quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Crise e histeria: quando gente boa opta por se tornar massa de manobra

Tenho falado bem menos de política do que normalmente faço, e por dois motivos. O primeiro é que o cenário deste momento é tão deprimente que sequer dá vontade de falar alguma coisa. O segundo é que nesse contexto eu percebo que 99% dos textos que leio, quase todos escritos por pessoas com alto nível educacional e muito politizadas, lêem a situação pelo ângulo de um militante secundarista. Os governistas olham para o outro lado e só vêem uma coisa: golpismo. Os oposicionistas quando fazem o mesmo só enxergam uma coisa: corrupção. Triste ver gente lida por vezes por milhares de pessoas olhando para um cenário tão complexo com um olhar tão rasteiro.

O governo se beneficia da existência desses blogs todos fazendo parecer que qualquer pessoa que critica o governo quer um golpe. Claro: pregar "golpista" na testa de QUALQUER pessoa que faz QUALQUER crítica ao governo é um jeito de desqualificar qualquer uma dessas críticas. Para quem está no poder sempre é bom que não falte quem acredite que o governo não tem culpa de nada, que tudo é a crise de 2008, que Zé Dirceu é um mártir, que estão querendo derrubar Dilma porque ela investiga a corrupção, etc. Enfim, o governo não erra e quem não gosta é golpista.

Por outro lado, a oposição também se beneficia dessa visão extremamente primária de que todos os problemas do Brasil derivam de termos um governo corrupto (ou, numa versão menos péssima, mal administrado). Aí é o contrário: a oposição é honesta, nunca existiu crise em 2008, de forma que os problemas atuais são todos do governo, o PT é uma quadrilha assaltando os cofres públicos, e por isso estamos com problemas econômicos, etc. Em suma, para a oposição é excelente esse clima de histeria. E a grande mídia, naturalmente, cumpre seu papel histórico ao fomentar esse clima.

Me impressiona particularmente ver quanta gente se dispõe voluntariamente a ser otário a ponto de ser massa de manobra desse pessoal. Pois é exatamente disso que se trata. Ao aceitar alegremente o convite de olhar para um contexto altamente complexo com o olhar de um militante secundarista, essas pessoas todas nada mais fazem que se tornar fantoches a serviços do interesse alheio. Interesses que, em sua histeria, eles nem percebem quais são. Como diria um professor que tive na faculdade, nem sabem em que molho estão sendo comidos.

Os que abraçam a ideia pífia de que todos os que criticam Dilma são golpistas estão avalizando os cortes absurdos feitos pelo governo em áreas como a educação. As pessoas que trabalham em universidade federal já estão plenamente cientes que devem estar satisfeitos se tiverem calças para vestir em 2018. Alunos estão perdendo bolsas, pagamentos estão atrasando, verbas cortadas por todos os lados... mas vá falar isso: sempre aparece alguém para te lembrar que você está repetindo o discurso da "mídia golpista". A histeria antigolpista legitima qualquer ação do governo.

Do lado oposicionista o mais inacreditável é ver como há gente de classe média comprando insanamente um discurso que só beneficia a elite e posando de politizada por causa disso. Pelo que me contam, hoje um editorial da Folha sugere duas alternativas a Dilma: renúncia ou cortes na educação, saúde e previdência como forma de combater a crise. Claro que isso foi lido como "golpismo" pelos governistas, mas não é nada disso. É apenas chantagem. Estão dizendo: se você quer sobreviver no poder, faça os pobres pagarem pela crise e não mexa com o empresariado. É luta de classes, não é golpismo.

Pois essa sim é a grande questão do momento, algo que surpreendentemente muita gente não percebeu: quem vai pagar pela crise. Até agora Dilma, muito enfraquecida, cedeu a todas as pressões e vem fazendo com que os mais necessitados paguem sozinhos. A CPMF foi uma tentativa de mudar um pouco isso. Ela é uma forma mais justa de minimizar os efeitos da crise do que os cortes feitos até agora em programas voltados para os que mais precisam. Embora não seja o ideal, ao menos ela incide na mesma proporção para todos (o ideal seria um tributo que incidisse mais sobre os que podem mais, mas já é uma melhora). Pois não é que muitas pessoas que criticavam cortes na educação ficaram histéricas? Claro, em sua lógica seletiva, serão contra tudo o que o governo fizer. Em sua histeria, não vêem como estão fazendo papel de trouxa.

Para efeito ilustrativo. Suponhamos uma família de classe média com uma receita de 10 mil reais. O máximo que essa família vai pagar por mês será 20 reais de CPMF. Dinheiro que essa família deve gastar todo dia com o lanche dos filhos na escola. Nada. Mas imbecilmente repetem que nem papagaios que o governo roubou e agora a população é que paga a conta. Não, seu trouxa. A CPMF era uma primeira tentativa de colocar a elite para arcar com alguma parte que seja do ajuste. Justamente por não querer pagar, essa elite botou na rua o discurso citado acima e a classe média comprou como sempre.

Tudo o que essa elite não quer é pagar pela crise. Quer que o morador da periferia que chegou à universidade pública e que o aposentado pague. Então tudo o que importa para eles, muito mais do que quem é o presidente, é garantir que não vão pagar nada no ajuste. Pobre de quem acha que a elite está preocupada com Dilma ou Aécio. No momento a prioridade deles é uma só: manter coisas como imposto sobre grandes fortunas muito longe da pauta política. Interessa manter o governo Dilma pressionado e encurralado para que ceda fácil às demandas dessa gente. E os otários de classe média, que nada têm a ganhar com nada disso, ficam aí berrando que o governo é corrupto, achando que são super politizados, quando apenas estão sendo fantoches de banqueiros e empresários.

Tem gente que gosta de falar que não tem mais bobo no futebol. Tem sim, e bastante. Onde não tem bobo é na política. Nesse debate atual há muitas pautas diferentes, muitos interesses, muitos conflitos, cada grupo com sua própria agenda. Nada mais natural que tentem mobilizar o público para o seu lado, preferencialmente fazendo parecer que são movidos por causas nobres. Trouxa é quem acha que tudo o que está acontecendo agora é uma luta entre bem e mal, seja governistas x golpistas, seja honestos x corruptos. A pessoa que tem estudo, acompanha política há tempos e mesmo assim opta por ser massa de manobra sem ganhar nada com isso é só isso mesmo: trouxa.

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