terça-feira, 14 de abril de 2015

Sobre o verde-amarelismo

O uso do verde e amarelo nessas manifestações a favor do impeachment me irrita muito. Por vários motivos. Aqui vão alguns.

Para começar, essas pessoas tem a miserável atitude de associar patriotismo à seleção brasileira e à camisa que a Nike fez para ela. Sério, caras? Estamos em 1970? Ou vocês simplesmente querem mostrar que têm dinheiro para comprar uma camisa oficial da seleção, e assim assumir nas entrelinhas o que vocês não querem dizer, ou seja, que essas manifestações são exclusivas para a elite? Sim, por que não sair na rua com uma camisa amarela e uma bermuda verde, algo assim, que custa barato? Precisa mostrar que fazem parte dos grupos privilegiados, né? (nem vamos falar do tamanho do ridículo que é alguém protestar contra a corrupção usando a camisa de uma das entidades mais corruptas do país, a CBF, isso é evidente demais para justificar esforço argumentando nesse sentido)

Motivo numero 2: a raiva que sinto em relação ao argumento secular de que ser de direita é "normal" e ser de esquerda é ser "ideológico". Direita usa verde e amarelo, esquerda usa vermelho. Direita ama o Brasil, esquerda quer fazer uma Cuba gigante por aqui. Um conjunto de argumentos absurdos, que por sinal eram usados a torto e a direito pelo regime militar. Como se ser de direita, antipetista e liberal não fosse uma ideologia. É ideologia também. Pode ser respeitável, mas é ideologia sim. Tem de ser burro demais para não ver isso.

Na verdade essa é uma característica histórica da direita. Adoram se comportar como se estivessem preocupados com o bem de todos, enquanto a esquerda supostamente só se preocupa com luta de classes, pobres, etc. E dá-lhe "classe média sofre". Na verdade historicamente a direita usa o nacionalismo como forma de criar consensos e escantear conflitos. Isso é um clássico direitista: a ditadura mesmo adorava tudo o que sugerisse essa versão patrioteira do nacionalismo, como seleção brasileira, desfiles de 7 de setembro, etc. Tudo para que essa patriotada toda fosse um ponto de união e consenso, escondendo todos os conflitos e desigualdades que eles tanto queriam que ninguém percebesse.

Um argumento a mais, derivado do anterior. Não é difícil de entender; há mil formas diferentes de ser nacionalista. Eu mesmo sou um. Amo o Brasil. Tive oportunidades profissionais para sair daqui. Mas não saio. Não consigo me imaginar vivendo em qualquer outro país. Quero lutar pelo Brasil. Pelo projeto de Brasil em que acredito. Outras pessoas têm outros projetos para o país e outras visões sobre o que é ser nacionalista. Tudo bem. Não acho que exista uma maneira "certa" e outra "errada" de ser brasileiro. Mas se assim é, que me deixem ser nacionalista como eu quiser. O que significa sim uma luta pelos mais pobres, e o uso do vermelho como símbolo do que acredito ser melhor para todos nós. Discorda? Ok, graças a Deus e a muita gente que lutou e sofreu por isso, somos uma democracia. Todos os projetos nacionalistas podem conviver. Mas isso de "sou mais brasileiro que você" é super autoritário, né? Ainda mais na boca de quem tem Miami como aspiração.

Mas o que mais me irrita não é nada disso. A pior parte é outra. Tivemos eleições em outubro. A maioria dos brasileiros votou pela continuidade de Dilma Rousseff. Que alguém não goste disso, ok, entendo, cansei de perder eleições. Que muitos não se sintam representados pela vitória petista me parece super hiper mega aceitável. Até aí tudo bem. Mas aqui vou citar um político importante uruguaio que não é José Mujica, mas seu opositor direitista Lacalle Pou, logo após perder as eleições presidenciais de novembro passado: "eleições se ganham e se perdem. o que importa é a vontade do povo".

Exatamente isso. Democracia é quando temos eleições livres, os vencedores governam, e os perdedores vão para a oposição. Mas não é o que estamos vendo. Aqui vemos pessoas que não aceitaram a derrota, que acham que quem vota no PT é burro e ignorante, quando não vendido. Então cabe a eles, derrotados, membros da elite bronzeada, falar em nome dos que não sabem o que fazem. Essa é minha irritação: a certeza que essas pessoas têm de que estão certas, e que os que pensam diferente delas são um bando de pobres coitados. Então que resta mais do que sair para a rua usando verde e amarelo, as cores da pátria, falando em nome de todos, já que quem pensa diferente deles não sabe o que está fazendo?

No fundo é isso o que me aborrece. Eles usam verde e amarelo querendo dizer o mesmo que brancos que se acham os líderes da luta anti racista, só porque gostam da empregada doméstica e até dão peru pra ela no natal. São como heteros que acham que sabem o que os gays sofrem apenas porque acham super legal ostentar amigo homossexual por ai dizendo que "gays são legais". Quem vai para a rua protestar contra quem foi escolhido pela maioria da população pretendendo falar em nome desse bando de pobres coitados que não sabem votar estão fazendo a mesmíssima coisa: sendo condescendente com os subalternos e pretendendo falar em nome deles.

Essas pessoas que usam verde e amarelo querendo falar em nome dos outros não entenderam algo básico. Mulheres, gays, homossexuais, nordestinos e demais grupos subalternos sofrem pra caralho sim, mas sabem falar por si próprios. Não precisam de gente privilegiada falando por eles não. Eles são crescidos, vacinados e sabem o que querem. Se o que eles querem não é o que você quer, paciência. Resolva isso de forma simples: fale por você. Você tem todo o direito de ter opinião. Mas não precisa falar pelos outros. Eles sabem falar. E quando você acha que fala por eles está apenas eternizando a condescendência dos dominantes que acham que sabem o que os subalternos querem melhor que eles próprios.

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