quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Ter consciência de que faz parte do grupo opressor: uma necessidade urgente

Ontem fui ao supermercado. Estava na fila do caixa. Vi que atrás de mim tinha uma mulher que ia comprar apenas um iogurte. Na minha frente um casal passava uma compra imensa. Pensei que não havia mal nenhum em deixar a mulher passar na minha frente, já que a compra dela era mínima, e a minha era mediana, uma feirinha semanal. Ela agradeceu, passou à minha frente, mas ficou nitidamente sem saber o que fazer. Não sabia se eu estava sendo gentil ou tendo segundas intenções. Me senti tão constrangido ao me dar conta disso que passei o resto do tempo olhando pra baixo, para não dar nenhuma dúvida de que só queria passar minhas compras.

Esse é o tipo de situação na qual os olavistas, os reaças e todo o lixo que temos na nossa sociedade vão culpar o feminismo por tudo o que aconteceu. Na leitura dessas pessoas eu fui oprimido naquela situação por causa de um bando de feminazis que criam um antagonismo entre homens e mulheres que está poluíndo o mundo. Culpa da maldita "teoria de gênero". Para esse tipo de bosta humana eu é que sou o sofredor da história. Eu é que sou o coitadinho oprimido. Culpa dos comunistas, das feminazis, do Jean Wyllys, vamos lá apoiar o Bolsonaro que tem coragem de nos defender dessa gente maldita que está dominando o mundo.

Essas pessoas são completamente idiotas. Não são dotadas de algo que qualquer humano deveria sentir: empatia. Como qualquer subalterno, as mulheres experimentam desvantagens cotidianas que eu sequer posso imaginar, mas que ao menos tento entender. Nós nunca vamos saber o que é. Sendo muito sincero aqui, durante muitos anos da minha vida achei divertido mexer com mulheres quando andava de carro. Pra mim era uma coisa meio infantil mas muito engraçada. Até o dia em que minhas primas me falaram que isso podia soar horrivel para quem convive diariamente com o medo do estupro. E parei.

Todos os dias homens matam mulheres. Estupram mulheres. Agridem mulheres fisicamente. Nenhum de nós homens pode saber concretamente o efeito que isso causa. Nunca vamos saber o que é não ter ideia se o próximo cara que aparecer pelo seu caminho vai querer fazer uma dessas coisas. E não adianta pensar "ah, mas eu não faço nada disso". Eu também não faço. Nunca faria. Mas a mulher da fila do supermercado tem como saber disso? Lógico que não. Eu era apenas um indivíduo do sexo masculino pra ela. Que podia estar fazendo uma pequena gentileza ou vislumbrando uma possibilidade de estupro. Não havia como ela saber.

Some-se a isso a imensa quantidade de pequenas violências cotidianas que todo subalterno conhece bem. A ideia de que uma mulher está desprotegida sem um homem por perto. O conceito de que homossexuais querem transar com todas as pessoas do mesmo sexo que eles. O pressuposto de que todo negro é pobre, favelado e sabe sambar. Nordestinos são todos pobres, moram no sertão e votam em troca de alguma coisa. E por aí vai. Nossa personalidade é formada não só pela genética: existem as experiências que moldam nossa forma de ver o mundo e o ambiente que nos cerca. E uma experiência subalterna num ambiente adverso ensina a desconfiar de todos os que fazem parte do grupo dominante. Basta ter um mínimo de empatia que isso se torna óbvio.

Nós, que estamos do lado dominante na maior parte dos temas precisamos entender minimamente isso tudo. Que por mais que nos esforcemos para ser as melhores pessoas que pudermos, nunca deixaremos de representar a opressão para os subalternos. Parar de ficar com esse papo absurdo de "tadinho de mim" sendo que está do lado privilegiado, e começar a tentar ver o mundo como o oprimido o vê a partir de sua experiência de vida. Como já disse antes: nascer num mundo assim não foi escolha de ninguém, mas ser um babaca escroto que acha que os privilegiados são coitadinhos quando não podem oprimir à vontade e quando quiserem é questão de escolha. Ninguém é obrigado a ser um completo imbecil.

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