segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Patriarcalismo e proteção aos poderosos: homenagem à minha avó

Hoje faz 97 anos que nasceu minha avó Francisca Maciel, posteriormente Francisca Maciel Gomes. Sempre houve uma situação meio silenciada na família envolvendo ela. Aproveitei o fato de ser historiador e pesquisei sobre o assunto. E o que achei me pareceu absolutamente ilustrativo sobre o país em que vivemos.

A questão é que na certidão de nascimento dela não existia um pai. Só o nome da mãe. Historiador em germe, fiz perguntas sobre isso, e soube que minha bisavó era doméstica na casa de uma família poderosa. Um dia, depois de forçar muito, consegui o nome do pai dela. Não vou citar aqui, por não achar que ele merece ser lembrado, por motivos que ficarão claros adiante. Mas eram três sobrenomes ilustres da elite quatrocentona paulista. Sobrinho de presidente da República.

Com o nome do bisavô em mãos pesquisei. Vi que um mês antes da minha avó nascer ele foi nomeado professor numa cidade paulista bem distante de Guaratinguetá, onde minha avó, filha dele, nasceria logo depois. Indício óbvio de que a familia poderosa identificou um problema: um filho deles havia engravidado uma serviçal e era preciso encobrir o fato desagradável. Mandaram o filho pra longe, em um posto respeitável, e cuidaram da serviçal, que milagrosamente aparece logo em seguida em São Paulo, sendo empregada de outro membro da alta elite paulista, filho de gente com título de nobreza. O processo de silenciamento se completa.

Tudo isso foi em 1918, quando minha avó nasceu. Reencontro meu bisavô nos anos 30. Fazendeiro, rico e processado por ser ligado ao partido nazista brasileiro. Inocentado ao fim do processo, provavelmente por intercessão de parentes poderosos. Não muito tempo depois aparece nos jornais da cidade ciceroneando Ademar de Barros e fazendo discursos em homenagem a ele. Não consegui descobrir quando morreu, mas teve uma filha poetisa de idade próxima à da minha avó o homenageando como "pai exemplar".

Essa história me enoja do início ao fim. Nela está contido tudo o que eu odeio nesta vida. Machismo, sentimento de superioridade natural, as vantagens que os bem nascidos tem sobre os da "ralé", a tranquila sensação de felicidade daqueles que exploram quem não tem nada. Tudo isso é o Brasil que conhecemos. Essa história mostra bem como funciona a mente de quem está insatisfeito. Pra eles o mundo só existe para que eles possam fazer o que quiserem. Se não é assim, se sentem tristinhos e oprimidos. Cambada de filhos da puta. As coisas têm nome e esses nomes precisam ser ditos. São filhos da puta.

Da minha parte acho que foi ótimo nunca ter conhecido esse senhor nem fazer parte da sua família privilegiada, ainda que compartilhemos genes e façamos parte da mesma árvore genealógica. Dona Francisca foi uma avó e tanto, a despeito das diferenças que tivemos por conta de questões familiares. Se divertia comigo, foi muito generosa, impunha aquela rígida disciplina de quem vem de baixo (aquela que o pai dela jamais teve, riquinho mimado que sempre foi). E fazia os melhores doces de todos os tempos. Isso tudo vale 950 trilhões de títulos de nobreza.

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