana.
O chamado "socialismo real" foi ditatorial? Claro. Teve momentos absolutamente negros, como o Stalinismo e a Revolução Cultural chinesa? Indiscutível. Mas o que falar do nazismo e do fascismo, doutrinas direitistas e capitalistas? Que tal as inúmeras ditaduras latino-americanas e os regimes autoritários frequentemente corruptos e eventualmente até genocidas que desgraçam o continente africano? Isso tudo é fruto da direita também.
O negócio de ser "filhinho de papai" chega a ser francamente risível. Marx, Lenin e Fidel eram filhos da classe média. Engels era filho de um riquíssimo industrial. Por isso não são revolucionários? E por outro lado: e os industriais, fazendeiros e banqueiros que apoiam a direita? Ser rico ou da classe média só é pecado quando a pessoa é jovem?
Agora vamos à "patrulha", essa chatice esquerdista. Então quer dizer que nossa valorosa direita luta bastante para que todos possam se expressar? Tipo, quando voce abre um grande jornal ou uma revista semanal, por acaso parece que todas as posições políticas estão sendo expressas? E a propósito, a própria tese expressa no primeiro parágrafo deste post já não é uma "patrulha direitista"?
Tá, mas então o que diabos esse argumento direitista faz na boca de pessoas progressistas, em particular em ambientes mais esquerdizantes, como a universidade, por exemplo? Alguns são simplesmente ingênuos, que acham que ao fazer isso estão sendo "críticos" e "botando pra quebrar" no pessoal da esquerda, sem perceber que reproduzem um discurso direitista. Mas há também a galera governista, que não consegue se decidir entre duas identidades totalmente diferentes, que se alternam o tempo todo nas mesmas pessoas.
Temos um governo que não liga minimamente para ideologia. Então acha mais fácil pegar argumentos dos outros de acordo com a situação. Quando é pra discutir com a direita parece que estamos ouvindo o Hugo Chavez falando: Fidel é Deus, a missão do lulo-petismo é revolucionar o país, etc. Só que quando recebe críticas à esquerda lança mão do argumento oposto, roubado da direita, e exposto acima.
Assim, é um argumento direitista que em certos contextos mais progressistas pode ser usado pela galera governista para atacar PSOL, PSTU e outros, desqualificando toda a crítica pela esquerda. Aí fica essa coisa: babam pelo Fidel, mas quem se diz socialista é chamado de idiota que faz o jogo da direita. E por aí vamos.

