segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Rumo ao fascismo

Não gosto nem um pouco de uma coisa que apareceu nos últimos anos, de chamar tudo o que não gostamos de "fascismo". E não é só frescura de historiador: o nazi-fascismo foi algo muito específico e sempre achei, e continuo achando, que sair por aí usando esse nome pra tudo é banalizar uma experiência horrível que espero que nunca mais aconteça.

Mas hoje dei uma aula sobre o assunto. Enquanto falava não conseguia parar de ver paralelismos com certas coisas que vemos todo dia. Aquele mesmo amor por um passado idealizado que nunca existiu em que não existiam homossexuais, em que todos eram brancos lindos, em que não havia trânsito ou violência, em que as mulheres eram submissas. Enfim, um mundo em que os subalternos aceitavam passivamente seu papel secundário. Isso NUNCA existiu. Mas era o modelo desse regime, assim como é o dos eleitores dos Bolsonaros da vida (assim como o dos que dizem coisas tipo "não voto nele, mas concordo com umas coisas", enfim, o bolsonarismo travestido de "sou um cara legal, pago meus impostos", blablabla).

E o choque foi ainda mais brutal por causa do público que me ouvia. Meus alunos são nordestinos, a maioria de origem humilde, muitos não são brancos, não poucos são homossexuais, a maioria é eleitora do PT. Ou seja, eles são os típicos alvos das versões repaginadas dos amantes do Mussolini. Simplesmente por existir e serem quem são. São meninos e meninas lutando para ter uma vida melhor que a de seus pais, algo que eu sei exatamente como é, e que são demonizados pelo simples fato de não se encaixarem num modelo absolutamente escroto e excludente em que só é legal quem é homem branco hetero e reaça.

Nem preciso dizer o quanto não me identifico com nada disso. Nasci e cresci com todo o orgulho do mundo numa família operária, neto de camponeses analfabetos. À minha volta todo mundo era assim. Pessoas que vieram lá de baixo e tentavam dar a seus filhos uma vida que eles nunca puderam ter. Minha experiência de vida foi ver aquele monte de operários de mãos grossas indo votar no Brizola. Então esse mundo de tons fascistas não me pertence. O que não quer dizer que eu não conviva com ele. Afinal, ser de um país neutro não te impede de ser baleado numa guerra.

Pois essas coisas nos cercam diariamente. Nos comentários de notícias, nos ônibus, no comércio, não há um dia em que você não se sinta violentado por pessoas que querem que os subalternos se fodam. E a maior loucura de todas é que os autores são subalternos também. Que o cara que mora nos Jardins ou no Leblon se sinta incomodado pela ascensão de grupos que historicamente nunca tiveram voz é algo que seria de se esperar. É o papel deles, é o ponto de vista classista, egoísta e babaca deles. Não me incomoda ver essas pessoas odiando ciclofaixa, faixa exclusiva para ônibus, redução da velocidade máxima no trânsito. Todos eles tem carrões. Pra eles tudo isso são incômodos. Ok.

Foda mesmo é ver gente classe média ou pobre concordando com isso tudo. Pobre imbecil achando que as pessoas deveriam se armar, sendo que ele é um alvo em potencial. Classe média idiota que não quer pagar impostos mas reclama do governo por não proporcionar serviços de nível escandinavo. Pior: toda essa gente acaba achando que a vida é uma droga e a culpa é de quem vota no PT. Em sua insanidade misturam PT, movimento LGBT, feminismo, cotas, ciclofaixa e tudo o que eles não gostam. Chamam isso de comunismo. Se sentem oprimidos que precisam de um libertador que os salve.

O que descrevi no último parágrafo foi o sentimento que gerou Hitler e Mussolini. Não estou dizendo que o que vivemos levará a isso. Mas quem estuda história sabe: o que vivemos hoje é um convite ao aparecimento de alguém desse tipo. Você conhece gente assim. E sabe que não são poucos. Não acho que teremos fascismo por aqui. Mas que o clima é muito favorável ao surgimento de um Mussolini da vida, isso é.

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