Neste domingo tive duas conversas com grandes amigas minhas, pessoas absolutamente queridas com quem eu falo praticamente todos os dias. Uma jornalista, de Recife, outra professora de história do Rio Grande do Sul. Seguramente as duas ignoram a existência da outra, mas me procuraram no mesmo dia com a mesma questão na cabeça. Como eu também rumino essa mesma questão diariamente, suponho que seja algo que esteja atormentando muita gente.
O tema era: o que fazer quando ouvimos algo absolutamente inaceitável? Veja, não estamos falando aqui de questão de gosto. Tipo votar no PSDB, torcer para o Flamengo, gostar de jiló, achar Rolling Stones melhor do que Beatles e outras coisas que eu jamais conseguirei entender mas claramente são escolhas válidas. Falo de ouvir alguém dizer que nordestino é ignorante, que feministas são nazistas que odeiam homem, que cotas raciais são racismo contra os brancos, que lésbica é uma mulher que não foi bem comida, que vivemos uma ditadura gay, que o Brasil é bolivariano, que quem é comunista tem de viver na miséria, que quem gosta do governo deveria morar em Cuba, etc. Você entendeu. Certamente também ouve ao menos uma dessas imbecilidades diariamente.
Essas coisas nos colocam diariamente frente a um dilema. Pois quando ouvimos algo assim temos duas opções, nenhuma das duas isenta de problemas. A primeira é pensar que é melhor evitar a fadiga. Ficar na sua, engolir a raiva, até porque não faz sentido discutir com imbecil que certamente não está aberto a ouvir opiniões contrárias. Até aí tudo bem. Mas o diabo é que no fundo a gente sabe perfeitamente que está deixando passar um discurso escroto e excludente, o que de alguma forma nos torna cúmplices dele. E vamos falar a verdade: a gente deixa passar para não se irritar, mas passa fica irritado do mesmo jeito. Fica remoendo aquelas palavras absurdas e passando raiva.
A outra opção é tentar discutir civilizadamente. O que racionalmente também é plenamente justificável. O problema é que quem diz coisas assim não costuma prezar muito pela racionalidade. Geralmente são pessoas que se guiam pelo ódio e por preconceitos milenares. Aí a coisa acaba tendo duas possibilidades. Uma é um diálogo infinito em que uma pessoa respeita a outra e não é respeitada ("ah, lá vem você defender esse bando de veados", "hipócrita, morar em Cuba você não quer, né?" "Petralha é isso mesmo, tudo idiota que sofreu lavagem cerebral"). A outra, absolutamente inacreditável, é a pessoa bancar a vítima: pobre de mim, fiz uma brincadeirinha de nada e estou aqui sendo crucificado, ninguém pode falar mais nada, cadê a liberdade?
De todos os tipos desprezíveis que habitam este planeta, poucos me geram tanto desprezo quanto este último. A pessoa que acha que tem o direito de dizer o que quiser desde que seja em tom de brincadeira (tipo um "hahahah" no fim da sentença tem o poder mágico de eliminar qualquer brecha de acusação de preconceito). A pessoa que faz críticas pesadíssimas e desqualificadoras a um grupo qualquer, mas no primeiro questionamento vem com o AI NOSSA NÃO SE PODE FALAR MAIS NADA, CADÊ A LIBERDADE DE EXPRESSÃO? A pessoa que pertence a um grupo privilegiado e quer ao mesmo tempo ostentar um discurso opressor e bancar o oprimido, dizendo "questionar a ditadura do politicamente correto" ("odeio gay, falo mesmo, não me sujeito à ditadura do politicamente correto", etc.). Ou então tenta fazer parecer que o erro é seu. Você é que é muito sensível ("poxa, voce se ofende com qualquer coisa...", e as vezes impiedosamente acrescentam, para parecerem super coitados "desculpa se te ofendi", aquela desculpa que é menos genuína que uma nota de 3 reais com a cara do Pelé).
E a situação é horrível quando se ouve isso tanto da parte de gente que voce conhece pouco quanto quando vem de pessoas próximas. No primeiro caso a questão é: "vale a pena perder tempo com essa pessoa de merda que tem opiniões imbecis?". Mas é mais dolorosa no segundo caso. Gente que você gosta, às vezes até ama, que você sabe que faria qualquer coisa por você, gente confiável, coração maravilhoso, mas que diz essas coisas. E às vezes não apenas diz. Repete, repete, repete e repete infinitamente. Por vezes repete exatamente por saber que você pensa o que pensa. Aí o dilema chega num ponto em que você realmente fica paralisado. E agora? Ficar quieto perante um discurso escroto e excludente ou correr o risco de perder pessoas que, apesar de acharem coisas assim, são ótimas e te fazem bem? Dilema devastador.
No fim das contas o post não responde a pergunta feita no título. Eu realmente não sei o que fazer a respeito. Acho que há casos e casos. Ultimamente confesso que ando numa fase mais confrontativa. A radicalização política gerou uma insanidade generalizada (dos dois lados, diga-se) que invadiu o debate sobre outros temas. Pessoas doces, boas, queridas de repente estão xingando amigos e parentes. O nível de desrespeito está alto demais. Então ando meio sem paciência e partindo pro pau. Mas confesso que não recomendo essa postura. Como disse antes, não vejo uma postura que seja "correta". A existência de pessoas que pensem essas coisas é algo tão ruim, mas tão ruim, que eu realmente ainda não aprendi a lidar com isso.
Grande Tiago, me identifiquei 100% com o texto. Mas acho que chegou a hora de partirmos para o debate. Um abraço.
ResponderExcluirJamias perderia pessoas que eu gosto por expressar sua opinião, por mais que eu não goste nem um pouco da opinião dela, me pergunto que tipo de pessoa, sequer cogita uma barbaridade dessa, e ainda por cima se escondendo por traz da fachada de moralidade do "politicamente correto" (eu não posso te chamar de veado, mas você pode me impedir de pensar isso? pode impedir a si mesmo de pensar isso?)
ResponderExcluiro politicamente correto é só mais uma forma de hipocrisia, pessoas tem gostos, e não gostar de pessoas, ou de atitudes faz parte disso, acostume-se!
Olha, pensar todo mundo pode pensar qualquer coisa, mas o problema é falar. Especialmente falar de modo jocoso, ofensivo. Pòr exemplo: você pode pensar "ele é veado" mas ao falar é mais sensato dizer homossexual, ou gay, é mais respeitoso. Pra não ofender, sabe? E mesmo falando gay, tente não dizer coisas generalizadas (gays, negros, judeus, arabes, brasileiros, americanos, mulheres, feministas, empresários de grupos de forró, mcs de funk, todos esses grupos são extremamente hetereogêneos e generalizar sempre vai ofender alguém, mesmo que vc faça parte do grupo em questão)Tem um truque bom: experimente trocar os termos. Se em vez de "gays" fosse "negros" essa frase faria sentido pra você? Por exemplo "a ditadura dos negros" ou "eu não tenho nada contra negros, só não quero que eles fiquem sendo negros na minha frente". Se você acha que fica meio ruim também vai ser ruim com "gays", ou "feministas". O políticamente correto é uma forma de regulamentar o respeito ao póximo, tem mais a ver com princípis de convivência social que com moral.
Excluir