sábado, 7 de abril de 2012

Hoje acordei meio patriota



Uma das milhões de coisas que me fazem odiar a ditadura militar é o fato de eles terem banalizado o patriotismo. Sei bem como é isso. Nasci em 1972, fui da última geração criada sob o infame regime. O que significa que aprendi desde cedo que ser patriota era importante. Mas que diabos era ser patriota? Era nunca criticar nada que o governo fizesse, achar o Brasil o melhor país do mundo, em que os eventuais defeitos eram largamente compensados pelas coisas boas, e acima de tudo saber cantar hinos e chorar olhando a bandeira.
Previsivelmente, depois disso ser patriota passou a ser visto como coisa ridícula e reacionário. Se patriotismo é definido assim, então realmente é um negócio horrendo. Mas claro que tudo é questão de definição do termo. Poderíamos redesenhá-lo, não? Claro que sim, e fizemos isso. Esquecemos hino e bandeira, e nos apegamos a outras coisas. Agora ser patriota é usar verde e amarelo na copa, gostar de carnaval e odiar a Argentina. Só um pouquinho menos pior que a definição anterior. Ainda assim horrível.
Amo a Argentina, pra mim um país absolutamente maravilhoso, com o qual temos muito a aprender. Amo futebol, mas a seleção não me desperta nada há uns 10 anos. Detesto carnaval. Adoro reclamar do governo. E acho que temos muitas qualidades, das quais me orgulho, só que não consigo achar que ter praias lindas apague nossas mazelas, como uma educação horrorosa e uma desigualdade obscena. Não sou patriota em nenhuma das definições majoritárias, portanto.
Mas aí é que está: me considero totalmente patriota. Pra mim isso significa odiar profundamente tudo o que o Brasil tem de ruim, e desejar tão ardentemente que essas coisas melhorem. Vou sempre à Argentina e ao Uruguai, e tenho vontade de morrer. Esses países, bem mais pobres que o nosso, e piores que nós em muitas coisas, tem uma educação infinitamente superior, desigualdade de renda muito menor, IDH muito maior, índices de violência capazes de nos matar de inveja e povos absolutamente politizados e muito mais bem educados que o nosso. Na América Latina, terceiro mundão mesmo. Nada de Dinamarca ou Nova Zelândia. Logo aqui do lado.
Pra mim ser patriota é odiar esse estado de coisas. É não se conformar, como a grande maioria da população brasileira faz, em sermos um país de merda. É querer muito mais. É não deixar que um gaiato qualquer de camisa amarela botando uma bola dentro da rede me faça esquecer do crime que se comete contra nossas crianças nas escolas (públicas e privadas). É não deixar que um festejo carnavalesco me cegue ao fato de que a maioria das pessoas que estão lá sorrindo não tenham uma vida minimamente digna.
Me acho muito patriota, porque pra mim patriotismo não é dizer "sim". Pra mim ser patriota é amar o Brasil até a morte, sem diminuir nenhum outro país, lutando para que sejamos tudo o que podemos ser. E torcendo para que os outros países consigam isso também. Que o patriotismo canalha perca espaço, e que achemos que ser um grande brasileiro é estar disposto a tudo para que o Brasil seja o que merece. Só isso.
PS: e a propósito, duvido que algum país tenha tantos hinos maravilhosos como nós (à parte a absurda letra do hino nacional, que nenhum brasileiro sabe o que significa). cantar esses hinos com gosto bem que poderia ser algo a ser resgatado, desde que se elimine qualquer vestígio daquela versão militar do patriotismo.








quinta-feira, 5 de abril de 2012

A unidade da Pátria

Hoje estava vendo o jogo do Athletic Bilbao e ouvindo pessoas comentando que lindo é esse time só aceitar jogadores bascos. Que coisa linda esse orgulho, diriam. Aí me perguntei: o que essas pessoas diriam, por exemplo, se meu Grêmio resolvesse aceitar apenas jogadores gaúchos. Imagino o que essas pessoas diriam. Se já costumam meter o pau na gauchada por cantar com muito mais gosto o hino gaucho que o nacional... Por que tamanha distinção? Por que na Espanha essas pessoas dizem que é "orgulho" e aqui é "bairrismo"?
Debati esse assunto por alguns minutos com alguém que admiro, o comentarista Marcelo Bechler, da rádio Globo/SP. Ele me dizia: na Espanha é diferente, pois lá a unidade nunca foi um fato, certamente baseado naquela questão dos reinos de Castela, Aragão, etc. Isso faria da "Espanha" uma realidade muito menos palpável que "Brasil". Concordo no que tange à Espanha. Mas aqui é de fato tão diferente?
Não. Os historiadores até evitam hoje em dia usar o termo "Brasil colônia", já que o entendimento é que não existia Brasil nenhum antes de 1822. As várias regiões eram independentes umas das outras, todas se comunicando diretamente com Lisboa. O que havia era um pedação de terra que pertencia a Portugal. Por isso mesmo se prefere usar o termo "América Portuguesa". Na verdade ainda nem entendemos bem porque o Brasil não se fracionou em 4 ou 5 países no século XIX. Quem estuda aquele contexto percebe claramente que essa divisão era muito mais provável que a unidade.
E isso tudo pode não ser mais relevante, já que temos hoje o "Brasil" como uma realidade indiscutível. No entanto há algo que renova permanentemente o sentimento de distância: as diferenças econômicas gigantescas entre as distintas partes do país. Isso cria ressentimentos mútuos que parecem insuperáveis. As partes mais pobres acham que são assim por culpa das áreas mais ricas, que lhes roubam tudo o que produzem. As regiões mais ricas acham exatamente o oposto: que as políticas públicas para as regiões mais pobres drenam seus recursos, conquistados honestamente. Todos se sentem roubados pelo restante do país.
Aí temos dois milagres: termos nos mantido unidos e ninguém pensar em mudar isso. Isso mostra a força do discurso nacionalista entre nós. Nem a história nem os ressentimentos levam o país a um cenário como o espanhol. No século XIX foram as armas que sufocaram todas as rebeliões. Hoje em dia é o discurso do "Brasil brasileiro". Um acordo tácito de que o regionalismo é uma porcaria. Principalmente o dos outros, claro.




