segunda-feira, 16 de março de 2015

Sobre os protestos

Confesso que fiquei um pouco preocupado com o tom geral da reação dos governistas e da esquerda como um todo em relação às manifestações de ontem. Em geral se visou desqualificar os eventos pela predominância das pessoas bem situadas socialmente, muitas imagens de cartazes absolutamente idiotas que apareceram e a inevitável lembrança dos débeis mentais que tem saudade de uma ditadura que eles nem devem saber o que foi.

Essas coisas são todas muito reais. Mesmo a única manifestação que realmente teve um público expressivo, a de São Paulo, teve clara predominância de pessoas das clásses médias e alta. Chegava a ser assustador ver em Salvador, a capital negra do país, fotos do evento que mostravam uma marcha só com pessoas brancas. Muitas dessas pessoas estão lá pelos piores motivos: falam de corrupção quando na verdade são apenas um bando de egoístas que não querem pagar impostos. Dizem "não adianta pagar imposto pois vai tudo para os corruptos", uma justificativa fácil e insustentável, que mal esconde o ódio de ter um governo que tem políticas sociais. Dentro de seu inominável umbiguismo, não conseguem entender que um governo faça distribuição de renda às custas deles. E fodam-se os outros.

Sobre os defensores da ditadura, sejamos francos: é uma minoria minúscula. Quando fazem eventos próprios o número de participantes é ridículo. Falo de 10, 20 pessoas. Ninguém está interessado nisso. Não vai acontecer. Não é uma possibilidade real. Mais fácil voltar a monarquia que termos uma ditadura militar. Essa gente aparece nesses eventos mais, digamos, "ecumênicos" e atraem holofotes pela imbecilidade de suas proposições. Ostentam um discurso sem nexo e são vistos como ameaças reais. Gente, vamos parar com isso. Se preocupar com essa gente é o exato equivalente esquerdista da direita que fala que o Brasil é comunista. Isso só serve pra dar visibilidade para um projeto ridículo e sem chances de sucesso enquanto se desqualifica todo um evento. Não façamos isso. É feio. Sabemos que não eram protestos pedindo a ditadura. Eram protestos com todo tipo de visão hostil ao governo com alguns Zé Ruelas no meio defendendo ditadura.

A parte das pessoas sem noção não há muito o que discutir, sobram na internet cartazes e entrevistas assim. Até uma MULHER com uma faixa "feminicídio sim" apareceu (ou seja, ela é a favor que matem mulheres como ela só porque a Dilma sancionou uma lei específica contra o feminicídio). Mas minha gente, será que do nosso lado todo mundo é gênio? Tipo, entendo que se ridicularize essas pessoas, inclusive por elas geralmente serem as mesmas que acham que pobre e nordestino não sabe votar e se considerem a elite intelectual da nação. Mas convenhamos: isso não serve para deslegitimar um evento.

Sim, eu sou bastante antipático ao que houve ontem, e fico feliz que, ao menos que eu tenha visto, ele só tenha tido relevância em São Paulo, capital de um estado que elege governadores do PSDB desde 1994. O que, aí sim, me parece ser algo que pode ser usado para relativizar as dimensões do que houve: aquelas pessoas com toda a probabilidade votaram em Aécio. Ou seja, já estavam na oposição e muito provavelmente estão desde 2002. O que mostra que essas pessoas estão sim indignadas o bastante para sair de casa num domingo (o que não é pouca coisa), mas dificilmente representam um declínio do apoio ao governo, pois nunca estiveram do lado dele.

Mas há dois contrapontos aqui. O primeiro é que não adianta fingir que o único motivo para não gostar do governo é ser um coxinha babaca que quer a ditadura de volta. Há motivos de queixa sim. A meu ver muitas daquelas pessoas, a grande maioria, reclamava pelos motivos errados. Mas não precisamos agir como se não houvesse motivos de queixa. Há sim, e não são poucos. A inflação subiu, há perspectivas de recessão e o governo resolveu cortar custos ferrando trabalhadores. Se isso não é motivo para reclamar, não sei o que é. E precisamos saber lidar com isso. Fingir que qualquer queixa é sinal de elitismo e coxinhice é exercer o auto engano que tanto criticamos (com razão) nesse pessoal da oposição.

E também há o fato de que o governo não está sabendo lidar com a situação difícil. Dois exemplos õbvios: 1) o abominável ministério do segundo governo, fruto da avaliação de que dar mais sangue para os vampiros garantiria a fidelidade dessa gente nesses tempos difíceis que vem por aí; 2) A desastrosa estratégia de colocar membros do governo na TV ontem, apenas amplificando os eventos do dia. Só por aí se vê que temos um governo comandado por alguém sem nenhuma habilidade política e claramente muito mal assessorada. As coisas não caminham bem para o governo, e ele não sabe reagir. Isso é um fato.

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