quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Fui um abusador

Difícil demais dizer isso. Mas é a verdade. Já fui alguém que abusou de mulheres. Nunca fiz nada fora da lei, nunca estuprei ou bati em mulher. Mas quando era mais novo fiz aquelas coisas que entre homens são tidas como "normais": encoxar, passar a mão, etc. Quando mais novo fiz tudo isso muitas vezes. E estive em grupos em que caras contavam uns aos outros essas coisas, sempre rindo muito.

Talvez a pior parte disso é que tudo aquilo era (e ainda é) socialmente aceito. Nós homens não somos treinados para encarar como relevante o desejo feminino. Somos ensinados que o mundo é nosso. Só isso pode explicar pessoas de bom coração (acredite, eu era) cometendo esse tipo de abusos achando sinceramente que era divertido.

Isso é algo tão forte que me lembro perfeitamente de, em plenos anos 90, fazendo História na Unicamp, colegas irem para festas exclusivamente com essa finalidade. Nessa época eu já encarava isso como algo que não fazia muito sentido, ainda que não tivesse elaborado nada mentalmente. Mas me lembro nitidamente de gente que inclusive hoje é historiador reconhecido contando vantagem de ter "alisado" a fulana, para inveja geral.

E naqueles mesmos anos eu tive contato mais direto com o feminismo pela primeira vez. De forma completamente imatura. Eu via minhas colegas de faculdade na militância mas ainda não conseguia me deslocar minimamente. Achávamos que elas eram um bando de chatas que criavam caso por nada. Era um olhar mais para condescendente. Não odiávamos elas por isso, várias eram nossas amigas, mas aquilo nos soava muito mimimi.

Precisei ter uma amiga ultrafeminista, minha parceira de trabalho, uma norte americana que segurou meu rosto e me mandou parar de agir como se fosse um imbecil. Foi ela que me mostrou o quanto as ações que eu achava normais reproduziam uma cultura que degradava as mulheres, ignorava seus desejos e as via como objetos a serem fruidos por nós. Imagino que para uma mulher isso deve ser ininteligível, mas fazendo doutorado em história eu ainda não tinha entendido isso. Pois não é o recado que recebemos. O que nos dizem o tempo todo é exatamente o oposto.

Claro que eu lamento muito isso tudo. Tenho plena consciência que nunca vou superar o fato de ter sido criado para acreditar que somos os donos do mundo. Na verdade não apenas eu: todos os homens recebem essa mensagem 24 horas por dia. Mas eu lamento ainda mais que muitos nunca consigam sequer problematizar isso. Gente velha que continua assumindo o papel de vítima perante o feminismo. Gente que inventa idiotices tipo "femismo", etc. Esses só conseguem ver seu próprio umbigo. Nem dá pra discutir.

3 comentários:

  1. O fato nu e cru, meu amigo, é que todos fomos abusadores. A questão é o que somos hoje e como lidamos com isso.

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  2. O fato nu e cru, meu amigo, é que todos fomos abusadores. A questão é o que somos hoje e como lidamos com isso.

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