terça-feira, 3 de abril de 2012

Apenas mais um escândalo



O mais novo político pego com a boca na botija é o senador Demóstenes Torres. Um daqueles oposicionistas histéricos prontos a dar declarações raivosas à imprensa sempre que algo do mesmo estilo acontece com algum membro do governo. Por isso mesmo, o lulo-petismo saboreia com gosto o desmascaramento de um de seus mais famosos críticos: "tá vendo? o mesmo que tanto falava da gente era ele próprio um corrupto. Bando de hipócritas!". Um argumento que serve apenas para satisfazer os menos exigentes, já que Torres ser ladrão não muda o fato de que há outros iguais a ele no governo. Mas faz parte. É o mesmo jogo que a oposição joga.
O problema pra mim começa quando se faz amplas generalizações a partir de fenômenos como esse. "político é tudo igual", "só no Brasil mesmo", sempre com um chatíssimo tom moralista de quem acha que militância política é compartilhar qualquer coisa no facebook. Esse tipo de discurso acaba fazendo um balaio de gatos, misturando coisas que são diferentes.
Pra começar: em qualquer lugar do mundo a oposição sempre usa o discurso da ética e da moralidade. O PT hoje faz o discurso que condena o "denuncismo" enquanto os demo-tucanos carregam a "bandeira da moralidade", papéis exatamente inversos aos que víamos no governo FHC. Faz parte. Como está temporariamente sem acesso aos cofres públicos, qualquer oposição tenta se aproveitar disso para denunciar os gastos questionáveis de quem está no governo. Isso aí é um jogo político quase atemporal.
Mas há coisas aí que são específicas do Brasil, ainda que não necessariamente só do nosso país. O total descaso dos políticos em ao menos aparentar interesse pelo bem comum é realmente ultrajante. O que só é piorado pela absurda impunidade que desfrutam. Realmente não dá pra reclamar quando as pessoas tem a sensação generalizada de que esses caras estão se lixando pra nós e que não precisarão pagar pela roubalheira que protagonizarem. Eles mesmos são os responsáveis por essa imagem.
Mas é evidente que há a contrapartida. Quem elege esses caras somos nós. Os que são pegos com a boca na botija normalmente renunciam para evitar a cassação e na eleição seguinte voltam como campeões de votos. Aconteceu com ACM, Jáder e José Roberto Arruda (e em certa medida com Collor). É fato: somos um país que ama reclamar que políticos são ladrões, mas ama igualmente eleger indefinidamente esses mesmos políticos dos quais tanto reclama.
Alguns apontam a ausência de uma educação de qualidade, predispondo as pessoas a serem enganadas. Para outros, somos um país de alienados, que por mais que queiram bancar os politizados da boca pra fora, no fundo não estão nem aí. Concordo com as duas proposições, que me parecem inquestionáveis. Mas há algo mais.
Convenhamos: somos um país em que a defesa da honestidade frequentemente é extremamente hipocrita. O cara que reclama do político ladrão (e depois vota nele de novo) é o mesmo que compra recibo pra fraudar imposto de renda, suborna o guarda e acha que se o time dele perdeu é porque foi roubado. Sejamos honestos ao menos uma vez na vida e reconheçamos: nossos políticos são a nossa cara.