domingo, 1 de novembro de 2015

O que Herzog diz sobre o Brasil de hoje

Fim de semana passado eu estava internado e não pude escrever sobre os 40 anos da morte de Vladimir Herzog. Um jornalista que não tinha nada a ver com a luta armada mas que foi assassinado pelos carniceiros da ditadura. Sua morte marcou o início do fim da ditadura. Por culpa de três pessoas: Dom Paulo Evaristo Arns, Reverendo Jaime Wright e o Rabino Henry Sobel.

A versão oficial da morte de Herzog falava em suicídio. Como suicida ele jamais poderia ser enterrado em um cemitério judeu, segundo as leis de sua religião. Mas esses três religiosos ignoraram a versão oficial. Fizeram um culto ecumênico na Catedral da Sé que era por si só um enorme ato de resistência àquela ditadura horrorosa que vivíamos.

Essa história não parou por aí. Juntos esses religiosos foram nomes centrais na luta pela redemocratização do país. Construíram o Brasil Nunca Mais, projeto essencial para que jamais sejam esquecidas as monstruosidades cometidas naquele regime nem seus culpados. E deram uma aula ao mundo de tolerância religiosa. Me lembro muito bem de ver um programa de entrevistas na TV Cultura nos anos 1990 em que perguntavam a Dom Paulo Evaristo Arns se as diferenças religiosas não tinham em algum momento tido algum papel na colaboração entre eles. A resposta foi "nunca perguntei a religião deles e eles nunca perguntaram a minha".

Seguramente essa história não foi fácil para os nomes citados. Na verdade, tanto entre católicos, como protestantes e judeus a maioria do clero não queria confusão com a ditadura. Arns, Wright e Sobel eram minoritários em suas religiões. Para essa maioria, eles estavam sendo progressistas demais e comprando brigas desnecessárias. O que nos leva à seguinte questão: sabemos perfeitamente quem são ou foram Paulo Evaristo Arns, Jaime Wright e Henry Sobel. Seus nomes estão na história do Brasil. E seus oponentes? Sequer sabemos seus nomes.

Essa é uma parte muito boa de ser historiador. Saber olhar para o presente sem olhos imediatistas. No meu caso vejo essa gente histérica em relação a tudo e só consigo ver discursos descontrolados de quem quer ser eleito amanhã mas sequer será lembrado daqui a 20 anos. Não tenho a mais vaga dúvida que em um par de décadas Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e Marco Feliciano serão nomes esquecidos, exatamente como a maioria dos religiosos que queria que a morte de Herzog passasse em branco há 40 anos.

Por outro lado, quando conto histórias como a de Herzog meus alunos me olham com cara de "mano, para de inventar, vai". Não por duvidarem dos meus conhecimentos, mas pela incapacidade deles em vislumbrar que o Brasil foi assim em um passado relativamente tão recente. E não tenho a menor dúvida que existirá um dia em que meus netos assistirão uma aula de história falando dessas antas que hoje nos matam de raiva e vão rir muito, achando impossível que alguém um dia tenha levado elas a sério.

Enfim, quando olho para Dom Paulo, Jaime wright e Henry Sobel sinto duas coisas. De um lado a infinita gratidão por quem teve a coragem de enfrentar aquela ditadura horrorosa, e por isso mesmo estarão para sempre entre as pessoas que mais amo no mundo. Mas por outro lado também vejo gente que escreveu seus nomes na história do nosso país por ser diferente do clero instituído. Diferente de gente que naqueles anos tinha poder, mas cujos nomes sequer sabemos hoje em dia. O fato a ser retido é esse: sabemos perfeitamente quem são eles, mas nem sabemos os nomes dos seus críticos histéricos da época.

(este post é uma homenagem a Dom Paulo Evaristo Arns, o maior ídolo que tenho nesta vida. Na minha modesta opinião, o maior brasileiro que já existiu)

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